“Quando, Lídia, vier o nosso Outono…”
Dirão os poetas que este breve nada de tempo entre o verão e o inverno, quando os dias já se acinzentam e o mar se agiganta, está cheio do ar que a inspiração pede.
É o fim da vida dos dias quentes e o prenúncio do longo e frio inverno. É o tempo da nostalgia, da saudade, da chuva, das folhas no chão. Ricardo Reis, o pessoano médico que nunca chegou a sê-lo, prossegue assim o poema que abre este curto:
“… / Com o Inverno que há nele, reservemos / Um pensamento, não para a futura /Primavera, que é de outrem, / Nem para o Estio, de quem somos mortos…”
Sim, o outono pode ser tudo isso.
Por cá, em ano de incerteza orçamental, o outono é apenas um daqueles charcos no Serengeti em plena época seca.
Não há aqui nenhum segundo sentido: estamos a falar de uma poça, não muito grande, onde os animais querem beber. A água, claro, não chega para todos.
É possível ouvi-los ao longe, ainda que seja quase impossível percebê-los. Há um leão – e não há sempre? - que parece ser o dono do charco. É ele que decide quem bebe, quanto bebe e como bebe. O resto da bicharada faz barulho, a ver se pinga mais qualquer gotinha. O problema é evidente: se não se entendem, a água não chega para todos e a coisa pode acabar mal.
Alguns animais, que contemplam o charco e as nuvens carregadas de chuva no horizonte, lá onde há uma terra chamada Europa, lamentam o feitio do leão. Acham que podiam beber mais. Muito mais ou só mais um pouco. Há água para todos. Mas o felino guardião da líquida reserva também já percebeu que se der tudo a todos fica ele sem nada. É por isso que ignora certos bichos, passa sem olhar por outros e acaba a falar só com alguns. Depois, faz o mesmo mas ao contrário: passa sem olhar por alguns e acaba a falar com outros. Ignora sempre os mesmos.
A coisa pode durar poucos dias ou várias semanas e, verdade seja dita, nunca se sabe bem como vai acabar. Nas últimas estações secas ninguém morreu de sede e o leão ficou sempre com aquela sensação de que ganha mesmo a perder. Os outros, não ganhando, também não perdem. O empate é isso: água para todos.
Desta vez, porém, há demasiados dentes à mostra e a estrada do empate vai ficando cada vez mais estreita.
E nós? Nós somos aqueles turistas que espreitam ao longe sem nunca perceber bem o que está a acontecer. Mas desde que ninguém nos morda e que consigamos chegar em segurança ao fim do outono, então está tudo bem.
Agora um pouco mais a sério. A negociação em curso para aprovação do Orçamento do Estado é de resultado imprevisível e vai certamente dominar as conversas durante o dia de hoje. Aproveite para respirar fundo porque seguem-se dias de emoções fortes. “Marcelo espera “reuniões importantes”: Costa fala com Jerónimo e Catarina no sábado, Bloco e PCP podem decidir domingo” é o título da notícia do Expresso.
Ontem, após o Conselho de Ministros, abriu-se uma autêntica barragem informativa de medidas adicionais. A equipa de política do Expresso esteve toda a tarde e noite em direto e se abrir esta porta vai ficar a saber tudo o que António Costa pôs na mesa à última hora para evitar que os partidos da Esquerda se levantem e deixem o jogo.
Momento para anotar na agenda: às três da tarde, o ministro João Leão vai estar no Parlamento na Comissão de Orçamento e Finanças.
Estamos a entrar na fase do tudo ou nada. Água ou sede.
“… Senão para o que fica do que passa — / O amarelo actual que as folhas vivem / E as torna diferentes.”
OUTRAS NOTÍCIAS
Segue-se agora uma breve lista de outros temas e assuntos de que provavelmente irá ouvir falar durante as próximas horas.
Começamos pela outra discussão em curso país política: a guerra pela liderança no PSD (o tal que o Governo ignora em matéria orçamental). De um lado temos Paulo Rangel, cujo discurso parece mais o de um líder do que o de um candidato – e ontem disparou sobre António Costa e André Ventura. E ainda guardou munições para apontar à Anacom. No canto oposto está Rui Rio, o líder que se diz obrigado a ir à luta disputar a liderança.
O primeiro embate entre os dois está marcado para este fim de semana no Porto. Rangel no Palácio da Bolsa, Rio no Hotel Sheraton. Será a cidade grande que chegue para os dois?
Seguindo mais um pouco pela direita, há sinais de um abalo sísmico no Governo dos Açores, que está também a atravessar um período de turbulência orçamental. Na geringonça local, é a Iniciativa Liberal que ameaça rasgar o acordo e votar contra o Orçamento.
Há uma greve no INEM hoje.
Três notícias do departamento de Justiça:
Ricardo Salgado tem Alzheimer, mas isso não o vai livrar do julgamento;
Foi detido um quarto suspeito do homicídio de um jovem numa estação do Metro de Lisboa;
O presidente e o vice-presidente da Câmara de Tondela, acusados de peculato e falsificação, conhecem hoje a sentença do Tribunal de Viseu
Tem um empréstimo e beneficiou da moratória? É provável que não pague imposto de selo na reestruturação de crédito. Mas…
Crise energética ou crise dos combustíveis, a verdade é que tudo está mais caro. Ontem houve buzinadelas e protestos um pouco por todo o país, e os taxistas também já avisaram que não vão ficar calados.
Esta manhã no Parlamento serão votados vários projetos de lei, mas há dois cujos assuntos vão dar que falar: um deles consagra a terça-feira de Carnaval como feriado nacional obrigatório; o outro proíbe as corridas de cães.
De Bruxelas, ao fim da noite de ontem, a confirmação de que a original proposta portuguesa de aquisição conjunta de combustíveis talvez tenha chegado demasiado cedo. Ou tarde. Ou qualquer coisa. No Conselho Europeu falou-se de gestão energética, sim, da tensão com a Polónia, claro, mas grandes decisões não houve.
Nos EUA, a notícia em destaque no site do The New York Times é a divulgação de um conjunto de documentos de agências americanas sobre as mudanças climáticas - e as suas consequências geoestratégicas (para os americanos). Isto a pouco mais de uma semana no arranque, na Escócia, da cimeira COP26.
Duas histórias que podem não ter um final feliz: um grupo armado do Haiti ameaça matar 17 pessoas (16 americanos e um canadiano) se não for pago um resgate de 17 milhões de euros; na Austrália é cada vez menor a esperança de encontrar com vida uma menina de quatro anos que desapareceu há quase uma semana.
E outra que acabou mal: lembra-se da jovem Gaby Petito?
A Rainha de Inglaterra passou a noite de quarta-feira no hospital para repousar e, dizem fontes do Palácio, ficou muito chateada por ter de cancelar uma viagem à Irlanda do Norte. Sua Majestade, que voltou a casa, tem 95 anos.
Começa hoje a Feira da Maçã, em Armamar e há 477 anos foi atribuída a Carta de Foral a Grândola.
Na Liga Conferência, o Braga e a Roma, de José Mourinho, fizeram o mesmo – marcaram um golo. A equipa portuguesa venceu por 1-0, os italianos perderam por 6-1.
O ator Alec Baldwin matou acidentalmente a diretora de fotografia do filme que está a filmar.
Frases
“Criei o Truth Social e o grupo Trump Media e Tecnologia para resistir à tirania dos gigantes das tecnologias”, Donald Trump, antigo presidente do EUA, no dia em que anunciou a sua rede social
"Está na altura de o país levar um safanão e o Governo [liderado por António Costa] cair. É a minha posição", Alberto João Jardim, antigo presidente do Governo regional da Madeira, sobre o Orçamento do Estado
Podcasts
🩺 Faltam médicos e especialistas nos hospitais Apesar da despesa com a saúde ter vindo a crescer, as falhas no SNS ainda são muitas, faltando especialistas em muitos hospitais e o novo mecanismo para fixar médicos, a dedicação plena, está para chegar, mas será que é suficiente? O convidado deste Money Money Money conduzido por João Silvestre é Pedro Pita Barros, professor da Nova SBE.
🎵 Rodrigo Leão e a 'Estranha Beleza da Vida' Rodrigo Leão, prolífico músico, compositor e membro de bandas como Madredeus (até 1994) ou Sétima Legião, acaba de lançar mais um disco, composto após o primeiro confinamento, e conversa com Luís Guerra neste Posto Emissor que olha para o passado, das tertúlias a ler o jornal Blitz com os amigos em Lisboa, e para o futuro.
O QUE ANDO A LER
O que pode um homem fazer quando, a páginas tantas (na verdade na 136), dá de caras com isto?
“Se a teoria das cordas estiver certa, então o universo pode ter tido originalmente dez dimensões. Mas o universo era instável e seis dessas dimensões, de alguma forma, contraíram-se e tornaram-se demasiado pequenas para serem observadas. Assim, o nosso universo pode ter na realidade dez dimensões, mas os nosso átomos são demasiado grandes para entrar nestas minúsculas dimensões superiores”
O capítulo que se segue tem por título “O gravitão”. O caso parece grave, mas não.
Este livro chamado “A Equação Divina” (Bertrand), de Michio Kaku (Professor de Física Teórica) é uma obra notável a vários níveis. Antes de tudo, é uma viagem rápida, mas precisa, sobre todas as grandes conquistas científicas da história. Aquelas que todos conhecem, seja Newton ou Einstein, e outras absolutamente fantásticas, como a de Michael Faraday.
Também tem um poema de Stephen Crane:
«Um homem disse ao universo:
“Senhor, eu existo!”
“Contudo”, respondeu o universo,
“esse facto não gera em mim qualquer noção de obrigação”»
Mas o grande objetivo do livro é apresentar o atual estado da ciência, e a demanda que envolve cientistas de todo o mundo com o objetivo de unificar as duas grandes teorias da Física. A saber, nas palavras do autor, a teoria do muito grande, a teoria da gravidade de Einstein; e a tearia do muito pequeno, a teoria quântica.
“O problema é que estas duas teorias estão em conflito entre si. Baseiam-se em dois princípios diferentes, duas matemáticas diferentes e duas filosofias diferentes.”
Pode até parecer que Kaku está a falar do Orçamento do Estado.
Tenha uma excelente sexta-feira e um bom fim de semana.
Amanhã há Expresso nas bancas. Até lá, e sempre, há Expresso para si.
Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: RMarques@expresso.impresa.pt