
“Nope”, o terceiro filme de Jordan Peele, confirma-o como um dos grandes cronistas da América do seu tempo
“Nope”, o terceiro filme de Jordan Peele, confirma-o como um dos grandes cronistas da América do seu tempo
Na última década, e na ânsia de corresponder às reivindicações de movimentos sociais como o Black Lives Matter e o Me Too, o cinema mainstream americano transformou-se numa espécie de clínica ortopédica, isto é, numa instituição destinada a corrigir ‘posturas desviantes’ e a gerar corpos exemplarmente anónimos. Impermeáveis a tudo o que possa suscitar o nosso desconforto, esses corpos (ou filmes-modelo) cumprem, na verdade, uma função política que é tão perversa como óbvia, a de neutralizar as próprias questões que convocam.
Desde logo, fazem-no apropriando-se delas para — a coberto de uma aparência de diversificação (elencos e histórias mais igualitárias, do ponto de vista racial e sexual) — assegurarem a captação de novos mercados e o sucesso da indústria que os suporta. Recordemos os casos paradigmáticos de blockbusters como “Mulher-Maravilha” e “Black Panther”, onde tudo mudava para que, afinal, tudo ficasse na mesma. O que importa é que a máquina continue a rolar com um mínimo de atrito, o que, em produções dotadas de meios mais modestos, implica colocar o trauma à distância de segurança do passado histórico e/ou embrulhá-lo no seio de ficções que se apressem a pacificá-los, segredando ao ouvido do espectador: “Já passou, está tudo bem.”
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