Bom dia,
Antes de mais um convite: hoje, às 14h00, "Junte-se à Conversa" com David Dinis e Vítor Matos, para falar sobre "A mentira na política". Inscreva-se aqui.
A imagem captada pelo Tiago Miranda é dura. Um homem, no ocaso da sua vida, com o peso nos ombros de tudo o que lhe imputam, caminha, lentamente, com as mãos apoiadas na mulher enquanto na sua cara um outro homem lhe grita insultos e palavras de desespero. Ricardo Salgado, com 80 anos, é uma sombra do que foi, a braços com a doença de Alzheimer, não poderá apresentar a sua versão e as “vítimas” - como agora são chamados os clientes lesados do BES - não encontram no interlocutor alguém lúcido para lhes responder e assim perceberem que estão a ser ouvidos e percebidos.
Não estão. “Não tem consciência”, disse em tempos o advogado. Mas é este homem, sem que a razão esteja presente para ser julgada, que muito consciente, há anos e durante décadas, terá cometido crimes económicos que afetaram clientes, famílias inteiras e um país. Pode a justiça submeter um homem de 80 anos, visivelmente debilitado, a estar em julgamento? Pode a sua defesa submetê-lo a caminhar em frente a câmaras de televisão para fazer valer a sua tese que temos de ter empatia por este homem que não sabe o que lhe está a acontecer? Pode e pode. Talvez não devessem. Mas a justiça tem de ser cega e Ricardo Salgado não será nem o primeiro nem o último réu nestas condições, mas será, seguramente, dos mais mediáticos e que nos porá a falar sobre aquela imagem e sobre o que se pode ou não fazer. “Ricardo Salgado, o direito e os costumes”, escreve Henrique Monteiro.
Foi, aliás, este o primeiro passo da defesa, o de usar essa imagem da entrada de Salgado no tribunal para vincar que “apresenta limitações físicas e perda de autonomia global”. O próximo passo foi o de pedir a nulidade do julgamento, noticiou a CNN, e que pode levar Portugal ao Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, porque o tribunal “colocou a justiça a julgar um arguido com a doença de Alzheimer, que o impede de se defender”, disse o advogado de Salgado, Adriano Squilacce, como conta Diogo Cavaleiro, o jornalista do Expresso que está a acompanhar o julgamento.
Sobre este assunto, sugiro ainda estes textos publicados no Expresso:
1 - Salgado: o homem acusado de um poder autocrático no GES foi obrigado a ir ao tribunal, foi confrontado, mas não voltará
2 - Depoimentos de falecidos, gravação que não pode ser usada, prescrições e vítimas: o julgamento do BES arranca esta terça-feira
Pela passagem do tempo, o Ricardo Salgado que ontem apareceu no tribunal da comarca de Lisboa para responder pelos 62 dos 300 crimes de todo o processo em torno do Grupo Espírito Santo e da queda do BES, não é o Ricardo Salgado culpado, ainda que o possa ser. É uma nebulosa do que foi. A imagem e o corpo estão lá. A mente, a consciência, não. O tempo que demorou a que este caso chegasse a julgamento fez com que a justiça, mesmo que seja declarada num acórdão, não seja efetivamente percebida. Chegou tarde.
O perdão a Salgado veio-lhe pela doença. Todos os intervenientes mereciam que assim não fosse.
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Água. Dois terços das águas superficiais da Europa estão em mau estado. E Portugal não escapa à crise,
Frases
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“Montenegro terá de mostrar que é mais do que o lutador que resiste às marés políticas. Terá de provar que pode ser o líder que quis ser quando concorreu há um ano”
Maria Castello-Branco, no texto “O ouriço providencial do PSD"
“Por certo que todos têm culpa disso, mas em regra quem está no exercício do poder governamental perde menos”
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🕰️A História Repete-se. Henrique Monteiro e Lourenço Pereira Coutinho conversam sobre um dos episódios marcantes do século XX: a revolução bolchevique de outubro de 1917. Esta é a história da revolução bolchevique, que mudou a Rússia para sempre.
O que ando a ler
Posso dizer que li um vencedor de um Nobel este ano e que não é Han Kang. O anúncio com os laureados com o Nobel da Economia desta semana fizeram-me voltar a um livro que deveria estar na cabeceira para irmos consultando. “Porque falham as nações?”, de Daron Acemoglu e James A. Robinson, que em conjunto com Simon Johnson receberam o Nobel da Economia. É um livro que nos vai respondendo a essa pergunta de como falham as nações, pondo o foco não na geografia ou nos costumes do povo, mas nas suas instituições e de como elas evoluem. Ao longo das páginas, vamos conhecendo inúmeros factos históricos de vários países que nos permitem perceber um pouco melhor como as desigualdades são tão diferentes de país para país.
Muito obrigada por ter estado desse lado. Continuaremos em expresso.pt a dar-lhe conta do que de relevante se passar por cá. Boa quarta-feira
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