Aprendizagens, relações, princípios: os conselhos de vida de 14 centenários
Daniel Lozano Gonzalez
Cada vez vivemos mais tempo, mas que fatores importam para uma vida longa, feliz e com saúde? Pode ser fazer o que se gosta, fortalecer os laços familiares e sociais, manter a atividade física ou fomentar a curiosidade e a tolerância. Eis a opinião de 14 pessoas, de diferentes países, com mais de 100 anos
Ao pensar sobre os 100 anos de vida que leva, Robbie Hall tem um grande arrependimento: os estudos. “Gostava de ter tido uma educação decente”, lamenta a britânica, que cresceu em Inglaterra durante a Grande Depressão.
Quando fez 14 anos, a idade legal em que na altura se podia deixar a escola, a tia ofereceu-se para lhe pagar um curso de secretariado. Mas Robbie tinha de pagar o transporte de autocarro e acabou por não ir. “Sabia como as coisas eram difíceis.”
A oportunidade de trabalhar num colégio interno parecia ser melhor opção. “A única coisa que queria era dinheiro no bolso”, recorda. Hoje, gostaria de ter feito uma escolha diferente e sublinha a todos – mas em especial às mulheres e raparigas – a importância de prosseguir os estudos. “Estudem bem, estudem muito.”
Também Paul Dudley está arrependido de não ter prosseguido os estudos. Agora com 100 anos, diria ao seu “eu” mais novo para não deixar passar a oportunidade de continuar a estudar. “O facto de não ter ido para a universidade é algo de que me arrependo”, conta o veterano da Segunda Guerra Mundial, que vive em Oklahoma, nos Estados Unidos.
O ensino acabou por fazer parte da vida de Paul, que deu aulas a bombeiros depois de se ter retirado da profissão. Aos alunos dizia para não ignorarem a formação. “Passem uma hora todos os dias a ler. Nunca se pode ter educação suficiente. Há sempre algo que se pode aprender.”
Guilhermina Paiva tem 101 anos e vai diariamente a pé até ao centro de dia. Chega mais depressa do que se fosse na carrinha da instituição
Aos 107 anos, Shitsui Hakoishi está determinada em conquistar um recorde mundial do Guinness. “O título de barbeiro mais velho do mundo tem atualmente 108 anos, por isso tenho de trabalhar até aos 109”, explica a japonesa, que em 2021 transportou uma tocha nos Jogos Olímpicos de Tóquio.
Shitsui mudou-se de uma zona rural em Tochigi para Tóquio aos 14 anos, para se formar como barbeira, uma área dominada pelos homens naquela altura. O “dia mais feliz” foi quando recebeu a licença para trabalhar, aos 19 anos. Pouco depois, chegou o dia mais triste: o marido morreu a combater na Segunda Guerra Mundial.
Regressou a Tochigi, à cidade de Nakagawa, onde abriu a própria barbearia – a que se dedicou e que ainda hoje lidera. Para Shitsui, a chave para uma vida longa é uma carreira que traga alegria. “O meu trabalho é a minha paixão. Todos os dias são uma bênção.”
Quando estava na casa dos 20 anos, Bikram Singh Grewal iniciou a carreira como engenheiro, num momento em que a Índia e o Paquistão se tornaram Estados independentes. “Mantenham os vossos princípios”, mesmo que haja consequências quando defendem o que está certo, dizia aos filhos.
“Não importa a quantidade de dinheiro ou riqueza que acumulámos. A verdadeira marca do sucesso é cumprir os deveres profissionais de forma diligente e honesta”, defendeu Bikram que, entretanto, morreu aos 100 anos em Chandigar, na Índia, no dia 31 de janeiro.
Comia cinco frutas e cinco legumes todos os dias e jogou golfe até aos 93 anos. “Acredito que é a combinação de uma boa dieta, exercício e um horário de sono fixo que pode ajudar qualquer pessoa a chegar aos 100 anos.”
A mãe de Treasure Zimmerman não queria que a filha de 20 anos se casasse com o rapaz que conheceu na faculdade, porque isso significava que não ficaria em Kansas City, no estado-norte americano do Missouri. Mesmo assim, Treasure casou-se com ele.
“Adivinha quantos anos durou? Apenas 53”, conta, entre risos, aos 103 anos. Antiga professora de educação física, acredita que manter-se em movimento a ajudou a ter uma vida longa: caminha todos os dias com a cadela. “Mesmo quando não se está a sentir bem, continue a caminhar, continue a mexer-se”, aconselha.
Leonard Samuel Baker tem 101 anos e vive em Scottsdale, no estado-norte americano do Arizona. É um veterano da Segunda Guerra Mundial que, mesmo depois de reformado, não deixou de trabalhar: escreve livros infantis e recebeu uma patente para um capacete de futebol que desenvolveu para reduzir os riscos de concussão.
Mas uma das melhores coisas que fez foi, segundo o próprio, “casar com a Janet”, a “alma gémea perfeita” que conheceu em 1954. Aconselha que se escolha o parceiro certo e que se aprecie o tempo que se tem. Depois de uma vida juntos, Janet morreu aos 88 anos. “Fiquei perdido durante algum tempo”, conta Leonard. Mas acabou por perceber que “ainda estava inteiro e que Deus ainda tinha planos” para a sua vida.
Novos passatempos mantêm-lhe a mente ocupada e aponta que é bom ter objetivos: entre eles está “tentar resolver o problema da água no Arizona, e vai demorar até aos 105 anos para o fazer”, por isso quer chegar até essa idade. Apesar de a vida parecer “cheia”, falta sempre “alguma coisa”. “A Janet não está cá para desfrutar dela comigo.”
Valorizar as amizades
Madeline Paldo encara como extraordinário o facto de, aos 101 anos, ainda manter amizades. Uma das amigas, que conhece há 60 anos, costuma ir almoçar lá a casa, em River Grove, no estado norte-americano do Illinois. “Há sempre ação aqui.”
Um hábito que cultivou com o marido ao longo da vida: reuniam-se uma vez por mês com seis outros casais que viviam nos arredores de Chicago, um grupo a que chamavam “Clube 14”. Visitavam as casas uns dos outros para conversar ou jogar cartas. “Podiam simplesmente aparecer e visitar-nos. Toda a gente tinha as portas abertas”, relembra.
Entretanto, os membros do “Clube 14” foram envelhecendo e o conjunto foi diminuindo. “Aproveitem os vossos amigos enquanto os têm. Perdi alguns ao longo dos anos, mas os que tenho, prezo-os.”
Ao longo de 102 anos de vida, Colin Bell diz ter aprendido a importância da paciência e do sentido de humor, virtudes que não foram tão fáceis quando tinha 20 e os filhos nasceram – fruto de um casamento que viria a durar 73.
“Nessa altura, não compreendia a importância da bondade e da tolerância. Gosto de pensar que a desenvolvi desde então”, relata Colin, residente em Sidcup, no sudeste de Londres. Agora, gostaria de poder dizer ao seu “eu” mais jovem para “ser gentil” e “mais tolerante”, especialmente com os dois filhos.
Tal deve-se ao facto de sentir que o serviço militar na Força Aérea Real durante a Segunda Guerra Mundial, num ambiente “duro e inflexível”, o afetou no papel de pai, de uma forma que lamenta. “Receio ter trazido essa atitude para a minha casa.”
Ser gentil
Matilda Clune criou oito filhos, passou décadas a dar aulas, foi voluntária e ajudou a cuidar de 17 netos e 19 bisnetos. Por mais agitada que a vida seja, defende que é importante ajudar as pessoas e estar presente para os entes queridos.
“Vive a tua vida de uma forma amável. Se puderes, ajuda alguém sem fazer um grande alarido sobre isso. A bondade volta sempre para nos ajudar”, considera Matilda, de 102 anos, residente em Nova Iorque, nos Estados Unidos.
Começou a colaborar como voluntária depois dos 70, incluindo numa unidade de cuidados paliativos, depois de o marido ter sido diagnosticado com cancro nos ossos: morreu em 2001, mas Matilda continuou como voluntária durante 15 anos. “Foi uma experiência muito gratificante para mim.”
Pearl Taylor tinha 39 anos e dois filhos de dez e 13 anos quando o marido a deixou. Lembra-se de estar sentada na cama, “muito perturbada e deprimida”, quando encontrou um presente esquecido de um amigo: o livro The Game of Life and How to Play It, de Florence Scovel Shinn.
Naquela altura, “as pessoas não se divorciavam”. “Acontecesse o que acontecesse, ficávamos com o nosso parceiro”, retrata Pearl, que vive em Ohio, nos Estados Unidos. “Tudo na nossa vida, toda a nossa vida – nós criamo-la”, diz ter aprendido com o livro, que ainda hoje relê, aos 103 anos.
Nasceu em Cuba e foi criada em Kingston, na Jamaica, mudando-se para os Estados Unidos em 1947, onde trabalhou como operária numa fábrica de pneus durante 25 anos. No ano passado, começou a partilhar lições de vida no TikTok, com a ajuda da neta. “A mente é muito, muito poderosa. Qualquer pensamento que tenhas, bom ou mau, vem da tua mente. E, assim, materializa-se.”
Quando Milly Skjordahl era mais nova, o pai disse-lhe que podia fazer tudo o que ele fizesse, desde que trabalhasse arduamente. Milly diz que sempre o fez: conseguiu o primeiro emprego aos 14 anos, mas faltava-lhe confiança e deixava passar oportunidades porque pensava não ser “suficientemente boa”.
Nasceu em 1913 na cidade de Hammond, no estado norte-americano de Indiana, numa família pobre. Daí ter começado a trabalhar cedo, para dar a maior parte do ordenado aos pais e guardar uma pequena mesada. Agora com 110 anos, gostaria de poder dizer ao seu “eu” mais jovem para acreditar em si própria. “Não tinha autoconfiança, mas devia tê-la tido. Em retrospetiva, poderia ter feito quase tudo.”
Manter a determinação
Os sonhos de Walter Alfred eram demasiado grandes para ficarem limitados à pequena cidade onde nasceu, no sul da Índia. Mudou-se para Mumbai aos 17 anos e encontrou um emprego não jornalístico numa agência noticiosa.
Aprendeu sozinho a estenografar e começou a ajudar os jornalistas. Seguiu-se o primeiro trabalho de reportagem. “Não tive nenhum mentor. Foi trabalho árduo e determinação”, realça. Tornou-se correspondente estrangeiro da Press Trust of India, cobrindo acontecimentos mundiais importantes, como o assassinato de Gandhi e a Guerra do Vietname.
Morreu em setembro do ano passado, com 102 anos, uma semana antes do aniversário. Antes de morrer, deixou um conselho: perseverar em circunstâncias adversas. “Vivi tanto tempo devido ao foco e ao trabalho árduo. Sempre resiliente, nunca com medo.”
Betty Reid Soskin trabalhou como escriturária e guarda florestal, abriu uma loja de discos e é ativista política desde os anos 60. Sente-se relutante em dar conselhos específicos, uma vez que diz ter aprendido mais na vida ao continuar a fazer perguntas.
“Há tanto para aprender. Temos uma vida inteira para descobrir o que são essas coisas, e eu continuo a aprender, mesmo aos 102 anos”, considera Betty, acrescentando que a vida consiste em “fazer as perguntas vezes sem conta”. “E cada vez que as fazemos, elas aprofundam-se.”
Vive em Richmond, na Califórnia (Estados Unidos), e gosta de partilhar a história enquanto mulher negra que viveu a segregação racial. “Quando tinha 20 anos, a vida estava à minha frente. Quando tinha 30 anos, ainda tinha a vida à minha frente. E agora tenho 102 anos e a vida ainda está à minha frente.”
Aprender com os mais velhos
María Ambrocia Ruiz Gutiérrez cresceu com oito irmãos na quinta da família em Santa Cruz, em Guanacaste (Costa Rica), onde os pais a orientaram. Aprendeu a trabalhar a terra, a andar a cavalo e a tratar dos animais com o pai, enquanto a mãe costurava roupa para os filhos. “Os meus velhos eram muito bons.”
A própria, atualmente com 101 anos, criava e costurava vestidos para dançarinas tradicionais de Guanacaste até há pouco tempo. Foi mãe solteira de dez filhos durante a maior parte da vida e agora é avó de 22 netos, bisavó de 24 e trisavó de seis. “Aprendam observando e ouvindo os mais velhos e outras pessoas que vos amam e apoiam.”
Lançado em 2022, Longevidade é um projeto do Expresso – com o apoio da Novartis – com a ambição de olhar para as políticas públicas na longevidade, discutindo os nossos comportamentos individuais e sociais com um objetivo: podermos todos viver melhor e por mais tempo.
Este projeto é apoiado por patrocinadores, sendo todo o conteúdo criado, editado e produzido pelo Expresso (ver Código de Conduta), sem interferência externa.