Longevidade

Um projeto para “criar pontes” entre passado e futuro: Aldeias Sem Fronteiras trabalha para “ligar gerações”

Atividade em que seniores de Lousada escolheram conselhos para dar aos mais jovens
Atividade em que seniores de Lousada escolheram conselhos para dar aos mais jovens
LUIS PINHEIRO

Juntar diferentes gerações para reduzir o isolamento dos mais velhos e transmitir conhecimento aos mais novos, ao mesmo tempo que se preserva a identidade cultural do território, é o intuito do Aldeias Sem Fronteiras, projeto em curso até ao final do ano em nove concelhos das Terras do Sousa e da Terra Fria Transmontana. O responsável de uma das associações promotoras conta ao Expresso que trabalho está a ser desenvolvido

Uma sexta-feira de março foi um dia diferente para as crianças da escola na freguesia de Palaçoulo, no município de Miranda do Douro: um senhor mais velho foi explicar-lhes o que faz um cuteleiro – um fabricante de cutelos e outros objetos cortantes – e de que forma, mesmo antes de existir eletricidade.

Dar a conhecer profissões, assim como tradições e histórias locais, através da partilha entre pequenos e graúdos, é uma das finalidades das mais de 300 atividades que o projeto Aldeias Sem Fronteiras está a desenvolver em nove municípios ao longo deste ano: nas Terras do Sousa (Felgueiras, Lousada, Paços de Ferreira, Paredes e Penafiel) e na Terra Fria Transmontana (Bragança, Miranda do Douro, Vimioso e Vinhais).

O “grande objetivo” é “ligar gerações”, ou seja, “envolver as crianças, os jovens e os mais velhos e realizar uma série de ações ligadas também à questão ambiental”, diz ao Expresso o coordenador da Ader-Sousa – Associação de Desenvolvimento Rural das Terras do Sousa, José Sousa Guedes. A associação dedicada ao desenvolvimento local criou o projeto juntamente com a congénere CoraNE – Associação de Desenvolvimento dos Concelhos da Raia Nordestina.

A ideia passa por “contribuir para a participação comunitária e para o desenvolvimento pessoal, através da animação sociocultural, estabelecendo uma rede de parcerias formais ou informais para realizar atividades conjuntas”, por exemplo com municípios, juntas de freguesia e Instituições Particulares de Solidariedade Social, que “têm grande ligação a este tipo de público”.

Criar e preservar memórias

No contexto de vida atual, “há mais dificuldade em ter os mais velhos em casa”, com muitos a ir para centros de dia ou lares, onde nem sempre recebem visitas frequentes. O projeto promove que quem tem “mais disponibilidade” – os mais jovens – o faça para conversar e não só. “É tentar que não fiquem tão isolados e que sejam reconhecidos, criar um certo respeito ou admiração nos mais novos pelos mais velhos e estes perceberem que também são importantes no território”, resume o responsável.

“Notamos, nas atividades que fazemos nos lares, que as pessoas têm grande vontade de contar e de estar com pessoas mais novas, porque senão veem-se uns aos outros constantemente e não é tão estimulante. Por isso tentamos criar estas pontes”, retrata. Tal permite, ao mesmo tempo, “não perder aquilo que mais uns anos, se não for recolhido, se vai perder”. “Além de contar, é também recolher histórias junto dos mais velhos para não se irem perdendo essas histórias antigas e tentar compilá-las”, aponta. De geração em geração passa, por exemplo, o que se sabe sobre o Zé do Telhado, nascido em Penafiel, sobre quem se conta que “roubava aos ricos e dava aos pobres”.

Nas tradições, incluem-se o bordado, os cavaquinhos ou a tamancaria, que está “muito ligada aos ranchos folclóricos”, e os moinhos, quando “já não há tanta gente que saiba trabalhar com eles”. Todas atividades importantes, mas sobre as quais, hoje em dia, “já não se pensa muito, já não faz parte do dia a dia, mas que é pena perder”. Algo que chega até ao lazer, proporcionando momentos em que os mais velhos ensinam aos pequenos os jogos tradicionais, o que ajuda ainda a “tirá-los um pouco das redes sociais e a chamá-los para a natureza e para atividades que podem fazer ao ar livre”.

O intuito é criar um “bichinho” para lá do projeto, proporcionando uma “continuidade voluntária”: que alguém que tenha participado numa ação como, por exemplo, visitar um centro de dia, o continue a fazer por iniciativa própria. Até agora, o balanço é “muito positivo” dada a “muita adesão” ao programa, mas a continuidade do projeto terá de ser avaliada no final. Garantido está já um “manual de animação de zonas rurais”, a ser desenvolvido pelas duas associações, para que fique “um guião que tenha pistas e atividades que sejam importantes preservar e que seja possível replicar”.

Lançado em 2022, Longevidade é um projeto do Expresso – com o apoio da Novartis – com a ambição de olhar para as políticas públicas na longevidade, discutindo os nossos comportamentos individuais e sociais com um objetivo: podermos todos viver melhor e por mais tempo.

Este projeto é apoiado por patrocinadores, sendo todo o conteúdo criado, editado e produzido pelo Expresso (ver Código de Conduta), sem interferência externa.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: scbaptista@impresa.pt

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