Eleições no Bloco: Mortágua promete “intransigência” contra “pântano” da maioria absoluta, Pedro Soares atira à atual direção
NUNO BOTELHO
Duas moções em oposição apresentadas ao início da tarde deste sábado, primeiro dia da convenção do Bloco. Mariana Mortágua recebeu a maioria dos aplausos e centrou-se no ataque à maioria absoluta socialista. Do outro lado da barricada, Pedro Soares voltou a acusar a direção de não ter feito balanço das derrotas eleitorais. E perguntou: “fomos à Ucrânia fazer o quê?”
Crise política, crise climática, crise financeira, crise da guerra. Mariana Mortágua falou sobre todas elas para prometer uma “esquerda intransigente e que sabe fazer contas certas”. Na apresentação da moção que lidera na Convenção do Bloco de Esquerda, e que será votada este domingo, a provável futura líder enumerou “irresponsabilidades” do Governo de maioria absoluta e atirou diretamente a António Costa.
“O pântano supera-se com democracia e não com uma chantagem ridícula que acusa de populista qualquer voz crítica do governo”, afirmou Mortágua, numa referência ao último debate com o primeiro-ministro no Parlamento, em que Costa acusou de populismo deputados da direita à esquerda. “Só vos digo que este espetáculo horroroso é o desfecho de uma sucessão ininterrupta de irresponsabilidades.”
Mariana Mortágua joga em casa. O adversário interno, Pedro Soares, que pouco depois carregaria nas críticas, recebeu aplausos apenas de algumas filas da plateia montada no Complexo do Casal Vistoso, em Lisboa, onde o Bloco está reunido este fim de semana. E, por isso, a provável futura líder ia sendo interrompida por gritos de aprovação, e ganhando fôlego no discurso.
Para os críticos, deixou apenas uma crítica subtil e indireta, quando se referiu à guerra na Ucrânia, tema que por esta altura traça a linha que separa direção e movimento de oposição. Falando da “invasão russa à Ucrânia” e de quem “manda jovens morrerem pelo império", Mortágua lamentou que “ainda há quem se atreva a justificar tal chacina”.
Além de apresentar os traços gerais da moção que representa, a moção A, Mariana Mortágua tinha como alvo principal o PS. Primeiro a governação em si, e aí não poupou nas palavras. “Não estamos condenados à degradação e ao vexame que a maioria absoluta impõe a Portugal”, o “calvário” em que o PS transofmrou o país, depois das quatro “irresponsabilidades” que Mortágua elencou: 1) a crise política que forçou com a queda do Orçamento do Estado de 2022, 2) “o festival de facilidades” a empresas com a EDP; 3) a resposta à inflação, espelhada “num acordo com os patrões para dar às grandes empresas a maior borla fiscal do século”; 4) “tratar como estúpidas as pessoas empobrecidas”, acusou, referindo-se aos pensionistas e às contas iniciais do Governo sobre a sustentabilidade da Segurança Social.
Depois da governação propriamente dita, Mariana Mortágua foi ao desafio que o Bloco tem para os próximos anos: como crescer eleitoralmente quando o PS se coloca como barreira à entrada da extrema-direita e concentra o voto à esquerda? Mortágua pegou no exemplo de Emmanuel Macron, Presidente francês, para criticar esse centro que engole o eleitorado com “palavras vazias” e assim fazer uma equiparação com António Costa (algo que a própria Catarina Martins faz com frequência).
“Olhem para o que se passa em França, onde Macron subverte a democracia para prejudicar os pensionistas”, pediu aos bloquistas. E ainda assim, “Macron e António Costa evocam o seu poder como se viessem vacinar-nos contra um vírus”, leia-se, a extrema-direita. “Pois tenho a dizer-lhes que o vírus mais perigoso é esta forma de pisar as pessoas com o empobrecimento, com a desproteção social e com armadilhas”, disparou Mortágua.
Pedro Soares, ex-deputado do Bloco, concorre contra Mortágua à liderança do partido
NUNO BOTELHO
Pedro Soares denuncia “padrão de comportamento” da atual direção que inclui “esconder verdade”
Na defesa pela moção E, adversária da lista encabeçada por Mortágua, Pedro Soares fez um discurso inflamado e com um tom cada vez mais acusatório. “Tempos não estão para discursos vagos como pedir por uma vida boa”, disse o ex-deputado bloquista numa referência a um dos chavões do discurso de Mariana Mortágua. Para o histórico bloquista, a estratégia da moção adversária não polariza à esquerda, mas só contribui para a sua “diluição”.
Pedro Soares aproveitou para destacar a “abstenção” de 80% na votação para os delegados – onde a lista de Mortágua elegeu 81% (530 delegados) contra os 14% (89 delegados) da moção E. “A maioria da direção divulgou a vitoria da moção A, mas escondeu o que foi derrota de todos. Este é um padrão de comportamento cada vez mais comum, de esconder a verdade e degradar a democracia interna”, lançou no palco do congresso enquanto foi fortemente aplaudido por uma minoria que não ultrapassava os 40 militantes.
Outro dos pontos que mais afasta as moções que irão a votos este domingo é o posicionamento em relação à guerra da Ucrânia. “Devemos contribuir para a escalada armamentista ou concentrar esforços no cessar-fogo?”, questionou Pedro Soares que defende uma posição do Bloco mais próxima do PCP e do discurso de Lula da Silva, presidente brasileiro. O ex-deputado lembrou a “perplexidade” perante a inclusão do Bloco na visita à Ucrânia, a convite de Santos Silva. “O Bloco foi à Ucrânia fazer o quê? Foi corroborar de um neonazi organizador de perseguições à esquerda?”, questionou numa forte crítica à atual direção do partido, mas também ao presidente da Ucrânia. Sobre o posicionamento da sua moção, Pedro Soares resumiu: “Somos claros, neste quadro de guerra queremos Putin fora da Ucrânia e a NATO fora da Europa”.
Sabendo que Mariana Mortágua será a mais provável sucessora do partido – reúne o apoio da atual direção e nomes mais fortes do partido – Pedro Soares terminou o discurso tal como o iniciou: com um apelo ao “diálogo” e à “pluralidade”. Os aplausos foram audíveis, mas partiram apenas de uma pequena franja de militantes que tenta não se diluir entre a maioria.