Há “mil razões” para dormir, mas a forma como vivemos prejudica o sono
Ilustração Sara Tarita
Um quotidiano recheado de afazeres, sinónimo de deitar tarde e levantar cedo, tornou-se a mais comum das realidades, própria de um estilo de vida apressado. Mas o sono, muitas vezes descurado, é essencial para a saúde, qualidade de vida e longevidade, como explica ao Expresso a especialista em medicina do sono, Teresa Paiva
Sabemos que a alimentação e o exercício físico são fundamentais para o bem-estar, mas o dia a dia agitado leva, muitas vezes, a esquecer outro fator determinante: uma boa noite de sono. É precisamente o estilo de vida, com horários e rotinas preenchidos, excesso de trabalho e stress, que afeta a quantidade e a qualidade do sono.
“Se tivermos um dia difícil, o sono vai ser provavelmente mais difícil. Se tivermos um sono difícil, o dia a seguir também não vai ser fácil”, sintetiza ao Expresso a médica neurologista Teresa Paiva, considerada a maior especialista em medicina do sono em Portugal. Além de uma alimentação variada e regular e de não comer muito antes de ir dormir, também não se deve fazer exercício intenso em horário tardio – o ideal é guardar a atividade física para o período da manhã e, de preferência, ao ar livre.
Parecem ideias simples de concretizar, mas na prática nem sempre são. E o problema está na mudança de hábitos que ocorreu ao longo do tempo. Nascida em 1945, Teresa Paiva recorda que, quando era pequena, jantava-se por volta das 20h e as lojas fechavam uma hora antes. Atualmente, quando pergunta aos utentes que recebe no consultório a que horas costumam jantar, a resposta varia entre as 21h e as 22h.
“Agora, as pessoas não têm horas para refeições, não têm horas para começar o trabalho, começam cedo demais ou começam a fazer ginástica, levantam-se muito cedo, ou têm de ir pôr os filhos à escola ou têm de fazer imensas coisas. E depois jantam muito tarde e deitam-se muito tarde”, ilustra.
Desta azáfama faz também parte a agenda dos mais novos, igualmente ocupada, além da escola, com várias atividades extracurriculares. “Chegam todos a casa tardíssimo e cansados. Quando chegam a casa tardíssimo e cansados, estão todos irritados”, descreve.
Tudo isto vai ter impacto no sono, cuja importância se mantém ao longo de todas as fases da vida, ao assegurar, entre outras funções, o funcionamento e o equilíbrio de diferentes sistemas do corpo, a regulação hormonal e metabólica e a regeneração dos tecidos. No fundo, “garante a saúde e a sobrevivência”. “Temos mil razões para dormir.”
A verdade é que 32% dos portugueses consideram ter um mau sono e 40% sentem dificuldade em manter-se acordados durante a condução e outras atividades diárias, de acordo com dados de 2019 da Sociedade Portuguesa de Pneumologia. Há ainda 46% com idade igual ou superior a 25 anos que dormem menos de seis horas por dia, quando um adulto deve dormir entre sete a nove.
Para Teresa Paiva, não há motivos que justifiquem estas estatísticas: vivemos num país civilizado, com um bom clima e alimentação, com espaços ao ar livre para passear e em segurança. “Não há nenhuma razão concreta para que nós durmamos pouco e mal, mas dormimos”, aponta.
A longo prazo, os perigos são inúmeros, desde o aumento do risco de cancro, demência e diabetes, ao excesso de peso ou desenvolvimento de doenças cerebrovasculares, cardiovasculares ou autoimunes. Além disso, as funções criativas são “ativadas pelo sono”. “Portanto, as pessoas que dormem pouco decidem pior e têm menos criatividade.”
Outro dado a sinalizar é o facto de os portugueses tomarem demasiada medicação para dormir. Em 2021, foram gastos 77,43 milhões de euros neste tipo de produtos. “Todos os remédios têm de ser considerados por pouco tempo, de forma temporária, e quando é para o sono, garantidamente têm de ser considerados como muletas, não como soluções”, defende.
É por isso que prescreve pouca medicação. A chave está, muitas vezes, em adotar mudanças comportamentais: as horas a mais de trabalho, o excesso de atividades, desempenhar várias tarefas ao mesmo tempo com interrupções frequentes, viver em constante estado de stress ou conflito são alguns exemplos de situações que é possível (tentar) mudar.
A partir dos 65 anos, é o sono que começa a mudar: a duração diminui, assim como o tempo de sono profundo e de sono REM (Rapid Eye Movement, que se caracteriza por movimentos oculares rápidos). “O que não se pode querer é dormir como quando se é novo”, realça Teresa Paiva, uma vez que o organismo se alterou.
Ainda assim, os cuidados relativos ao sono a partir desta faixa etária devem ser os mesmos. “Não se deve estar muito tempo na cama, que é uma coisa que os idosos às vezes fazem. Não se deve levantar nem muito tarde nem muito cedo e deve dormir aquilo que se precisa”, acrescenta.
Mas é necessária especial atenção em manter uma vida ativa, tanto do ponto de vista físico como cognitivo. “Tem de se estar ocupado e isso é um enorme problema porque muitas pessoas chegam à reforma e depois não sabem o que fazer. Devem ter hobbies, quer seja jardinagem, pintar, cantar, costurar”, enumera. Importa também o contacto social, evitando o risco de isolamento e solidão.
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