Como é que se faz um filme de encomenda, sobre o Ballet Gulbenkian? Conhece-se o cânone da ronceirice: pesquisam-se e recolhem-se textos e imagens, fotográficas e em movimento, trabalho de mergulho em arquivos; ouvem-se os protagonistas possíveis, estudiosos da coisa dançada, testemunhos institucionais, cabeças falantes; monta-se tudo, em registo cronológico, depoimento aqui, documento iconografias ali; está feito.
Claro que um cineasta a sério quer mais que despachar a incumbência. Assim se posicionou Marco Martins. Executou tudo o que se disse atrás - e montou tudo de uma forma diferente, fascinante e criativa.
Começou por pensar o que é isto do cinema se pôr a filmar a dança porque, embora ele mesmo não o faça, usa documentos com imagens em movimento e a questão coloca-se. Pensou também na movimentação das pessoas na vida e como sublinhá-la, em filme. E, por fim, pensou que não fazia sentido contar o que foi e fez uma companhia de ballet ao longo de 40 anos sem contar como era e mudou o lugar em que existia.
E logo a abrir o filme isso é explícito e nos assombra - ensaio do Ballet Gulbenkian na fábrica da Robbialac em Sacavém, em 1975, a arte mais elitista a chegar ao povo.
De facto, esta iniciativa da Fundação Calouste Gulbenkian que a Vende-se Filmes produziu é muito mais que a narrativa do que foi a mais importante companhia de bailado que existiu em Portugal. O próprio título - “Um Corpo que Dança” - tem uma evidente abrangência que lhe permite abarcar não só os corpos dos bailarinos, mas os nossos corpos, os de toda a gente, como se a ambição do documentário fosse falar da cinesia, da mudança, da dinâmica, do alvoroço do corpo português. A tanto não chega, mas o gesto de se aproximar dessa utopia já é magnífico.
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