União Europeia

Von der Leyen reconhece “grandes avanços” da Ucrânia, mas alerta que adesão assenta no “mérito”. E aponta dedo à Rússia por “caos” em África

Presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen
Presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen
YVES HERMAN/REUTERS

No discurso sobre o Estado da União, a presidente da Comissão Europeia anunciou uma investigação aos subsídios estatais a veículos elétricos provenientes da China. “A Europa está aberta à concorrência, não a uma corrida ao fundo do poço”, justificou. Quanto à inflação, disse que “o regresso ao objetivo de médio prazo do BCE levará algum tempo”, mas assinalou que “a Europa começou a baixar os preços da energia”

Von der Leyen reconhece “grandes avanços” da Ucrânia, mas alerta que adesão assenta no “mérito”. E aponta dedo à Rússia por “caos” em África

Hélder Gomes

Jornalista

Ursula von der Leyen reconheceu que quando se apresentou perante o Parlamento Europeu, em 2019, com o seu programa para “uma Europa verde, digital e geopolítica”, “alguns tinham dúvidas”. “E isso foi antes de o mundo se ter virado de pernas para o ar com uma pandemia global e uma guerra brutal em solo europeu. Mas vejam onde a Europa está hoje”, desafiou esta quarta-feira.

No seu discurso sobre o Estado da União, em Estrasburgo, a presidente da Comissão Europeia enumerou algumas dessas conquistas: o “nascimento de uma união geopolítica – apoiando a Ucrânia, enfrentando a agressão da Rússia, respondendo a uma China assertiva e investindo em parcerias”, “um Pacto Ecológico Europeu como peça central da nossa economia e sem paralelo em termos de ambição”, “o caminho para a transição digital” e a liderança mundial “em matéria de direitos online”.

Von der Leyen falou ainda do “histórico NextGenerationEU”, que, ao combinar 800 mil milhões de euros de investimento e reforma, cria “empregos dignos para hoje e para amanhã”. “Estabelecemos os alicerces de uma união para a saúde, ajudando a vacinar um continente inteiro – e grandes partes do mundo”, sublinhou, acrescentando que a União Europeia começou a tornar-se “mais independente em sectores críticos, como a energia, os chips ou as matérias-primas”. E congratulou-se com o “trabalho pioneiro e inovador em matéria de igualdade de género”. “Como mulher, isto significa muito para mim”, disse.

“Mais de 90% das orientações políticas” cumpridas

No seu mandato, recordou ainda, foram concluídos dossiês que “muitos pensavam que ficariam bloqueados para sempre”, como a diretiva relativa à participação das mulheres nos conselhos de administração das empresas e a histórica adesão da UE à Convenção de Istambul.

Com a diretiva sobre a transparência salarial, “consagrámos na lei o princípio básico de que trabalho igual merece salário igual”. “Não há um único argumento que justifique que, para o mesmo tipo de trabalho, uma mulher receba menos do que um homem”, sublinha. Quanto ao combate à violência contra as mulheres, disse que, “também neste caso”, gostaria que fosse transformado em lei “outro princípio básico”: “não significa não”.

Graças a este Parlamento, aos Estados-membros e à sua equipa de comissários, afirmou, “cumprimos mais de 90% das orientações políticas” apresentadas no início do mandato. “Juntos, mostrámos que quando a Europa é ousada, consegue fazer as coisas. E o nosso trabalho está longe de terminar – por isso, mantenhamo-nos unidos. Vamos cumprir o que prometemos hoje e preparar-nos para o futuro”, desafiou.

“Um planeta em ebulição” e a investigação aos elétricos chineses

Há quatro anos, o Pacto Ecológico Europeu foi “a nossa resposta ao apelo da história” e este verão – “o mais quente de que há registo na Europa” – foi “uma dura recordação disso mesmo”. A Grécia e a Espanha foram atingidas por “incêndios florestais devastadores” e, poucas semanas depois, por “inundações devastadoras”. E assistimos “ao caos e à carnificina das condições meteorológicas extremas”. “Esta é a realidade de um planeta em ebulição”, sentenciou.

Von der Leyen referiu-se ao sector dos veículos elétricos como “uma indústria crucial para uma economia limpa, com um enorme potencial para a Europa”. “Mas os mercados mundiais estão agora inundados de carros elétricos chineses mais baratos. E o seu preço é mantido artificialmente baixo graças a enormes subsídios estatais. Isto está a distorcer o nosso mercado”, alertou.

“E como não aceitamos esta situação a partir de dentro, também não a aceitamos a partir de fora”, disse, antes de anunciar uma investigação da Comissão aos subsídios estatais a veículos elétricos provenientes da China. “A Europa está aberta à concorrência, não a uma corrida ao fundo do poço”, justificou.

Agradecendo aos agricultores, lembrou que a produção de alimentos saudáveis é “a base da política agrícola” europeia. E destacou a importância da “autossuficiência alimentar”. “Nem sempre é uma tarefa fácil”, concedeu, uma vez que “as consequências da agressão da Rússia à Ucrânia, as alterações climáticas que provocam secas, incêndios florestais e inundações e as novas obrigações estão a ter um impacto crescente no trabalho e nos rendimentos dos agricultores”.

“Precisamos de mais diálogo e menos polarização. É por isso que queremos lançar um diálogo estratégico sobre o futuro da agricultura na UE”, anunciou, dizendo-se “convencida de que a agricultura e a proteção do mundo natural podem andar de mãos dadas” porque “precisamos de ambos”.

Os “três grandes desafios económicos”

Von der Leyen anotou “três grandes desafios económicos” para a indústria europeia no próximo ano: a escassez de mão-de-obra e de competências, a inflação e a necessidade de facilitar a atividade das empresas do continente. O primeiro desafio está relacionado com o mercado de trabalho: “Quando toda a gente previu uma nova vaga de desemprego em massa ao estilo de 1930, nós desafiámos essa previsão”, congratulou-se. E fez o diagnóstico: “Em vez de milhões de pessoas à procura de emprego, há milhões de empregos à procura de pessoas”.

Quanto ao segundo desafio, o da inflação, destacou o papel de Christine Lagarde e do Banco Central Europeu, que “estão a trabalhar arduamente para manter a inflação sob controlo”. “Sabemos que o regresso ao objetivo de médio prazo do BCE levará algum tempo. A boa notícia é que a Europa começou a baixar os preços da energia”, disse, acrescentando: “Não nos esquecemos da utilização deliberada do gás como arma por Putin e de como isso desencadeou receios de apagões e de uma crise energética como nos anos 70”.

O terceiro desafio para as empresas europeias consiste em facilitar a sua atividade, explicou, alertando que “as pequenas empresas não têm capacidade para lidar com uma administração complexa – ou são travadas por processos morosos”.

Inteligência Artificial. E o “caos” em África que aproveita a Putin

Voltando-se depois para os desafios colocados pela Inteligência Artificial (IA), disse que “a prioridade número um” da UE é “garantir que a IA se desenvolve de uma forma centrada no ser humano, transparente e responsável”. Assim, apelou à criação de um órgão que avalie os “riscos” e os “benefícios” da IA “para a humanidade”. “Precisamos de um diálogo aberto com os que desenvolvem e utilizam a IA”, salientou, exortando ainda à adoção de “normas globais mínimas para uma utilização segura e ética da IA”.

Na parte do seu discurso dedicada às migrações e à segurança, Von der Leyen lembrou a “sucessão de golpes militares” na região do Sahel, que tornará o continente africano “mais instável nos próximos anos”. E apontou o dedo à Rússia, que acusa de estar “tanto a influenciar como a beneficiar do caos”. Como consequência, “a região tornou-se um terreno fértil para o aumento do terrorismo”, o que constitui “uma preocupação direta para a Europa” e para a “segurança e prosperidade” no continente.

Solução: “temos de demonstrar em relação a África a mesma unidade de objetivos que demonstrámos em relação à Ucrânia. Temos de nos concentrar na cooperação com governos legítimos e organizações regionais. E temos de desenvolver uma parceria mutuamente benéfica que se centre em questões comuns à Europa e a África”.

O alargamento da UE como “catalisador de progressos”

Ainda sobre a Ucrânia, anunciou que a Comissão proporá o prolongamento da proteção temporária concedida a ucranianos na UE. “O nosso apoio à Ucrânia manter-se-á”, garantiu. Já quanto à adesão do país ao bloco, reconheceu não ser “um caminho fácil”. “A adesão baseia-se no mérito – e a Comissão defenderá sempre este princípio”, disse, sendo necessários “trabalho árduo e liderança”.

“Mas já se registaram muitos progressos. Vimos os grandes avanços que a Ucrânia já fez desde que lhe concedemos o estatuto de candidato. E vimos a determinação de outros países candidatos em fazer reformas”, reconheceu. E rematou, dizendo que “o próximo alargamento deve também ser um catalisador de progressos”.

Nas notas finais, Von der Leyen falou de “um continente reconciliado com a natureza e na vanguarda das novas tecnologias”, “um continente unido na liberdade e na paz”. E proclamou que, “mais uma vez, este é o momento de a Europa responder ao apelo da História”.

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