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Os melhores filmes de 2022: as escolhas do Expresso

Os melhores filmes de 2022: as escolhas do Expresso

Os 20 melhores filmes estreados este ano. A escolha cinematográfica do Expresso é uma oportunidade de recordar as melhores produções do ano e escolher os filmes a ver durante a época festiva

A história de um militar japonês da II Guerra Mundial, treinado por um programa secreto dos comandos do exército nipónico — e que durante quase três décadas se manteve escondido, ignorando o fim do conflito — valeu ao francês Arthur Harari o melhor filme do ano. Ao drama biográfico de guerra sobre Hiroo Onoda (1922-2014), “Onoda — 10.000 Noites na Selva", juntam-se na seleção 19 outros filmes.

1

ONODA — 10.000 NOITES NA SELVA
De Arthur Harari
Com Yûya Endô, Kanji Tsuda, Yûya Matsuura (França/Japão)
Drama de guerra

Os meses vão passando após a estreia deste fabuloso filme de Arthur Harari (n. Paris, 1981) nas salas portuguesas, no passado mês de março, mas quem o viu não vai seguramente esquecê-lo tão cedo. A história é incrível e não veio da imaginação de qualquer argumentista, mas da vida e de um caso particular da II Guerra Mundial. Militar do Exército Imperial Japonês numa altura em que o seu país já se encaminhava para a derrota, Hiroo Onoda (1922-2014) foi treinado por um programa secreto dos comandos do exército nipónico e enviado para as Filipinas, para uma ilha montanhosa do arquipélago de Lubang, escassamente povoada por camponeses.

Onoda partiu sem promessas de viagem de regresso. A sua missão era travar a qualquer custo o avanço da Marinha americana no Pacífico. Ensinaram-no a sobreviver sob condições extremas. Onoda e os seus homens chegaram às Filipinas no início de 1945 e nunca souberam o que aconteceria em agosto desse ano em Hiroxima e Nagasaki. Jamais acreditaram que o Japão fosse capaz de abdicar. Refugiados nas florestas, sustentados pelos recursos naturais da ilha e por uma devoção absoluta ao Japão que raiava a loucura, aqueles homens continuaram a bater-se contra um inimigo invisível até Onoda acabar sozinho.

Em 1974, um jovem aventureiro, Norio Suzuki, decidiu procurá-lo, como se o militar perdido fosse um tesouro escondido. Subiu à floresta e aproximou-se dele com todo o cuidado, montando tenda com bandeira do país do sol nascente à beira de um riacho. Só após longa espera conseguiu que Onoda deixasse o seu esconderijo. Tinham passado entretanto mais de 10 mil noites, 29 anos volvidos sobre o fim da guerra. Onoda voltaria ao seu país como um herói nacional.

Este filme de Harari não é apenas notável pela intensidade das interpretações e pela forma detalhada como trata o levantamento histórico do caso, numa extraordinária teatralização da sobrevivência a céu aberto. É que há aqui um rasto, uma serenidade classicista e uma gestão de ritmo que tornam este trauma misterioso e absolutamente credível. Como se o filme, à semelhança do seu herói, não fosse já deste tempo.

O cineasta francês confessaria, aliás, ter aberto à audiência uma porta transcendente quando considerou que a loucura deste filme não era clínica nem podia dessa forma ser diagnosticada. “É antes uma loucura com uma relação tácita com a fé”, contou-nos em entrevista, “e que vem da recusa de Onoda em admitir a verdade.”

Outro assunto curioso é que esta história tão japonesa foi afinal contada pela primeira vez em cinema não por um japonês, mas por um realizador francês. É que Onoda traz muitas questões ainda hoje difíceis de abordar no Japão: a guerra, a derrota, o patriotismo, o fim do Império. Como se ele fosse um fantasma e viesse do mundo dos mortos para obrigar os vivos a recordarem tudo aquilo que eles tentaram esquecer.



2

DRIVE MY CAR
De Ryusuke Hamaguchi
Japão

Há uma pulsão de morte — e uma pulsão carnal e amores extremados — desde o início deste filme japonês onde se encontram um encenador a viver o traumático desaparecimento da mulher e uma jovem motorista comenvolvida num passado doloroso. Dentro de um carro, em viagens demoradas, eles falam. Não é uma história romântica, antes um demorado processo de cura, três horas de minúcia, mistério, poesia e desamparo, pontuadas pelo texto melancólico de “O Tio Vânia”, de Tchekhov, que o protagonista está a encenar. As surpresas do percurso narrativo, o subtil trabalho dos atores, os cruzamentos temáticos, as particularidades da encenação da peça em causa, o modo lento, quase em sussurros, como Ryusuke Hamaguchi transpõe para o cinema a curta novela de Haruki Murakami em que o filme se baseia fazem desta obra um acontecimento. / Jorge Leitão Ramos



3

MEMÓRIA
De Apichatpong Weerasethakul
Colômbia/Tailândia/França/Alemanha/México/Catar/Reino Unido/China/EUA/Suíça

O primeiro filme que Apichatpong rodou fora da Tailândia (na Colômbia) segue os alucinados passos de uma mulher de meia-idade que procura determinar a origem de um ruído recorrente, que só ela parece ouvir. O resultado é um magnífico ensaio sobre a irrevogabilidade do passado (e sobre a sua ressonância no presente), que trabalha o som como poucos o fizeram, ao longo da história do cinema. / Vasco Baptista Marques



4

OS FABELMANS
De Steven Spielberg
EUA

Eles são os Fabelmans, família de imigrantes judeus russos nos EUA. A mãe pianista dedicou-se à casa, o pai é engenheiro, têm quatro filhos. E o olhar foca-se no mais velho, no miúdo Sammy que sonha desde a infância com o cinema e anseia um dia poder fazer filmes. É Steven Spielberg a contar-nos a longa viagem da sua própria vida, as suas dores de crescimento, num filme autobiográfico por interpostas personagens, com uma fabulosa Michelle Williams. / F.F.



5

É um documentário sobre o Ballet Gulbenkian, a mais importante companhia da história do bailado em Portugal? Sim, mas é sobretudo, um voo pelas quatro décadas portuguesas em que o Ballet Gulbenkian aconteceu. Mais: Marco Martins ousa tentar conjugar a dança no palco, com os movimentos da rua, o corpo de que fala o título é (também) o nosso. O resultado é apaixonante. “Um Corpo que Dança – Ballet Gulbenkian 1965-2005” é, sem dúvida, o melhor filme português do ano. / J.L.R.



6

Este notável documentário segue os atípicos métodos de ensino de um professor da cidade industrial alemã de Stadtallendorf, com uma forte comunidade imigrante. Os seus alunos, entre os 12 e os 14 anos, vêm de 12 países diferentes e mal falam alemão. Mas o professor sabe como despertar-lhes a curiosidade e fomentar uma integração social que jamais é forçada. Uma esplêndida lição de inteligência, civismo e cidadania. / F.F.



7

NOPE
De Jordan Peele
(EUA/Japão)

Numa altura em que o cinema fantástico está reduzido a escombros, “Nope” faz figura de óvni, propondo uma ficção científica (dois irmãos afro-americanos tentam gravar uma imagem do monstro que varre os céus do seu rancho) que se destaca pelas suas conotações políticas. E, em especial, pela sua crítica à história de exploração sistemática e transversal sobre a qual Hollywood assenta. Não é brincadeira. / V.B.M.



8

A FILHA PERDIDA
De Maggie Gyllenhaal
(Reino Unido/EUA/Israel/Grécia)

Apresentado em Veneza, foi uma das gratas surpresas de 2022, a primeira longa-metragem realizada pela atriz Maggie Gyllenhaal, estreia retumbante. Nada de luminárias no céu, todavia, tão só a construção de uma narrativa cinematográfica eficaz, firme, certeira, a cruel história engendrada por Elena Ferrante a encontrar uma imaculada transposição para um filme onde trajetórias de mulheres se cruzam, como facas. E Olivia Colman volta a mostrar que é uma das muito grandes atrizes do planeta. / J.L.R.



9

LICORICE PIZZA
De Paul Thomas Anderson
(EUA)

O último filme de Paul Thomas Anderson, “Licorice Pizza”, acompanha o desenvolvimento de um romance de juventude (entre uma rapariga de vinte e cinco anos e um rapaz de quinze), aproveitando o ensejo para fazer reencarnar um espaço e um tempo. A saber: a Los Angeles de 1973, cujo ‘espírito’ é recriado por via das sucessivas anedotas que fragmentam a narrativa, acabando por transformá-la numa coleção de memórias impressionistas. / V.B.M.



10

CRIMES DO FUTURO
De David Cronenberg
(Canadá/Grécia/Reino Unido)

Cronenberg, que falou ao Expresso sobre “Crimes do Futuro”, volta ao território onde plantou os marcos que o tornaram célebre: o do corpo como lugar de mistérios, magnífico mutante insidioso na sua capacidade de criar prazeres e pânicos. Nada de novo, mas uma sábia revisita transformadora às temáticas que lhe conhecemos tão bem que nos sentimos em casa. E só não se deve dizer que é o fecho da abóbada da catedral cronenberguiana porque dele esperamos ainda mais filmes. /J.L.R.



11
UM HERÓI
de Asghar Farhadi
França/Irão
12
PACIFICATION
de Albert Serra
França/Espanha/Alemanha/Portugal
13
…ATÉ TOCAR O AZUL DO CÉU
de Jia Zhangke
China
14
PERANTE O TEU ROSTO
de Hong Sangsoo
Coreia do Sul
15
FOGO-FÁTUO
de João Pedro Rodrigues
Portugal
16
ANNIE ERNAUX, OS ANOS SUPER 8
de Annie Ernaux e David Ernaux-Briot
França
17
PATHOS ETHOS LOGOS
de Joaquim Pinto e Nuno Leonel
Portugal
18
O ACONTECIMENTO
de Audrey Diwan
França
19
AZOR — NEM UMA PALAVRA
de Andreas Fontana
Suíça/França/Argentina
20
O REI DO RISO
de Mario Martone
Itália/Espanha

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

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