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Diz-me o teu QI, dir-te-ei quem és

Diz-me o teu QI, dir-te-ei quem és

Miguel Prado

Editor de Economia

Bom dia.


Antes de mais, deixo-lhe o convite para a nossa conversa com assinantes na quarta-feira, às 14h. Sobre o "PS: os candidatos e as promessas", com David Dinis e Vítor Matos. Pode inscrever-se aqui. E na quinta-feira, às 12h, irá realizar-se mais um “Visitas à redação”, exclusivo para assinantes. Inscreva-se através do e-mail producaoclubeexpresso@expresso.impresa.pt e venha conhecer o seu jornal.



Agora o tema que lhe sirvo, morno, neste Expresso Curto de uma manhã gelada de dezembro. Ainda faltam umas semanas para o Natal, mas Belém inunda diariamente as nossas vidas, nas televisões, nos jornais e nas rádios, no conforto de casa ou no desconforto de uma sala de espera. Ontem, numa dessas salas de uma clínica afastada do bulício da capital, enquanto o Presidente da República começava a discursar num pequeno ecrã, era bem sonora a dor lancinante de um paciente que estava a ser suturado. Na sala de espera uma mão cheia de cidadãos aguardam a sua consulta. “Ele devia demitir-se. Eu respeito muito as gémeas, mas elas não são mais do que os outros todos que estão à espera”, comenta uma senhora sentada. “Está a brincar com milhões de euros que não são dele, são nossos”, prossegue o senhor de pé. Cada cabeça, sua sentença. Na sala do lado, mais um ponto… e já está. Entretanto, na televisão, o chefe de Estado pigarreia, enquanto explica. Os pacientes impacientam-se, enquanto esperam.


Marcelo Rebelo de Sousa nega ter favorecido quem quer que seja, perante as suspeitas levantadas no caso do tratamento das gémeas brasileiras com atrofia muscular espinal, noticiado há um mês pela TVI. Esta segunda-feira o Presidente da República disse ter condições para continuar em funções e provavelmente tomará como injusta a cogitação de que privilegiou as filhas de conhecidos do seu filho Nuno Rebelo de Sousa, que há mais de uma década vive no Brasil, onde lidera a Câmara Portuguesa de Comércio em São Paulo.


Mas, do mesmo modo, um número indeterminado de cidadãos também tomarão como inaceitável que possa haver tratamentos de favor no Estado. Verão como incompreensível que haja acessos privilegiados no Serviço Nacional de Saúde. Ou uma via verde para alguns projetos empresariais enquanto outros esperam meses por um e-mail de uma administração pública enredada em burocracia. Ou a circunstância de um contribuinte comum perder longas horas em repartições de Finanças enquanto os mais afortunados acedem à “assistência personalizada” da Unidade dos Grandes Contribuintes da Autoridade Tributária. Ou que os mais ricos consigam caros advogados para litigar e os mais pobres nem por isso.


A intervenção de Marcelo Rebelo de Sousa esta segunda-feira deixou várias pontas soltas num novelo complicado (e o presidente do Chega já veio reclamar mais esclarecimentos). Que crimes podem estar em causa? Pode o Presidente da República ser testemunha ou arguido? O que foi esclarecido e ficou por esclarecer? Vale a pena ler o que aqui escrevemos nas últimas horas sobre este caso, em 11 perguntas e respostas. Note-se que o Hospital de Santa Maria, em Lisboa, recebe centenas de solicitações para tratamento de doenças raras. Note-se que as gémeas brasileiras cumpriam os critérios clínicos para ter a autorização de utilização especial do medicamento Zolgensma. E note-se ainda que Marcelo insistiu que não favoreceu nem quis fazê-lo, apenas tendo dado conhecimento da situação, como faz em muitos outros casos, ao gabinete do primeiro-ministro. Mas não é para já claro se o processo foi acelerado pelo envolvimento do filho do Presidente.


Certo é que ao longo do último mês voltámos a discutir um dos pequenos grandes problemas da burocracia e ineficiência dos serviços, públicos ou privados. A “cunha”, como prática enraizada na sociedade, mina a confiança dos cidadãos nas instituições. Não é, naturalmente, um exclusivo português. Noutras latitudes, como o Brasil, é também inestimável o valor desse património popularmente conhecido como QI: “quem indica”? Como passaporte para um lugar destacado numa empresa, ou na forma de outros benefícios. Diz-me o teu QI, dir-te-ei quem és. Ou quem poderás ser.


O caso das gémeas (que é tema de conversa entre Paulo Baldaia e Ângela Silva no podcast “Expresso da Manhã”) lança sobre a mais alta figura do Estado a suspeita de que possa ter contribuído para desbloquear um processo, ou de que o seu nome possa ter sido usado para acelerar procedimentos. Na rede social X, João Paulo Batalha, antigo presidente da associação Transparência e Integridade, comentava que este “é mais um (enésimo) caso em que a informalidade, sempre a maldita informalidade, num sistema com fraquíssima cultura institucional, produziu um atropelo brutal às regras e a princípios de equidade social”.


Esta segunda-feira Marcelo Rebelo de Sousa escolheu uma sala discreta, pouco habitual, do Palácio de Belém, para a sua comunicação. Fria e desprovida do peso dos símbolos da República, a parede branca retirou solenidade ao discurso do Presidente. Mas dificilmente eliminará as críticas de todos quantos há uns meses o ouviram pedir a cabeça de um ministro invocando o “prestígio das instituições”, questionando-se agora sobre quão prestigiado fica o Palácio de Belém mediante as suspeitas em torno do tratamento no Santa Maria. Faltam três meses para as legislativas. Será uma longa campanha política. E o seu QI? Como está?

OUTRAS NOTÍCIAS:


Política. Sem acordo, ao fim de dois anos, PS e PSD forçam os emigrantes a juntar cópia do Cartão de Cidadão ao voto por correspondência, para poderem votar nas eleições legislativas de 10 de março.


Aeroporto. A Comissão Técnica Independente revela esta terça-feira quais as opções que estão melhor e pior posicionadas para virem a receber o futuro aeroporto da região de Lisboa. Contamos-lhe aqui o que está em causa.


Sociedade. O projeto “Housing First”, da Associação Crescer, deu a Francisco, Luísa, Carla e André um novo lar, para saírem da situação de sem-abrigo. Conheça as suas histórias nesta reportagem multimédia no Expresso.


Economia. O prazo de Marcelo Rebelo de Sousa ao Governo de António Costa dá ao Executivo socialista uma curta margem (de apenas algumas horas) para nomear as futuras presidentes dos reguladores da aviação e das telecomunicações. Saiba porquê. E como na próxima quinta-feira termina o prazo para os titulares de negócios de alojamento local fazerem prova da sua atividade, também lhe deixamos um descodificador com sete perguntas e respostas sobre o assunto.


Médio Oriente. Na nossa edição digital pode ler uma entrevista a Itamar Rabinovich, presidente do Instituto de Israel, que nos diz que “Teerão é também um inimigo dos estados árabes pró-americanos”. E aqui contamos-lhe o que precisa de saber sobre o recomeço do julgamento de Benjamin Netanyahu por suspeitas de corrupção.

Clima. A COP28 está a ficar marcada pelas declarações do sultão Al Jaber sobre a necessidade de combustíveis no planeta. Fazemos aqui um balanço dos primeiros quatro dias da cimeira.



FRASES


“Quando finalmente aparece uma força que é nazi nas palavras e nos atos, essa esquerda radical é incapaz de reconhecer o verdadeiro ator nazi, o Hamas-Isis e todas as forças do jihadismo radical”


Henrique Raposo, cronista do Expresso, no seu artigo desta segunda-feira


“Preservar os investimentos e aspirações dos trabalhadores é incompatível com contrações acima do necessário”


Mário Centeno, governador do Banco de Portugal, na sua mais recente análise sobre a economia, em que aborda o mercado de trabalho e a política monetária


“A Guiné-Bissau não pode viver mais em teatro”


Sissoco Embaló, presidente da Guiné-Bissau, que esta segunda-feira decidiu dissolver o Parlamento

PODCASTS A NÃO PERDER


Manual de Sobrevivência. “Se for um bombardeiro MiG no ar, podes ficar na sala, ou no corredor. Mas se forem drones ou se tiverem sido lançados mísseis, tens de ir imediatamente para o abrigo.” As regras foram explicadas a Iryna Shev, na sua chegada à capital ucraniana, por Olesya, dona da casa onde ambas vivem desde agosto. Oiça aqui o primeiro episódio de ‘Manual de Sobrevivência’, um podcast narrativo sobre o dia a dia num país em guerra


Comissão Política. Afinal, que é isso de "contas certas"? Depende do que se fizer com o dinheiro ou com o orçamento, dirá Cavaco Silva, que escreveu um artigo no “Público”. Eis o mais recente episódio do podcast Comissão Política.


Que Voz é Esta? Os familiares de pessoas com doença mental também adoecem. Têm muitas vezes de abdicar totalmente da sua vida para cuidar, sentem-se “desesperados” e, ao mesmo tempo, "culpados". Oiça aqui o mais recente episódio do podcast "Que Voz é Esta?", com a participação de Fernanda Lobo e Joaquina Castelão, familiares de pessoas com doença mental.


Economia Dia a Dia. Há mais de 50 anos que se discute a localização do novo aeroporto de Lisboa. A solução pode estar a chegar? Aqui está o novo episódio do Economia Dia a Dia, podcast diário do Expresso.




O QUE ANDO A VER


Voltei a mergulhar no mundo do crime organizado em “Suburra Eterna”, série que retoma o universo mafioso e as suas ligações com o poder político de Roma e com o Vaticano, depois de uma outra série transmitida na Netflix entre 2017 e 2020. Também vi recentemente, na mesma plataforma, o documentário “Since the world was world” (ou “Desde que el mundo es mundo”), de Günter Schwaiger, uma produção de 2015, que conta a história de subsistência de um pequeno agricultor, numa enriquecedora viagem pela ruralidade e interioridade do norte de Espanha.



E aqui termina este Curto, com um convite a que visite a nossa seleção de exclusivos para assinantes (se ainda não é, veja aqui as opções), bem como a Tribuna, Blitz e Boa Cama Boa Mesa. Tenha uma boa terça-feira, na companhia do Expresso.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: mprado@expresso.impresa.pt

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