Avós e netos: uma relação de troca importante “até ao fim de vida”
Ilustração Sara Tarita
Quando se vive uma boa relação entre avós e netos, “todos saem a ganhar”. Num país em que os avós desempenham um papel importante no cuidado dos mais novos, o Expresso procurou perceber a relevância e o impacto desta ligação. O Dia dos Avós comemora-se nesta terça-feira
A 4 de junho de 2003, o Diário da República anunciava a instituição da data de 26 de julho como o Dia Nacional dos Avós. A resolução – aprovada por unanimidade pela Assembleia da República – indica que “pelo menos desde 1996 que várias entidades” manifestavam interesse em estabelecer este dia, além de enumerar os motivos para a decisão. Desde logo, o facto de a Constituição definir a família como “elemento fundamental da nossa sociedade”, onde os avós constituem um “pilar importante” enquanto “transmissores de valores sociais e também de valores fraternos”.
A gerontóloga Lia Araújo começa por explicar, em conversa com o Expresso, que Portugal “atribui uma importância muito grande às relações familiares e, sobretudo, à relação entre avós e netos”. Na Europa, é mesmo “um dos países em que os avós têm um papel mais ativo e presente no cuidado dos netos”. “É uma coisa que não existe num país nórdico: eles visitam-se, veem-se de vez em quando. Aqui temos avós que vão buscar os netos à escola todos os dias”, exemplifica a professora da Escola Superior de Educação de Viseu e investigadora do CINTESIS – onde integra o grupo AgeingC, dedicado ao envelhecimento.
Tal não é o caso de Maria de Belém, avó de duas crianças de seis e três anos. “Ainda tenho muitas obrigações profissionais, portanto não sou propriamente uma avó que consegue dispor o tempo todo para os netos”, conta. Ainda assim, fazem parte da sua vida: “Normalmente aos fins de semana e nas férias vêm lá para casa.” Além disso, durante o período de confinamento devido à pandemia, a família esteve a viver toda junta.
O que prefere fazer com os mais pequenos é aproveitar o sol e o ar livre. “Gosto muito de brincar com eles cá fora porque acho que os miúdos hoje em dia precisam muito de espaço exterior, têm muitos apelos para ficarem dentro de casa, com as televisões ou outro tipo de brinquedos”, explica a antiga deputada e ex-ministra da Saúde, de 72 anos. Descreve-se como uma “avó didata”, que “há uns tempos” gostou de “tentar ensinar a [neta] mais velha a ler, a conhecer as letras”.
A partilha de aprendizagens é, aliás, uma das vertentes de uma relação em que “todos saem a ganhar”, aponta Lia Araújo. As crianças porque “têm a oportunidade de conviver com pessoas mais velhas, de outra geração, receber conhecimento e aprender com alguém que tem mais experiência de vida, não só conhecimento factual, mas também valores”. Os avós também adquirem novas competências. “Às vezes pensamos que são as crianças que aprendem com os mais velhos, mas o oposto também acontece e muito, sobretudo agora numa sociedade que está a evoluir tão depressa a nível social e tecnológico. Os mais novos podem ter um contributo muito grande na atualização dos mais velhos”, sublinha a investigadora.
O impacto da ligação entre avós e netos no bem-estar dos mais velhos está comprovado através de vários estudos, que revelam a existência de “benefícios ao nível da saúde física, psicológica, mental e também ao nível da redução do isolamento e da solidão, pela companhia e por uma questão de participação”. Isto significa, esclarece Lia Araújo, que “avós presentes, cuidadores e ativos participam mais na sociedade porque os netos são, no fundo, esse motor”.
Além da vitalidade que transmitem, as crianças também dão e recebem amor e carinho. “Eles são muito meiguinhos e o afeto, o espaço afetivo familiar é muito importante para o nosso bem-estar, para a nossa serenidade e para a nossa tranquilidade”, considera Maria de Belém. Conforme se lê na resolução da Assembleia da República, os avós são “agentes de equilíbrio de relações afetivas” e constituem um “grupo etário fundamental à transmissão de valores e culturas que permitem a sua continuidade”.
Neste sentido, Lia Araújo destaca a teoria do psicanalista Erik Erikson, que indica a importância da “generatividade” nesta fase de vida. “Trata-se de eu, através das gerações mais novas, sobretudo dos meus netos, com quem tenho uma relação mais afetiva, sentir que vai haver continuidade: do meu nome, dos meus genes, da minha família, do meu património, das minhas memórias e dos meus valores.”
Os laços podem ganhar relevância devido ao momento de vida em que os avós se encontram, por exemplo no período de transição para a aposentação. “Ser avô e ser avó é uma oportunidade de assumir um novo papel, de ter um sentido de vida nesta fase, sobretudo numa altura que é complicada porque muitas pessoas deixam de trabalhar com a passagem à reforma e têm a noção que já não têm toda a vida pela frente, o que em termos psicológicos tem algum impacto”, afirma a investigadora.
Maria de Belém sente que os momentos que partilha com os netos “permitem apreciar uma fase da vida diferente”. “Quando somos pais, temos uma responsabilidade muito grande de estar sempre a chamar a atenção para determinado tipo de coisas. Como avós, às vezes podemos ser um bocadinho mais permissivos, embora não faça muito parte da minha natureza, mas também não sou exigente demais”, confessa. É uma avó que procura um “equilíbrio” entre “facultar ternura e boa educação ao mesmo tempo”.
Apesar de todas as vantagens, importa ter em conta os casos que não são tão positivos. Lia Araújo salienta as situações de avós que prestam cuidado aos netos não por vontade própria, mas “porque é uma obrigação”. “Se calhar até gostava de ir para uma universidade sénior ou tomar um café com as minhas amigas, mas não posso porque tenho de cuidar dos meus netos”, ilustra. Aqui, o benefício “não é assim tão grande”: o ideal é existir “uma relação equilibrada”, que “não deve ser uma sobrecarga”.
Quando as crianças crescem e o “apoio mais instrumental” por parte dos avós “deixa de ser tão necessário”, o papel dos netos pode revestir-se de outra forma. Com o envelhecimento e a possibilidade de perda de algumas capacidades, “é bom que os netos também percebam que devem cuidar, nem que seja fazer companhia, visitar, falar, porque isso é importantíssimo”, destaca a investigadora. “Devem ser relações de troca, ou seja, em Portugal falamos muito do papel dos avós no cuidado aos netos, mas os netos também devem cuidar dos avós. Esta relação é importante até ao fim de vida.”
Apesar de não conseguir avaliar o impacto do desempenho deste papel na sua própria longevidade – por ter ainda “poucos anos” enquanto avó –, Maria de Belém assegura que quando se tem netos “é um futuro de esperança que se abre”. “E tudo o que sejam futuros de esperança que se abrem ajudam-nos a viver melhor, isso não há dúvida.”
Este texto faz parte do projeto “Longevidade: um novo desafio”, lançado pelo Expresso em 2022, em parceria com a Fidelidade e Novartis
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