Longevidade

Viver mais tempo e com doenças trará peso “enorme”: resposta implica tentar prevenir através de mudança de hábitos ao longo da vida

Viver mais tempo e com doenças trará peso “enorme”: resposta implica tentar prevenir através de mudança de hábitos ao longo da vida
Getty Images

Ao crescente envelhecimento da população estará associada, nos próximos anos, uma subida do número de pessoas com doenças como Parkinson ou demência, sobrecarregando familiares e cuidadores. Mas há aspetos que é possível trabalhar de forma a tentar prevenir ou atrasar o aparecimento destas patologias. A socialização é um deles. O Expresso conversou com o neurologista Joaquim Ferreira sobre o que esperar e o que é possível fazer para contornar algo que “parece inevitável”, mas que pode não ser

Cada vez vivemos mais tempo mas, em simultâneo, as previsões para as próximas décadas apontam para que esses anos sejam vividos com doenças: no caso de patologias como demência ou Parkinson, estima-se que o número de pessoas afetadas duplique – atualmente, em Portugal, são cerca de 200 mil e 20 mil, respetivamente.

“O peso na sociedade vai ser enorme. Como sociedade, ou começamos desde já a refletir como é que vamos mudar a forma como abordamos a doença, os doentes, os cuidadores, os familiares e como é que prestamos cuidados, ou vamos ter um problema social e de saúde enorme”, alerta o neurologista Joaquim Ferreira, professor na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, em entrevista ao Expresso.

Foi precisamente por considerar existir uma “enorme lacuna” ao nível dos cuidados multidisciplinares que, há dez anos, Joaquim Ferreira fundou o CNS - Campus Neurológico, unidade de saúde da qual é diretor clínico, e que é dedicada ao tratamento destas doenças. Hoje em dia, “não é apenas tratar em contexto de consulta e usar os medicamentos que temos disponíveis, mas também disponibilizar aos doentes todo um conjunto de outras disciplinas”, como fisioterapia, terapia da fala, nutrição ou psicologia. Além da atividade clínica, o trabalho desenvolvido pelo CNS – que conta com espaços em Torres Vedras, Lisboa e Braga – inclui formação e investigação.

Joaquim Ferreira, diretor clínico do CNS - Campus Neurológico

O processo não contempla somente as pessoas diagnosticadas, uma vez que “tratar a doença não implica apenas tratar os doentes, implica tratar todo o ambiente que os rodeia, portanto quer os familiares, quer os cuidadores têm cada vez mais uma importância mais relevante”, afirma Joaquim Ferreira. “E mais, hoje sabemos que ser cuidador de pessoas com estas doenças só por si causa doença. Um dos nossos objetivos é prevenir que essas pessoas fiquem mais doentes”, acrescenta.

“O que está a acontecer em Portugal e no mundo é que cada vez mais vamos ter mais doentes com estas patologias. Como os cuidados de saúde felizmente melhoraram, as pessoas também vão viver mais anos com a doença e, portanto, vão chegar a fases mais avançadas dessa doença. Isto significa uma maior incapacidade e uma maior perda de autonomia, um maior peso sobre quem cuida e sobre as famílias”, retrata o neurologista. E não está em causa apenas o crescimento das patologias neurodegenerativas, mas também de doenças cérebro-cardiovasculares.

Contrariar o “inevitável”

Este quadro foi o mote para o congresso para profissionais de saúde recentemente organizado pelo CNS, focado nos desafios que o envelhecimento trará na próxima década. Para evitar uma “situação muito complicada”, com “mais pacientes com doenças que se tornarão crónicas” e para as quais – como Parkinson e Alzheimer – “não é expectável” que nos próximos anos surjam medicamentos que as previnam ou curem, urge pensar como “atuar”, defende Joaquim Ferreira. “Atuar implica tentar prevenir ou atrasar o aparecimento das doenças, socorrendo-nos daquilo que temos, por exemplo mudando os hábitos de vida, e de outro tipo de intervenções que não passem pelos medicamentos para as prevenir e envolver toda a sociedade.”

Muitas vezes, quando se aborda estas doenças, “parece que é inevitável, parece que não podemos fazer nada, e não é verdade”. Há um “conjunto de fatores” em que é possível e necessário intervir, como melhorar fatores de risco cardiovascular e hábitos de estilo de vida. Um exemplo é a perda auditiva, “culturalmente aceite como natural na população mais velha e um fator de risco para demência”. “Quando alguém com 40, 50 anos começa a ouvir menos bem, não devemos aceitar como algo inevitável, mas algo em que devemos intervir e tratar, porque isso pode levar a um aparecimento mais precoce de uma doença que é muito grave, que é uma demência.”

A longevidade não diz respeito apenas à fase mais avançada da vida. “Se calhar, mais do que discutir as questões das doenças associadas ao envelhecimento, devemos discutir a ideia de nos mantermos saudáveis ao longo de todo um trajeto de vida”, observa Joaquim Ferreira. A socialização desempenha um papel fundamental. “Convivermos socialmente funciona como um estímulo cognitivo. É importante que as pessoas socializem, que se mantenham intelectualmente ativas. A questão é como podemos mudar a forma como a sociedade funciona de forma a que as pessoas mais velhas mantenham um nível de socialização alto”, conta Joaquim Ferreira sobre um dos temas abordados no encontro.

Neste campo, o especialista vê a reforma como um “péssimo exemplo”, impedindo que se mantenha atividade profissional por se chegar a determinada idade. É “um mau sinal que o Estado dá aos seus cidadãos” quando devia tentar que continuassem ativos, “não num formato laboral com o mesmo grau de exigência, mas num formato em que mantivessem um estímulo intelectual, cognitivo, físico”. Preparar essa fase ao longo da vida é, portanto, crítico, planeando o que fazer para manter-se “ativo, estimulado, ágil”.

Com vista a um envelhecimento saudável, o caminho engloba um “misto” de, por um lado, “estruturas que propiciem a mudança de hábitos” – por exemplo cidades dotadas de jardins e espaços para a prática de atividade física – e, por outro lado, “aspetos de decisão individual” para essa mudança, como começar a caminhar, deixar de fumar ou “ter alguma preocupação de socialização”. “A socialização é mantermo-nos sujeitos a vários estímulos, que devem ser variados e agradáveis, porque se não forem agradáveis, desistimos”, reforça Joaquim Ferreira. E faz parte do tratamento, tal como os medicamentos.

“Se um medicamento nos fizer vomitar, ao fim de duas ou três tomas deixamos de tomar. Da mesma forma que se adotarmos estratégias de socialização que não sejam prazerosas, também desistimos. Temos de olhar para estes aspetos de estímulo cognitivo e social da mesma forma que olhamos para o medicamento. Isto é um bocadinho revolucionário porque não faz parte do nosso pensamento habitual, mas cada vez mais a ciência diz-nos que é importantíssimo”, realça o neurologista.

Lançado em 2022, Longevidade é um projeto do Expresso – com o apoio da Novartis – com a ambição de olhar para as políticas públicas na longevidade, discutindo os nossos comportamentos individuais e sociais com um objetivo: podermos todos viver melhor e por mais tempo.

Este projeto é apoiado por patrocinadores, sendo todo o conteúdo criado, editado e produzido pelo Expresso (ver Código de Conduta), sem interferência externa.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: scbaptista@impresa.pt

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