A Beleza das Pequenas Coisas

Cuidado com os colegas FDP!

Há tempos fiquei impressionado com o estado desgastado de um amigo. Estava baço, desmazelado, com umas olheiras carregadas, cabisbaixo, mais inseguro do que era normal, num estado de cansaço e ansiedade preocupantes. Contou-me que não dormia há dias. Insisti com ele até que revelasse a razão do desnorte.

O colega hediondo

O inferno começou quando um novo colega chegou ao seu departamento. Um tipo aparentemente porreiro, simpático, que entrou para a equipa com espírito de competição feroz e que, de forma sinuosa, começou a coordenar e a controlar informalmente o trabalho dos colegas.

O amigo relatou-me como se normalizou que este colega “chefe-mas-pouco” passasse a inundar os emails dos pares, com mensagens pejadas de tarefas e relatórios a exigirem os seus contributos ou opiniões, muitas vezes fora de horas. Alguns até de madrugada…

O outro significado de CC

Isto tudo sempre com a cumplicidade da chefia, colocada em CC nos mails.

Reparem que este CC no mail passou a querer dizer, na gíria, que o dito sujeito se autodenominou “Cabrão de Confiança” dos superiores hierárquicos.

Uma espécie de cão de fila, manhoso para os colegas e, ao mesmo tempo, a dar ares de cavalo de corrida da hiperprodutividade e da eficiência, para impressionar quem realmente manda. Fazendo dos colegas as suas mulas.

É urgente o descanso

“Chego a ligar o computador em casa, às tantas da noite, já a suspeitar que ele me enviou mais mensagens. Estou desesperado. Isto tudo ganha outras proporções por ter o aval da chefia, encantada com ele.”

O meu amigo sente-se cada vez mais pressionado, com receio de ser dispensado se falhar, se deixar de corresponder. E assegura não haver razão nenhuma que justifique este súbito aumento de trabalho, que surge a toda a hora com a categoria “urgente”, como se tudo fosse um caso de vida ou morte. E não é.

As horas de descanso têm de ser respeitadas, são de lei. O plano de trabalhos tem de ser claro e as ordens devem vir das chefias, não dos colegas.

Além de que, como sabemos, o direito dos funcionários a desligar e a ignorar as comunicações da empresa fora do horário laboral está previsto no Código do Trabalho.

A praga dos maus colegas

Ao que parece o tal “chefe-mas-pouco” anda eufórico, todo pavão, com este cargo fantasma.

A sua ambição leva-o a assumir este papel de eterno funcionário do mês, determinado a esfregar na cara das chefias o perfil de líder, antes de o ser.

Eis o típico sacana, mau colega, que tem como objetivo alcançar um gabinete próprio no último andar do edifício, usando o ombro e as costas dos colegas como degraus. Com muito ‘show off’ ele deseja, acima de tudo, um lugar de poder e não uma profissão. É um pequeno pulha. Um homem hediondo. (Olá, David Foster Wallace! Olá, Patrícia Portela!)

E se as chefias que praticam assédio moral provocam sérios danos nas suas equipas, estas outras criaturas, os maus colegas, não deixam de ser igualmente danosos pelo stress e transtorno laboral que provocam.

Recentemente, o Expresso publicou um artigo sobre isto mesmo, dando conta de como os maus colegas podem ter impacto na produtividade das equipas, no bom ambiente de trabalho e até na saúde mental dos restantes funcionários.

FDP quer dizer o quê?

A matéria refere uma pesquisa conduzida pela Kickresume, plataforma de gestão de carreira e otimização de currículos, a assinalar que 85% dos profissionais lidam diariamente com colegas de trabalho irritantes. Quase todos têm essa experiência.

E entre o universo dos colegas insuportáveis, alguns revelam ser verdadeiros FDP. Que podemos traduzir por: “Funcionários Doentes pelo Poder”.

O que se pode revelar com perfis diversos, como os “ladrões de ideias”, os “queixinhas” lambe-botas ou os “microgestores” tóxicos, que vigiam todos os passos dos colegas, colocando-os em causa. O que me parece, de certa forma, o caso que acima relato.

Este meu amigo é da geração X. Nasceu no final dos anos 70, uma geração que herdou a cultura e o mito de que o trabalho assalariado realiza, liberta e é um aspeto central da vida do indivíduo em sociedade.

Por outras palavras, que o sentido da vida das pessoas está no suor máximo que deixam no trabalho, para a sua sobrevivência, remetendo para segundo ou terceiro plano o lazer, o descanso, a família.

O que levado ao limite, se houver sobrecarga de trabalho, stress e horários excessivos constantes, pode resultar em situações de burnout ou até outras doenças piores.

O medo pela precariedade laboral tem levado este meu amigo a sentir-se culpado e ameaçado, e a abrir o flanco a este seu colega FDP, que lhe anda a lixar o juízo. Os limites têm mesmo de ser impostos por ele. E deve chamar a chefia à razão.

Hei-de recomendar-lhe o livro do filósofo André Barata “E se parássemos de sobreviver - pequeno livro para pensar e agir contra a ditadura do tempo”, da editora Documenta.

Barata chega a defender o direito a um rendimento básico para todas as pessoas, independentemente do trabalho, e apresenta os argumentos para um sociedade em que as vidas não sejam apenas construídas em redor da labuta, e o tempo das coisas seja mais lento e humano.

Entrevistei-o sobre isto em podcast, podem ouvi-lo aqui.

A geração do ‘tou nem aí’

Fosse o meu amigo mais novo e não caía na armadilha que o está a consumir. Os jovens Millennials ou da Geração Z carregam com mais facilidade, sem culpas, na tecla do ‘tou nem aí’ e recusam viver só para trabalhar.

Nesse aspeto, são mais sábios, equilibrados e livres. O trabalho não é tudo, nem o centro da vida para os mais jovens.

Estes valorizam mais o capital emocional, o tempo de descanso, as horas de prazer e um ambiente favorável para melhor saúde mental. E estão mais do que certos.

Por causa deles, as regras do jogo mudaram. Isto num contexto de taxas baixas de desemprego, que no primeiro trimestre do ano andavam nos 6,6%, de acordo com o INE.

Qual é o seu salário emocional?

A disputa por talentos disponíveis no mercado começa a levar em conta as condições de valor extrassalariais que as empresas têm para oferecer aos candidatos e candidatas, como o salário emocional.

Qual é o seu? Já se questionou?

Desse ponto de vista, o meu amigo está bastante desfalcado. Paupérrimo mesmo. Tenho de ter uma nova conversa de pé de orelha com ele.

Sobre a importância de desligar mesmo. De não ceder à pressão caótica do colega, de não abrir o computador ou espreitar mails e mensagens de trabalho fora de horas, para escapar da prisão em que vive. E sufocar o mal pela glote.

CONVERSEI EM PODCAST COM…MARTA CRAWFORD

Nuno Fox

Foi há vinte anos que a psicóloga e sexóloga Marta Crawford apareceu pela primeira vez na televisão, em horário nobre, a falar de forma desassombrada sobre o prazer sem vergonhas, medos, opressões ou preconceitos num país ainda conservador e machista.

Em 2022 inaugurou o MUSEX - o Museu Pedagógico do Sexo e a exposição “Amor Veneris - Viagem ao Prazer Sexual Feminino”, que Marta concebeu e assinou a curadoria.


Nuno Fox

Nesse mesmo ano, Marta foi diagnosticada com cancro da mama e conta como superou o abanão, alterou o ritmo de vida, as prioridades e redescobriu prazeres antigos, como tocar piano.

Ouçam-na aqui.

UMA SUGESTÃO DE LEITURA…

Niketche - Uma História de Poligamia, de Paulina Chiziane, ed. Caminho

Este romance é considerado a obra prima da escritora moçambicana Paulina Chiziane, que foi Prémio Camões em 2021. A sugestão foi-me dada pela Marta Crawford e é um livro que confronta com mestria as relações patriarcais e traz para a discussão o lado perverso das tradições e a força do empoderamento feminino.

Nesta história, Rami, a narradora, conta sobre a descoberta de que o seu marido, Tony, afinal tem outras esposas espalhadas por Moçambique. Após o choque, Rami decide conhecer essas outras mulheres e criar relações com elas.

A newsletter “A Beleza das Pequenas Coisas” termina por hoje. Se quiser dar-me o seu feedback, partilhar ideias, sugestões culturais e temas para tratar, envie-me um email para oemaildobernardomendonca@gmail.com.

E deixo a minha página de Instagram: @bernardo_mendonca para seguir o que ando a fazer.

É tudo por agora. Temos encontro marcado no próximo sábado. Até lá, desejo uma boa semana, com muito do que deseja e gosta!

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: oemaildobernardomendonca@gmail.com

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