Geração E

Mais votos à direita e maior fragmentação da esquerda: o que podemos esperar das eleições europeias após os resultados das legislativas?

Mais votos à direita e maior fragmentação da esquerda: o que podemos esperar das eleições europeias após os resultados das legislativas?
Horacio Villalobos

As especialistas em política entrevistadas pelo Expresso acreditam que o Chega vai ganhar representação no Parlamento Europeu, mas o número de lugares depende da mobilização dos eleitores. Partidos mais pequenos vão sair recompensados na equação e o PSD não deverá sofrer o usual voto contra o governo, por ter assumido recentemente funções

Mais votos à direita e maior fragmentação da esquerda: o que podemos esperar das eleições europeias após os resultados das legislativas?

Eunice Parreira

Jornalista

A curta distância temporal que separa as eleições legislativas das eleições europeias e o resultado obtido no dia 10 de março podem ter impacto na decisão dos eleitores sobre o futuro da União Europeia. Menos voto de protesto, continuidade à direita e uma maior fragmentação da esquerda são alguns dos panoramas apontados pelas cientistas políticas entrevistadas pelo Expresso.

Há vários meses que as sondagens apontam um crescimento do grupo parlamentar de extrema-direita Identidade e Democracia (ID), ao qual pertence o português Chega. Por enquanto, esta força política tem sido alvo de um ‘cordão sanitário’ pelos outros partidos no Parlamento Europeu, o que limita fortemente a sua área de intervenção. Na sondagem mais recente, realizada para o canal televisivo Euronews pela empresa de estudos de mercado Ipsos, o ID deverá conseguir eleger mais 22 deputados, atingindo 81 dos 720 lugares disponíveis. Este grupo político tornar-se-ia a quarta força política, a uma distância de apenas quatro deputados do grupo Renew Europe, constituído pelos vários partidos liberais europeus.

O anunciado crescimento da direita

À semelhança do que aconteceu nas eleições legislativas e do que tem sucedido nas várias eleições nacionais nos países europeus, graças à subida do ID e do grupo dos Conservadores e Reformistas Europeus (ECR), onde se integram partidos de direita radical como o Irmãos de Itália de Meloni e o partido espanhol Vox, a direita teria 46% dos lugares no PE, enquanto a esquerda teria 32%. Na percentagem da direita incluem-se ainda os cerca de 25% do Partido Popular Europeu, maior grupo do hemiciclo, e onde militam partidos como o PSD e o CDS.

“Estamos perante um impulso para manter uma certa continuidade à direita”, afirma Marina Costa Lobo, diretora do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa (ICS) e coordenadora do projeto ‘Comportamento Eleitoral dos Portugueses’. O papel de André Ventura é crucial na afluência às urnas e é provável que exista uma “grande mobilização dos eleitores do Chega para replicar o voto” das legislativas, mas a politóloga deixa um alerta: o número de votos dependerá da prestação de António Tânger Corrêa, cabeça de lista do partido nestas eleições, durante a campanha.

Quanto a uma possível previsão dos resultados do Chega, que atualmente não possui representação no PE, há várias nuances que podem influenciar o resultado, mas as especialistas concordam numa certeza: este ano, o partido vai conseguir sentar-se no órgão legislativo da União Europeia (UE). Resta esperar para saber com que expressão.

Sendo Portugal um dos países mais europeístas da UE, o Chega pode ficar prejudicado por pertencer ao grupo ID, conhecido pela sua posição contra esta instituição. “Vai ficar muito visível essa aliança e proximidade do Chega a esses partidos”, o que pode “ser uma fonte de discussão na campanha e poderá reforçar o cunho mais extremista do Chega”, explica Marina Costa Lobo.

Os dados recolhidos das sondagens à boca das urnas mostram quem foram os eleitores de cada partido. No caso do partido de André Ventura foram, sobretudo, jovens com pouca educação formal, do sexo masculino e que não são votantes regulares. “Essa massa de eleitores, exatamente por serem eleitores irregulares, que não têm o hábito de ir votar, pode não se deslocar às urnas para votar para as eleições europeias”, diz Sofia Serra-Silva, cientista política e investigadora no ICS.

As eleições europeias são marcadas por uma forte abstenção. Em 2019, mais de dois terços dos eleitores portugueses não votaram (68,6%). “Apesar da adesão à União Europeia em Portugal ser encarada como muito positiva, [a UE] continua a ser uma entidade relativamente abstrata e, portanto, é difícil os partidos conseguirem mobilizar as massas para votarem neste tipo de eleições”, aponta a doutorada em Ciência Política.

Nas últimas eleições para o PE, uma sondagem do ISCTE/ICS mostrou que 69% dos portugueses não sabia o nome de nem um eurodeputado português. Marina Costa Lobo explica que “há um desconhecimento e um desinteresse muito grande”, mas que “tendo em conta que em 2022, e sobretudo em 2024, houve um grande aumento de mobilização, é possível que também se reflita um pouco nas europeias”. Contudo, o feriado “pode ser um fator dissuasor”. As eleições ocorrem no dia 9 de junho, um domingo, e no dia seguinte celebra-se o Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas, ou seja, trata-se de um fim-de-semana prolongado. Para combater a abstenção, os eleitores vão poder votar em qualquer local do país, independentemente do sítio onde estejam recenseados.

Maior fragmentação nos eurodeputados: a Iniciativa Liberal vai eleger? O PCP vai desaparecer?

Na sondagem da Ipsos, o Bloco de Esquerda elege apenas um deputado (em 2019, elegeu dois) e a Iniciativa Liberal outro (nas últimas eleições, não conseguiu eleger nenhum). “A Iniciativa Liberal é um partido que sempre se projetou nacionalmente e, portanto, não será tão fácil projetar-se do ponto de vista europeu, sobretudo tendo em conta a força dos outros partidos à direita”, afirma Marina Costa Lobo. A mobilização dos eleitores deste partido pode acontecer devido ao seu cabeça de lista, João Cotrim de Figueiredo, que “é uma figura bastante apreciada à direita”.

Em 2019, o Livre não conseguiu a representação na Europa e agora continuaria sem atingi-la, mas ficaria a menos de um por cento de distância do BE. A politóloga salienta que o partido é “fortemente europeísta”, o que o demarca do Bloco de Esquerda e do PCP “e, nesse ponto de vista, pode fazer alguma diferença”.

Relativamente aos partidos que podem desaparecer do Parlamento Europeu, o PAN que tinha conseguido eleger um eurodeputado, não repetiria o feito. O mesmo aconteceria ao PCP, que teve dois deputados eleitos nas listas da CDU em 2019 e não conseguiria agora nenhum. O CDS-PP, dependendo da sua posição na lista da Aliança Democrática, poderá também ficar sem representação europeia.

No caso dos comunistas, este desaparecimento é a confirmação de uma trajetória de declínio já anunciada, acredita Marina Costa Lobo, que relembra que que entre as legislativas de 2022 e as de 2024, o Partido Comunista perdeu dois deputados. “O posicionamento do PCP em relação à Ucrânia é um posicionamento que não está próximo da maioria do eleitorado e, portanto, quando se discutir esse tema não o vai favorecer”, diz.

De acordo com a sondagem da Ipsos, PS e PSD, que concorrerá a estas eleições integrado na AD, elegeriam o mesmo número de deputados: oito. A diferença entre os dois está dentro do que se considera um empate técnico, é de apenas 0,4%. O Partido Socialista perderia um deputado, enquanto o centro-direita ganharia dois. “O PS e o PSD estiveram tão perto nestas legislativas que [este ato eleitoral] vai ser um teste a esse quase empate”, além de ser um teste “ao próprio sistema partidário, no sentido em que podem ocorrer alterações”, explica Sofia Serra-Silva.

Intenções de voto nas eleições europeias de 2024


“Sendo que as eleições europeias não elegem um governo, os votantes sentem-se mais livres para não fazer voto útil, o que de certa forma, foi aquilo que já aconteceu nestas legislativas”, afirma Marina Costa Lobo. Ainda assim, pode haver um apelo ao voto útil, em especial à esquerda, de forma a não ficar muito fragmentada, mas “o desgaste do PS é grande e isso provavelmente refletir-se-á”.

Normalmente, as eleições europeias são vistas como um momento para mandar uma mensagem para o Executivo em funções. É costume “penalizar os incumbentes, sobretudo quando as eleições acontecem a meio do ciclo eleitoral nacional”, explica Sofia Serra-Silva, que ressalva que a AD não terá tempo de governo suficiente para que isso lhe aconteça. No entanto, é possível que o PSD “parta em desvantagem, porque vai estar particularmente centrado e ocupado no estabelecimento de um novo executivo, num ciclo político também muito difícil porque vai prestar contas perante um parlamento muito fragmentado”.

Nas eleições europeias, a emoção decide mais votos que a razão

Devido a um desconhecimento e distanciamento das instituições europeias, os “eleitores votam em função daquilo que é a sua perceção da política nacional”, diz Marina Costa Lobo. E, embora cada vez mais os temas europeus ganhem relevância no espaço público, a politóloga explica que depende dos candidatos “europeizar a eleição”, ao discutir temas que sejam realmente sobre política europeia.

“Por norma, os eleitores votam mais com o coração e menos com a razão, ou seja, há menos voto útil neste tipo de eleições e por norma os partidos mais pequenos podem efetivamente alavancar um apoio maior”, explica Sofia Silva-Serra. Denominadas como ‘eleições de segunda ordem’, as europeias não determinam quem governa, nem afetam o jogo de poderes nacionais. Por isso, acabam por ser julgadas pelos eleitores como “eleições menos importantes para o funcionamento político”.

Numa legislatura marcada pelo combate à crise climática, migrações, continuidade do apoio à Ucrânia e crise económica, estes serão certamente temas discutidos nestas eleições. A cientista política admite que o eleitorado mais interessado em política e com hábitos de voto mais enraizados, a decisão poderá ser influenciada por estes assuntos, mas esta continuará a ser, sobretudo, uma decisão mediada pela situação no plano nacional. “Quando os eleitores vão votar nas eleições europeias estão muitas vezes a fazer um julgamento sobre o estado do seu país e não estão a pensar efetivamente no projeto europeu”, explica.

A curta distância entre as duas eleições não é uma novidade. Em 2019, quatro meses e meio separaram estes atos eleitorais. Em 2009, foram quase quatro meses e, em 1999, também cerca de quatro meses. No entanto, esta é a primeira vez em que as eleições europeias ocorrem após as legislativas. Nas eleições passadas, os resultados foram quase iguais em ambas. Agora, com uma “reviravolta naquele que é o sistema partidário português, que é um sistema que foi por muitos anos um sistema estável e em que o monopólio da representação parlamentar esteve fechado num conjunto de partidos”, pode haver novas dinâmicas de mobilização eleitoral, afirma Sofia Serra-Silva.

A cientista política explica ainda que é possível registar-se uma maior participação dos jovens, à semelhança daquilo que ocorreu em 2019, em que as eleições europeias tiveram uma das maiores taxas de participação jovem desde que há registo. “Há vários temas que têm tido algum destaque no palco europeu, como as alterações climáticas, que são temas que interessam particularmente a este grupo de eleitores jovens”, o que pode conduzir a um maior número de eleitores.

As especialistas concordam ainda é cedo para prever o que poderá acontecer, mas o mais provável é que os resultados sejam semelhantes aos obtidos nas eleições legislativas, com o Chega a ganhar assentos no Parlamento Europeu, valores próximos entre o PS e o PSD, alguns partidos novos e outros a sair de cena.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: colaboradordi28@expresso.impresa.pt

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