Longevidade

Preparar a reforma: nova fase exige pensar na transição e qualidade de vida

Preparar a reforma: nova fase exige pensar na transição e qualidade de vida
Stefan Cioata

A reforma e a transição para este novo período estão entre os maiores desafios associados à longevidade. A falta de preparação para a mudança foi um dos principais temas abordados na conferência organizada nesta quarta-feira pela ANAPR-MODERP – Associação Nacional de Aposentados, Pensionistas e Reformados

Quando o momento da reforma se aproxima e acaba por chegar, muitos são apanhados quase de surpresa, tal é a mudança – e a pouca preparação para o que se avizinha. Face ao aumento da esperança média de vida, vivemos cada vez mais anos e a reforma representa uma fase que, cada vez mais, urge ser pensada e planeada.

Este foi o mote da conferência organizada nesta quarta-feira pela ANAPR-MODERP – Associação Nacional de Aposentados, Pensionistas e Reformados, que contou com a apresentação de um estudo de pós-doutoramento sobre gestão de recursos humanos e preparação para a reforma e um debate com a participação de José Ramos Pires Manso, Sónia Gonçalves e Paulo Pedroso.

O economista José Ramos Pires Manso é um exemplo de alguém que “nunca tinha pensado a sério” nesta nova fase da vida antes de a atingir. “Custou-me bastante a adaptar à nova situação”, contou o professor e investigador da Universidade da Beira Interior que, agora reformado, tem “prolongado a vida ativa” com múltiplas ocupações.

“Temos de preparar a sociedade para o tempo longo depois do trabalho”, defende o sociólogo Paulo Pedroso. “Atingimos um patamar em que não só vivemos mais anos, mas vivemos mais anos para os quais queremos mais qualidade”, retrata. No entanto, o professor e investigador do ISCTE destaca que não existe “um serviço público para a qualidade de vida depois da reforma”. “Temos serviços para cuidar do corpo, mas não da qualidade de vida.”

Para Paulo Pedroso, além de preparar para a reforma é preciso “preparar uma transição”, algo que envolve “regulação legal”, como por exemplo a redução progressiva da jornada de trabalho. Ao nível das organizações, a professora do ISCSP e psicóloga Sónia Gonçalves realçou que os responsáveis de recursos humanos “são implementadores e não decisores do processo”, defendendo a necessidade de “trazer à discussão quem toma a decisão”, isto é, “trazer à responsabilidade os empregadores”.

Falta de preparação

Num estudo com população da freguesia de Agualva e Mira Sintra para a tese de doutoramento em Sociologia, o investigador e gestor de recursos humanos Bruno Rebelo concluiu que existe uma ausência de “preparação intencional” para a reforma e “heterogeneidade” nos modos de relação com este período.

Com base neste ponto de partida, desenvolveu um estudo de pós-doutoramento em que, para a maioria dos 14 entrevistados – com idades entre 30 e 81 anos e onde se incluem trabalhadores, pessoas reformadas ou em situação de pré-reforma e representantes de três entidades –, a liberdade é o principal significado atribuído à reforma. Transversal é o facto de nenhum ter participado em iniciativas de preparação para esta fase antes de lá chegar: apenas duas pessoas, quando já estavam reformadas, participaram num curso. Foram identificados quatro fatores condicionadores da implementação deste tipo de programa: a visão empresarial, o facto de ser um tema recente, os custos de implementação e a visão do Estado e das pessoas.

A análise elenca nove práticas que as organizações podem desenvolver neste âmbito: diagnóstico (desmistificar o que é a reforma e perceber as necessidades e expetativas), adequação das condições laborais (ajustamento do horário de trabalho, mudança de funções ou aumento progressivo de benefícios), parcerias de âmbito desportivo e sociocultural, apoio psicossocial, curso de preparação para a reforma, transferência de conhecimento, complemento de reforma, extensão do seguro de saúde, avaliação (manter contacto para perceber como decorre a vivência da reforma).

O trabalho conclui ainda que investir na preparação para a reforma pode resultar em benefícios não só para os indivíduos, mas também para as organizações e para toda a sociedade. E, além das organizações, o Estado é apontado pelos inquiridos como a principal entidade que pode apoiar a criação de um contexto favorável para a implementação de práticas de preparação para este momento.

A análise procura contribuir para “alimentar o debate” e estimular a criação de políticas e de mais investigação sobre um tema premente, além de apresentar propostas de intervenção, como por exemplo o desenvolvimento de uma agenda da preparação para a reforma ou a aposta na literacia para a longevidade, nomeadamente nas escolas, uma vez que “envelhecemos desde o momento em que nascemos”, nota o investigador.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: scbaptista@impresa.pt

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