Oficina da Compaixão quer criar “redes comunitárias”: “Já não nascemos em casas em que vimos os nossos avós a serem cuidados”
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O envelhecimento, a dor provocada por doenças que trazem dependência e vulnerabilidade, o luto: todas estas são experiências que fazem parte do ciclo da vida. Para o movimento das Comunidades Compassivas, a responsabilidade de prestar cuidados e apoiar quem se encontra em situação de fragilidade não deve caber apenas aos serviços sociais e de saúde, mas envolver toda a comunidade. O Expresso quis conhecer o trabalho da Oficina da Compaixão, que pode ser assim resumido: “Alguém que está só a ser cuidado na parte física não tem vontade de continuar viva”
O significado da palavra compaixão surge no dicionário como o sentimento de piedade face ao sofrimento alheio, assim como um impulso altruísta e solidário para com quem sofre. No seio das Comunidades Compassivas – movimento internacional que nasceu a partir da Carta de Ottawa, documento de 1986 apresentado na primeira conferência internacional sobre promoção da saúde – traduz-se em “tratar os outros como gostaríamos de ser tratados”.
O conceito assenta na ideia de que “os serviços sociais e de saúde não podem ser os únicos responsáveis por cuidar das pessoas mais idosas, em situação de dependência ou em fase final de vida”, defendendo que “é preciso sensibilizar e preparar as comunidades para completar este trabalho”, explica Joana Tavares de Almeida, cofundadora e presidente da Oficina da Compaixão, associação criada em 2021 e recentemente reconhecida que se tem dedicado a essa missão.
A preparação é necessária face a um “modelo do cuidar” que já não predomina, em que as famílias cuidavam em casa das gerações mais velhas, o que “antigamente acontecia naturalmente”. “Já não nascemos em casas em que vimos os nossos avós a serem cuidados”, retrata. “Não temos noção do que é cuidar, por muito que até tenhamos vontade, mas não sabemos como é que podemos fazê-lo. Por isso, é preciso que as pessoas entendam que podem ter um papel e que se sintam seguras a assumi-lo.”
A visão do cuidado compassivo parte do princípio de que cada um é composto por cinco dimensões: física, social, emocional, familiar e espiritual. “Todas estas dimensões implicam, na fase final de vida, algum tipo de sofrimento, que tem de ser cuidado. A parte do propósito, de a vida continuar a ter sentido até ao último dia, pode e deve ser assegurada pelas famílias, pelas comunidades, pelos vizinhos”, aponta Joana Tavares de Almeida.
E tal envolve, segundo esta visão, perceber a diferença entre empatia e compaixão. “A empatia é conseguir conectar-me com o sofrimento do outro. Fico com esse sentimento negativo dentro de mim ou com pena. Mas não implica fazer nada para o alterar. Na compaixão, temos de nos conectar com o sofrimento ou a dor do outro, mas depois implica pensar o que é que posso fazer para o aliviar. O facto de agirmos perante o sofrimento do outro faz toda a diferença, porque nos tira o peso de ficar só com a angústia da outra pessoa, e fazemos aquilo que está ao nosso alcance.”
Esta é uma das ideias que a associação procura transmitir nas ações de sensibilização que promove, dirigidas e adaptadas a diferentes idades, por exemplo para crianças em escolas ou para maiores de 65 anos, em locais como centros de dia. “Aquilo que treinamos com as pessoas é que o importante é disponibilizarmos o nosso tempo e dizermos: o que é que posso fazer para melhorar o seu dia hoje? É ir ao encontro daquilo que é importante para a pessoa, ouvir o que é que precisa e não pressupor”, enquadra a responsável.
No caso dos mais velhos, as sessões distinguem-se também pela abordagem a um “envelhecimento consciente”, com base na “necessidade de falar sobre as perdas, as vulnerabilidades e o sofrimento inerente ao final de vida”. “Quanto mais nos prepararmos para esta fase e podermos prever aquilo que vai acontecer, melhor vamos passar por ela”, afirma Joana Tavares de Almeida.
Trata-se de falar de “temas difíceis”, como fazer ou não um testamento, por exemplo. A morte, muitas vezes um tabu, também está entre as questões em cima da mesa: nos encontros online intitulados Death Café, qualquer um pode inscrever-se para “falar livremente e trocar opiniões e inquietações”. A iniciativa – organizada em conjunto pelas nove comunidades compassivas existentes no país – não pretende ser uma formação, mas proporcionar “momentos de partilha, em que se fala sobre a morte e o luto”.
A intervenção da associação passa ainda por dar formação a quem trabalha com idosos, pessoas com doença crónica avançada ou em final de vida, em que o objetivo é “humanizar o cuidado”, centrando-o na pessoa e tendo em conta as tais cinco dimensões e não apenas os aspetos mais práticos do quotidiano, como a higiene ou a alimentação.
No âmbito do projeto Cascais Compassiva, que conta com o apoio da câmara municipal, no ano passado foram formados 66 profissionais que trabalham em serviços de apoio domiciliário no concelho. “Pessoas que estavam completamente fechadas em casa, não queriam abrir as janelas ou estavam na cama porque não tinham motivação para sair, começaram a levantar-se e a ganhar competências outra vez porque tiveram a atenção naquilo que são. Alguém que está só a ser cuidado na parte física não tem vontade de continuar viva”, relata Joana Tavares de Almeida.
Há um exemplo que mostra como algo simples pode trazer uma mudança relevante, no sentido de criar “redes comunitárias”. A vizinha de um senhor que recebe apoio domiciliário costumava perguntar à cuidadora como ele estava. Depois da formação, em vez de se limitar a responder à questão, perguntou se a vizinha o queria visitar. Desde então, tornou-se “um elemento importantíssimo desta rede”: começou a visitá-lo diariamente e até a levar o que for necessário. “Passou a ser mais um elemento na rede do cuidar, que é isto que queremos. É fundamental sentirmos que temos pessoas que se preocupam connosco.”
A associação também já formou 24 voluntários para acompanhar quem está neste tipo de situação, uma vez que “muitas vezes têm imensa boa vontade, mas faltam-lhes ferramentas” para, por exemplo, perceber que há situações em que o silêncio faz parte e que podem estar ali “não para animar, pode ser só para acolher, até para ter um ombro onde as pessoas choram”.
Lançado em 2022, Longevidade é um projeto do Expresso – com o apoio da Novartis – com a ambição de olhar para as políticas públicas na longevidade, discutindo os nossos comportamentos individuais e sociais com um objetivo: podermos todos viver melhor e por mais tempo.
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