Opinião

Alargue-se a Europa

Alargue-se a Europa

Henrique Burnay

Consultor em Assuntos Europeus

A adesão da Ucrânia e outros tem um custo para Portugal, em dinheiro e centralidade. Mas tem um benefício maior: a União Europeia ganha escala e importância regional e global. E isso é do nosso interesse

A ida de Marcelo Rebelo de Sousa a Kiev restaurou a discussão em Portugal sobre o alargamento da União Europeia, em geral, e a entrada da Ucrânia em particular. Deve ser a favor.

A razão de ser da União Europeia tem evoluído ao longo do tempo. Começou por ser uma maneira de fazer alemães e franceses dependentes uns dos outros e, sobretudo, impedir a Alemanha de começar mais uma guerra. Mais de 60 anos passados, a União Europeia (UE) serve para muitas outras coisas, algumas mais urgentes.

A reorganização do mundo que a guerra da Ucrânia acelerou, mais ainda que a pandemia, obriga a União Europeia a ser uma potência geopolítica e geoeconómica. Pelo menos regional. E isso, com a Rússia mais agressiva e as iniciativas da China a chegarem aqui, já não é possível sem um dia incluir os países dos Balcãs, a Ucrânia, a Geórgia e a Moldávia. Putin sabe isso, melhor que alguns europeus. Por isso o preocupou sempre tanto a aproximação de Kiev à UE. O Presidente russo nunca temeu um ataque militar por iniciativa da NATO, mas sabe que a adesão ameaça a influência de Moscovo. Cada país que se junta é mais um que se afasta.

A preocupação da Rússia é o reverso do nosso interesse no alargamento. Nos anos oitenta, os países ricos da Europa quiseram receber as recém-democracias ibéricas. Não exatamente por caridade, mas porque não queriam ter aqui dois satélites comunistas. Tal como a maior parte de nós. Nesta década, não nos podemos dar ao luxo de perder aliados dentro das fronteiras do continente europeu. Nem dimensão à escala global.

Em Portugal, há sobretudo dois argumentos contra estes processos. Um, diz que vamos perder muitos fundos. O outro, sublinha que assim a Europa se torna mais central e de leste e menos atlântica. As duas coisas são verdadeiras. E uma delas é trágica. A nossa dependência dos dinheiros da Europa mantém-se, quase 40 anos depois de termos aderido. São duas preocupações que temos de resolver.

No caso dos fundos, a grande despesa vai ser com a Ucrânia, e vai acontecer quer Kiev entre, quer não. Portugal de 2023 é incrivelmente mais rico, justo, equilibrado e desenvolvido do que o país de 1986. Mas devia ser muito mais rico, justo, equilibrado, desenvolvido e competitivo. O que nos devia preocupar era descobrir como é que outros têm feito para usar melhor que nós os fundos europeus. Esse problema é, portanto, nosso.

A outra preocupação, a futura maior periferia de Portugal por força da deslocação do centro da Europa para leste, implica duas coisas, pelo menos. Para começar, reforçar a nossa importância atlântica. Historicamente, foi assim que fizemos quando a Europa era longe demais.

Por outro lado, ter cuidado com a preferência pelas maiorias em vez da unanimidade. Não tanto por causa da facilidade ou dificuldade em decidir. Em 2004, quando houve o grande alargamento, também se dizia que o processo de decisão a vinte e muitos ia ser um grande sarilho. Vinte aos passados, a UE legisla muito mais e muito mais depressa. O nosso problema é outro. Com um alargamento tão a Leste, não é certo que nos interesse muito sermos os atlânticos desalinhados que ficam fora dos consensos centro-europeus decididos por maioria em vez de unanimidade. É melhor ter cautela.

Isto tudo dito, ninguém com juízo dirá que devem entrar todos e em qualquer circunstância. Têm de estar preparados, cumprir as regras e não corrermos o risco de voltar tudo para trás num instante. Mais do que a capacidade de absorção, é preciso ter mecanismos que garantam que é possível reagir a um retrocesso político ou económico que coloque um Estado membro em incumprimento dos critérios de adesão, já depois de ter aderido. Isso, mais do que os nossos dinheirinhos, é um problema. Como se tem notado.

Uma Europa maior será menos homogénea e, portanto, mais difícil de gerir? É o que dá sermos, irremediavelmente, uma União de Estados. Mas será mais influente. Que é o que nos interessa.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

Comentários
Já é Subscritor?
Comprou o Expresso?Insira o código presente na Revista E para se juntar ao debate