Opinião

As Causas. A telenovela do Orçamento

Parece claro que Pedro Nuno Santos está metido num colete de onze varas, paralisado entre concordar em se abster na votação do Orçamento ou votar contra e provocar eleições

Talvez já estejamos fartos (e aí em casa ainda mais…) da telenovela do Orçamento, mas vamos viver com ela até ao final de novembro.

Sendo assim, não se admirem que hoje tenham destaque o Capitão Haddock, elefantes em lojas de porcelana, o vozeirão de PNS e os seus ralhetes aos socialistas que supostamente estão no cimo de pedestais.

Também se vai falar da necessidade de uma “classe política” e dos tratos de polé que lhe dão o líder do PS e o do CHEGA.

E não vamos esquecer os apoios aos media e o que está curiosamente a gerar…

PNS COMO CAPITÃO HADDOCK

Parece claro que PNS está metido num colete de onze varas, paralisado entre concordar em se abster na votação do Orçamento ou votar contra e provocar eleições.

Ele tratou deste tema com os pés, ou melhor, com o seu vozeirão. Por isso só de si se deve queixar quando durante a noite acordar com pesadelos ou não conseguir dormir com insónias, como o famoso Capitão Haddock depois de ser “torturado” com uma pergunta: “dormes com as barbas por cima ou por baixo do cobertor?”.

Mas, dito isto, há que reconhecer que não seria nada fácil sair bem desde dilema, a não ser que – como lhe propuseram alguns amigos e aliados, talvez mais cínicos, mas seguramente mais inteligentes e sábios – afirmasse logo após as eleições (ou mais tarde se conseguisse, entretanto, ter ficado calado) que se iria abster sem negociar.

Foi o que fez Marcelo para evitar o mesmo dilema quando liderava a oposição contra o seu amigo Guterres.

Agora tem o partido dividido (incluindo os líderes das estruturas regionais e deputados), o que sempre prenuncia problemas futuros, mostrou defeitos de liderança que darão ideias a outros, e arrisca-se a fugir à tortura da paralisia pela bravata de dar um passo em frente à beira do precipício.

Nesse sentido se deve interpretar o ralhete (mandá-los descer do “pedestal” não é propriamente um ato de ternura…) que PNS fez aos socialistas que comentam nos media e dão entrevistas, de um modo geral sensatos e preocupados com o passo em frente para o precipício.

ELOGIO À NECESSIDADE DA “CLASSE POLÍTICA”

E há algo mais que o prejudica (como aliás a André Ventura), e que tem a ver com a falta de perceção do que é (e sempre terá de ser) uma “classe política”.

Os sistemas políticos sobrevivem em democracia também com base em relações pessoais e na confiança entre os atores com divergências políticas, estratégicas e ideológicas. Como se dizia no Século XIX, “há mais em comum entre dois deputados um dos quais é radical do que entre dois radicais um dos quais é deputado”.

Foi isso que aconteceu entre Guterres e Marcelo, que puderam negociar sem parecer que o fizessem: no fundo, trocar a abstenção no Orçamento pelos referendos ao aborto e à regionalização.

A agressividade excessiva que destrói o conceito de “classe política”, impede o diálogo, que se torna apenas uma encenação para permitir culpar o outro pela rutura.

Por certo que todos têm culpa disso, mas em regra quem está no exercício do poder governamental perde menos.

Foi, pois, absurdo que – sem qualquer necessidade estratégica ou sequer tática – PNS criasse o que há meses chamei um “muro de Berlim” entre o PS e o PSD para forçar (ingenuamente) a que o PSD se aliasse ao CHEGA.

E no mesmo sentido também vão as afirmações de Ventura sobre conversas com LM (parece falso o que afirmou, mas seria mais destruidor da confiança se fosse verdadeiro) e o deslize precipitado de PNS a meter-se no tema aproveitando para admitir que ambos podem ser mentirosos.

Chegámos assim onde chegámos. Vejamos, então, como iremos sair disto.

UM ORÇAMENTO PARA SOPRANOS?

Uma coisa continua a parecer-me mais provável do que não: O PS acabará por se abster na votação final (após o debate na especialidade), sem acordo prévio, ou fará um acordo depois do Congresso do PSD do próximo fim de semana.

A grande questão, por isso, parece-me que se deslocou para este novo dilema que, como venho dizendo há algum tempo, tem em si os cimentos da manutenção do risco de eleições, agora se a AD decidir votar no final de novembro contra o Orçamento que tenha sido desvirtuado no debate na especialidade.

Realmente, não é preciso ler borras de café para se concluir que parece altamente improvável que daqui a uma semana PNS tenha uma epifania, aperte a mão a LM e anuncie a abstenção ao seu dividido partido.

Posso evidentemente estar a ver mal o filme, mas creio que o líder do PS dirá daqui a dias que se abstém na primeira votação apenas para levar o Orçamento para o debate na especialidade e que votará contra se as alterações que vai propor ou apoiar na especialidade não forem apoiadas pelo PSD ou se o voto contra do CHEGA as impedir de passar em conjunto com o voto da AD, afirmando que sendo assim eles que se entendam.

Isto até poderia resultar se PNS fosse capaz do difícil exercício de otimização política: obter o que afirme querer (e que não seja muito) e ver a AD aceitar o que dirá não ser problemático, cada um ficando na sua para mais tarde cantar vitória nas reuniões partidárias e fora delas.

Infelizmente, não acredito que o vozeirão de PNS seja capaz das tonalidades modeláveis e por isso subtis de um soprano. Por isso, o risco é forte de que acabe a propor o que sabe não ser aceitável para o CHEGA ou que seja inaceitável para LM.

Nesse caso pode tornar-se num elefante numa loja de porcelana e causar uma de duas consequências: perder propostas demais para ser fiel ao que afirmou ou ganhar propostas de mais para ser tolerável para LM.

Em qualquer destas duas hipóteses será mais provável do que não que no final de novembro – por um razão ou outra - as eleições se tornem inevitáveis.

O PACS E O MASOQUISMO

O “Plano de Ação para a Comunicação Social” (PACS), lançado há dias pelo Governo foi um ato de coragem.

A experiência da vida revela-me que isso vai apenas aumentar a agressividade nos “media” para assim demonstrarem que são independentes. O PACS tem alguma coisa de masoquismo, realmente…

Apoiar a função social da comunicação social regulada é essencial para a democracia liberal. Isto é de tal modo evidente que nem vale a pena perder tempo a explicar.

E a opção do PACS foi a mais correta, focando-se sobretudo no apoio aos consumidores de media que serão financiados para comprarem e para o fazerem de acordo com as suas opções pessoais.

É verdade que também há incentivos à contratação de jornalistas, que considero opção menos acertada (preferia que os apoios aos consumidores fossem aumentados no mesmo valor), mas que me parece apesar disso razoável nas atuais circunstâncias.

Este apoio pressupõe, no entanto e implicitamente, o reforço da responsabilidade social de uma profissão que – talvez surpreendentemente – é entre as poderosas a menos escrutinada.

E nesse sentido saúdo que o Grupo RTP e Lusa sejam obrigados a olhar para as gorduras e desperdícios, fazendo mais e melhor apesar de poupanças.

O gráfico que incluo é muito interessante e revela que a contribuição obrigatória para o audiovisual (que pagamos na fatura de energia elétrica) a favor da RTP é superior à totalidade das receitas anuais dos seus concorrentes.

Eu teria preferido que se reduzisse esse imposto disfarçado em vez de reduzir a publicidade, mas percebo o racional.

O ELOGIO

À IMPRESA (dona da SIC e do Expresso) e à Porto Editora, por terem lançado uma iniciativa para aumentar a literacia mediática (“desafiar alunos e professores a explorar questões como as notícias falsas, a veracidade da informação e o impacto da desinformação”) que abrange 5000 escolas e um milhão de alunos.

Agora é essencial evitar o risco de entregar à religião “woke” a tarefa…

LER É O MELHOR REMÉDIO

O mundo em que vivemos tem muito mais a ver com o “Sol na Terra” (nome que, pelo menos até ao final dos 70 do passado século, Álvaro Cunhal usou para definir a União Soviética) do que seria desejável.

Por isso hoje sugiro um livro que será lançado a nível mundial daqui a uma semana, “Patriota” (Ideias de Ler), de Alexei Navalny e outro que fez história em 1973, “O Arquipélago do Gulag (Sextante), de Aleksandr Soljenítsyn, como exemplo de muitos que revelaram as prisões políticas do comunismo, as quais faziam por certo a inveja da PIDE.

Por estes dois livros perceberemos o que foi o terror do Comunismo e o que é o terror do Putinismo, que nisso o continuou. Claro que o terror comunista foi incomensuravelmente mais generalizado e violento, mas a matriz é a mesma.

E, sobretudo, lendo conheceremos melhor um herói dos tempos modernos que é inspirador para todos os que sofrem a brutal repressão política das ditaduras e autocracias que infelizmente existem em 60 países e têm sob a sua pata cerca de 40% da população mundial.

A PERGUNTA SEM RESPOSTA

O boletim informativo do CHEGA refere que a revista “Sábado” noticiou que as contas do LIVRE em 2019 tinham irregularidades (“10 tipos diferentes de irregularidades, incluindo divergências nas despesas e a falta de ‘suporte documental’ para quotas e contribuições”).

Procurei na Google e não encontrei nenhuma referência ao tema em nenhum meio de comunicação social, incluindo na “Sábado”, mas encontrei largas dezenas de notícias em quase todos os meios de comunicação social sobre as contas do CHEGA nesse mesmo ano.

O CHEGA queixa-se de discriminação dos media. Se isto for verdade, tem toda a razão. Mas se não for verdade, é bom que se saiba.

Por isso a pergunta: o CHEGA mente ou para os jornalistas há filhos e enteados quando se trata de reportar irregularidades nas contas dos partidos?

A LOUCURA MANSA

Não queria acreditar, quanto vi os órgãos sindicais da profissão de jornalistas a ameaçar Maria João Avillez (registo que sou há décadas seu amigo e admirador) e a SIC (de que sou colaborador) por causa de ela não ter “Carteira Profissional” e por isso ao fazer a entrevista ao Primeiro-Ministro estar alegadamente a cometer um crime de “usurpação de funções” e que além disso propondo que ela e a SIC sejam por isso multadas!

Se o ridículo matasse nada diria. Mas sabemos que não mata. Por isso afirmo que esta loucura tem muito a ver com o apoio do Governo aos media (aumentar agressividade para se não dizer que se “venderam”), tudo a ver com o corporativismo (que não acabou há 50 anos) e, se calhar, está envolto em alguma inveja.

E mais importante, isto é um sinal de que há quem não perceba os verdadeiros desafios da sua profissão (não são os únicos…), não saiba que vive no Século XXI, e o que o risco para a profissão não vem de jornalistas que a honram... com ou sem a tal “carteira”.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

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