Depois das janelas, abrem-se portas: programa de voluntariado académico constrói “rede de suporte” para os mais velhos em Viana do Castelo
Uma das pessoas à janela no âmbito da iniciativa de 2020
Durante a pandemia de covid-19, estudantes do Instituto Politécnico de Viana do Castelo criaram uma iniciativa para os mais velhos não se sentirem tão sozinhos em casa: as conversas juntavam diferentes gerações à janela. A ideia evoluiu entretanto para um programa que, através de iniciativas como visitas a casa ou troca de cartas, pretende contrariar o isolamento e o idadismo
Já nos parece distante o tempo em que estivemos fechados em casa por causa de uma pandemia. Mas desse período difícil também saíram boas ideias, que continuam a dar frutos. É o caso de uma iniciativa dinamizada por alunos do Instituto Politécnico de Viana do Castelo (IPVC), em 2020, agora transformada num programa de voluntariado académico.
Há quatro anos, com os estágios em locais como lares de idosos e centros de dia suspensos, os estudantes decidiram “desafiar a comunidade a ir à janela falar com as pessoas mais velhas e recuperar este hábito de falar com os vizinhos, que se vai perdendo um pouco, sensibilizando para a questão dos que viviam sozinhos ou mais isolados”, recorda ao Expresso a coordenadora da licenciatura em Educação Social Gerontológica do IPVC, Raquel Gonçalves.
O sucesso da iniciativa Janelas ConVIDA e a vontade dos alunos conduziu à evolução do conceito, agora transformado num programa de voluntariado, implementado a partir do ano letivo 2023-2024 e que conta com um protocolo de colaboração assinado com a Câmara Municipal de Viana do Castelo e o Centro Humanitário do Alto Minho da Cruz Vermelha Portuguesa.
Atividade em que seniores de Lousada escolheram conselhos para dar aos mais jovens
Na base está a constatação da existência de “muitas situações de isolamento social, muitas pessoas a viver sozinhas, sem retaguarda familiar”, concluindo-se pela necessidade de algum tipo de resposta. “Há aqui uma janela de oportunidade de juntarmos estas três entidades e fazermos algo conjunto, com um impacto maior”, descreve a professora Raquel Gonçalves sobre o processo.
O programa delineado assenta em quatro objetivos: construir uma “rede de suporte” para estas pessoas, promover relações intergeracionais e de solidariedade, combater sentimentos de solidão, isolamento, insegurança e “exclusão social”, assim como “contribuir para combater o idadismo, a discriminação por idade, e minimizar os seus efeitos”.
As atividades estão organizadas em três eixos. O “Letras com Afeto” baseia-se na troca de “correspondência intergeracional” entre pessoas que residem em lares ou frequentam centros de dia e estudantes da licenciatura e do mestrado na área de gerontologia do IPVC. As cartas são escritas à mão por, neste momento, cerca de 25 pessoas de três instituições e 20 voluntários.
Atividade intergeracional na EBI/JI Santa Bárbara da Ilha Terceira
No “Laboratório da Idade”, o objetivo é “fazer ativismo pela idade”, ou seja, “sensibilizar a comunidade para as questões do envelhecimento e longevidade e capacitar e empoderar as pessoas mais velhas”, explica a docente. Uma aula de surf que recentemente juntou jovens e seniores que nunca tinham praticado a modalidade é um exemplo do tipo de ação enquadrada neste eixo. “Foi muito interessante ver a interação entre os dois grupos, todos novatos na atividade, e o potencial que isto tem”, relata. “A ideia é desenvolver atividades intergeracionais que potenciem o combate à discriminação por idade, esta ideia errada que ainda temos muito associada às pessoas mais velhas e ao envelhecimento.”
Já o eixo “Abrir Janelas à Vida” tem lugar na freguesia da Montaria, uma das “mais envelhecidas” do concelho e que é uma “freguesia de montanha, bastante isolada, com muitas pessoas sozinhas”. O intuito é “minimizar situações de vulnerabilidade”, através de visitas domiciliárias quinzenais de dois voluntários a cada idoso. “Fazem companhia, acompanhamento a algum local da comunidade, desenvolvem atividades culturais, de lazer, de estimulação física e cognitiva e promoção também das redes sociais, com os vizinhos, para tentar retomar alguns laços”, enumera a docente. Estão envolvidos 18 voluntários e 12 pessoas mais velhas, para já.
Isto porque, encontrando-se ainda no início, o objetivo é aumentar o número de voluntários no próximo ano letivo e “tentar alargar o projeto a outras freguesias”, que “vivem realidades semelhantes”. Até agora, o balanço é “muito positivo para todos os envolvidos”. “Para o estudante, o potencial é enorme. Este programa permite promover uma relação entre gerações que não conseguimos fazer em sala de aula. É muito diferente ir para o terreno, contactar as pessoas mais velhas no seu contexto habitual de vida, conhecer as realidades. É uma oportunidade de aprendizagem excelente.”
Além do treino de “competências de avaliação e intervenção”, os alunos vivenciam os “benefícios já conhecidos do voluntariado, em termos de crescimento pessoal, desenvolvimento de competências de comunicação e interação social”. Do lado dos seniores sente-se entusiasmo: “preparam a chegada” dos mais novos, que aguardam com “expectativa”. “Estão muito ansiosos para que eles venham. Em pouco tempo já conseguimos ter um impacto visível e notório na vida das pessoas”, sintetiza Raquel Gonçalves.
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