Como se faz uma vida 'normal' num país em guerra? Oiça aqui 'A chegada', o relato de Iryna Shev quando se mudou de Lisboa para Kyiv
“Se for um bombardeiro MiG no ar, podes ficar na sala, ou no corredor. Mas se forem drones ou se tiverem sido lançados mísseis, tens de ir imediatamente para o abrigo.” As regras foram explicadas a Iryna Shev, na sua chegada à capital ucraniana, por Olesya, dona da casa onde ambas vivem desde agosto. Nos dias seguintes a jornalista iria aprender o que ter na mochila de emergência, caso seja preciso fugir, e fizeram uma visita guiada pelo bairro, pelos locais com marcas de guerra. Oiça aqui o primeiro episódio de ‘Manual de Sobrevivência’, um podcast narrativo sobre o dia a dia num país em guerra
'Manual de Sobrevivência' é um podcast narrativo de Iryna Shev, que se mudou para Kyiv, capital da Ucrânia, em agosto de 2023. Em oito episódios, Iryna vai relatar na primeira pessoa o quotidiano dos ucranianos num país em guerra. Oiça aqui o primeiro episódio e leia o artigo, com fotografias, da jornalista.
Iryna Shev
Mudei-me para a Ucrânia no início de agosto de 2023. Já tinha tido a experiência de trabalhar aqui. Sou jornalista e fui mandada para Kyiv, com o repórter de imagem Rui do Ó, ainda antes do conflito começar, para cobrirmos o aumento de tensão nas fronteiras ucranianas. Fomos apanhados pelo início da invasão em larga escala das tropas russas, a 24 de fevereiro de 2022, na capital ucraniana.
Um ano e meio depois, decidi vir morar para Kyiv, onde fui acolhida por uma família ucraniana, uma mãe com três filhos, que me mostram, todos os dias, como é viver com as dificuldades inerentes de uma guerra. Como reagem adultos, crianças e adolescentes aos desafios e às incertezas impostos por um conflito sem fim à vista.
A vista da janela do apartamento onde Iryna Shev vive com uma família ucraniana em Kyiv
Iryna Shev
Uma criança com o sei pai depois de receber tratamento no hospital de al-shifa
Há grupos na rede social Telegram, de monitorização dos movimentos da aviação russa, assim como do lançamento de drones, que comunicam o que se passa quando soam as sirenes. É uma ferramenta a que os ucranianos recorrem para avaliar o perigo que se corre.
O irmão mais novo de Olesya, de 26 anos, advertiu-me, à minha chegada: “na Ucrânia vivem 30 a 40 milhões de doentes mentais”. Leu isso algures nas redes sociais, um desabafo de um influencer ucraniano qualquer. O propósito desse desabafo meio a brincar, meio a falar a sério, é pedir que as pessoas sejam mais gentis com elas próprias e que sejam mais compreensivas com quem as rodeia, aqui na Ucrânia.
Viver num país em guerra, mesmo que seja longe da linha da frente, tem influência na forma como as pessoas percecionam o mundo. E esse pedido de compreensão devia também ser divulgado pelo resto do mundo: sejam compreensivos com quem vive em constante situação de incerteza e onde a paz parece uma miragem.
Este é o primeiro episódio do Manual de Sobrevivência, um podcast narrativo sobre o dia a dia num país em guerra. Com sonoplastia deJoão Luís Amorim, arte gráfica de Tiago Pereira Santos e dobragens de Graça Costa Pereira, Cristiana Reis, Tiago Cortez, Diogo Martins e André Pacheco. A coordenação é de Joana Beleza, direção de Ricardo Costa.
* O Expresso adota a grafia Kiev, mas o autor pede que seja usado Kyiv