Ao contrário de “Foge”, “Nope” não é uma parábola sobre a situação dos afro-americanos. Peele não brinca em serviço
Jordan Peele realiza o thriller fantástico, com Daniel Kaluuya, Keke Palmer e Brandon Perea nos principais papéis. O crítico Jorge Leitão Ramos dá-lhe três estrelas
Depois de “Foge”, Kaluuya volta ao universo de Peele, agora na pele de um jovem treinador de cavalos para cinema que se defronta com uma ameaça com que nunca pensou ter de lidar: uma entidade alienígena começa a rondar o seu rancho californiano, o que não augura nada de bom, sobretudo quando se dedica a rapinar-lhe os cavalos. O nosso homem, todavia, leva a coisa com uma fleuma sem medida, poucas falas e basto tino, ao contrário da irmã, Emerald/Keke Palmer, que nunca se cala, as mais das vezes de duvidoso acerto.
Desta vez, convence-o. Se eles conseguirem filmar a coisa com nitidez bastante e duração suficiente, hão de ter porta aberta no programa da Oprah, tornar-se famosos, ricos. E ei-los que partem para o mais peculiar dos empreendimentos. Afinal de contas eles são tetranetos do negro que montava o cavalo que Muybridge filmou em 1878. Pelo menos é o que reclamam.
Ao contrário da generalidade dos heróis dos filmes que querem dar cabo dos monstros e salvar o mundo, OJ e Emerald querem filmar a ameaça. Ela sonha com a fama, ele considera que o dinheiro pode fazer com que salve o rancho que o pai ergueu e lhe legou, agora em risco de soçobrar.
À medida que a entidade alienígena se torna mais violenta e letal, e que eles aprendem algo sobre ela, o filme evolui do terreno do thriller com humor (negro) para o estádio do grande espetáculo (alguns dirão que involui, mas não é certo que a mudança seja uma regressão, talvez uma alteração de matiz, na intenção de conquista de público).
Afinal de contas, “Nope” é uma estreia estival com arcaboiço e vontade de sucesso, Peele não brinca em serviço. Mas brinca connosco, no sarcasmo com que olha o panorama audiovisual, nos truques com que nos prega sustos, até no engenho com que semeia pistas e gora as previsibilidades. Não, “Nope” não é uma parábola sobre a situação dos afroamericanos (como “Foge”), é apenas entretenimento a dizer ‘não’ à facilidade.
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