Economia

Oligarcas há muitos e não são só russos. Parlamento Europeu quer saber como identificar o património dos ricos

Oligarcas há muitos e não são só russos. Parlamento Europeu quer saber como identificar o património dos ricos
mustafahacalaki/GettyImages

Porque não consegue a Europa aplicar sanções eficazes aos oligarcas russos? Deputados europeus ouviram especialistas e propostas. O problema é geral: as autoridades têm poucos meios de saber quem esconde dinheiro, aonde

Nos últimos anos a Europa pôs em marcha um conjunto alargado de medidas para combater a evasão fiscal e a opacidade dos negócios mas a guerra na Ucrânia expos o muito que ainda há por fazer. Com os oligarcas russos a conseguirem passar entre os pingos das sanções europeias, com pouco património encontrado em seu nome, os deputados europeus querem saber como ir mais longe.

No comité do Parlamento Europeu que se debruça sobre os temas fiscais, os deputados ouviram esta terça-feira três especialistas em fiscalidade e em políticas económicas, para tentar afinar a mira. O que ouviram, em termos de diagnóstico, já é relativamente conhecido. A dificuldade está na vontade política para definir mais instrumentos de ação e, depois disso, na sua eficácia.

Continuam a existir na Europa (e no mundo) muitos instrumentos opacos, poucos fiscalizados, que permitem a quem tem dinheiro fugir do controlo das autoridades (se assim quiser).

Susana Peralta, professora na Universidade Nova de Lisboa, enumerou algumas situações em Portugal que considera encaixarem neste perfil: os vistos gold, o regime de residentes não habituais ou o facto de sermos um paraíso fiscal para as criptomoedas. No caso particular nos vistos gold, conhecem-se as estatísticas globais – e sabe-se que ao longo dos últimos anos 431 foram obtidos por cidadãos russos – mas não sabemos de onde vem o dinheiro. “Não há due diligence”, lamentou a economista, perante os deputados europeus.

Aliás, Portugal, “juntamente com Malta, tem sido apontado sistematicamente como um dos países com piores práticas” em matéria de transparência. O recente caso dos cidadãos russos são ilustrativos. “Os pedidos de vistos gold foram suspensos para cidadãos russos, mas não houve uma auditoria aos anteriores aos 431“, apontou a professora da Universidade Nova de Lisboa.

Richard Murphy, ativista da Tax Justice Network, outro dos especialistas convidados, diz que os vistos gold “apesar de terem muitos abusos”, não são o principal problema no Reino Unido. Mais importante do que isso, são as regras da domiciliação fiscal, que permitem a não residentes, que tenham estado fiscalmente registados durante pelo menos 15 anos, sejam considerados residentes fiscais, sem pagarem imposto sobre rendimentos e mais valias obtidas no estrangeiro, nem imposto sucessório. “São residentes fiscais no Reino Unido mas não têm de declarar a atividade offshore a nenhuma autoridade”, aponta Richard Murphy. Conclusão: o Reino Unido “dá aos oligarcas espaço para montarem as suas operações offshore em qualquer lado”.

O Reino Unido dá aos oligarcas espaço para montarem as suas operações offshore em qualquer lado, aponta Richard Murphy.

Mesmo quando os países não têm instrumentos mais agressivos em termos de concorrência fiscal mais agressiva, os meios de fiscalização não ajudam. Por muita troca de informações que haja – e nos últimos anos avançaram-se com alguns programas –as autoridades fiscais acabam por divulgar muitos poucos resultados desses instrumentos. E, sem troca de informações, não é possível fazer uma adequada avaliação das políticas públicas.

Alargar divulgação do beneficiários efetivos ao imobiliário, e não só

Para os especialistas ouvidos esta tarde no Parlamento Europeu, é, por isso, urgente ir bem mais longe.

Uma das razões pelas quais as sanções aos oligarcas russos são pouco eficazes é porque os Estados Europeus não têm como saber quem detém que ativos, em que jurisdições. A informação sobre a propriedade e riqueza está muito dispersa, nem sempre é acessível, o que levou Theresa Neef, Gabriel Zucman and Thomas Piketty a avançarem, em março, com a proposta de criação de um Registo Europeu de Ativos - uma base de dados europeia que permitisse cruzar informação sobre a propriedade que é detida pelos indivíduos nos diferentes estados membro. A ideia levantou várias reservas, entre as quais a sua grande complexidade, e não se espera que tenha pernas para andar, pelo menos a curto e médio prazo. Mas, numa resposta à eurodeputada portuguesa Lídia Pereira, a investigadora reconheceu que nada é indispensável: continua a ser possível ir mais longe, com os instrumentos já existentes, aperfeiçoando-os.

Um exemplo é a identificação das pessoas que estão por trás das complexas construções de sociedades em cascata ou que se escondem na sombra dos testas de ferro. As diretivas de prevenção do branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo têm vindo a ser sucessivamente atualizadas, e obrigaram os Estados a criarem bases de dados – por cá criou-se o chamado registo central do beneficiário efetivo (RCBE) – mas, para os especialistas, é muito insuficiente.

Porque nem todos os ativos estão abrangidos (o imobiliário, por exemplo, fica de fora), porque só se exige que seja identificado quem controla mais de 25% da estrutura, o que é demasiado alto, e porque nalguns países as autoridades só exigem a identificação do beneficiário último – e não do efetivo. A isto acresce o facto de a informação nem sempre estar disponível nem ser acessível e o facto de ser insuficiente, porque só aparecem nomes dos beneficiários finais, deixando pelo caminho as empresas que estão na cadeia de participações, enumerou Theresa Neff.

Consultores Fiscais, advogados, contabilistas: mais regulação e mão mais pesada

Outro caso em que a Europa já avançou nos últimos anos, foi na chamada DAC VI, uma diretiva que obriga os intermediários financeiros a divulgarem esquemas de planeamento fiscal agressivo. Mas não chega. Não chega porque não se conhecem os resultados destas ações, porque as autoridades tributárias não os divulgam, e não chegam porque as obrigações devem ser alargadas.

Richard Murphy considera que advogados, contabilistas, consultores e os banqueiros, os agentes à volta dos quais gravita o planeamento fiscal, deviam ser obrigados a enviar anualmente mais informações sobre os negócios dos seus clientes às autoridades. Este “third party reporting” dotaria as administrações fiscais de mais informações, e permitir-lhes-ia cruzar dados com os que os contribuintes comunicam. Em cima disto, é ainda preciso reforçar a regulação sobre esses profissionais, “e, se preciso, tirar as licenças a estes profissionais“, defende.

Em cima disto, é preciso que os Estados invistam nas suas autoridades tributárias, porque algumas delas estão muito depauperadas, garante Richard Murphy. E faz falta uma mudança cultural. Nas suas ações inspetivas, as autoridades fiscais focam-se “no doméstico, não no universal”, diz o ativista. “Temos de mudar o foco”.

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