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Cultura

“O Plano Nacional de Leitura é um disparate. Que paternalismo é esse? E com que critérios?”

“O Plano Nacional de Leitura é um disparate. Que paternalismo é esse? E com que critérios?”
Raquel Marinho

Vítor Nogueira nasceu em Vila Real, em 1966. É nesta cidade transmontana que vive e trabalha, apesar das idas regulares a Lisboa, uma cidade de que gosta e que precisa de visitar. Foi diretor do teatro municipal durante 10 anos e atualmente dirige a biblioteca pública. Autor de ficção, ensaio e poesia, recebeu-nos em sua casa, na sala onde costuma trabalhar, e onde guarda os livros e os objetos que gosta de colecionar

“O Plano Nacional de Leitura é um disparate. Que paternalismo é esse? E com que critérios?”

Raquel Marinho

MOTE

Passado, o que fazes tu aqui?
E como sabias onde eu estava?

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Este sítio onde gravámos as leituras dos poemas é o sítio onde trabalha?
É quase sempre o sítio onde trabalho. Às vezes posso trabalhar até na praia ou na cidade, no sentido lato do termo, em Lisboa, por exemplo. Depende um bocadinho do que estiver a fazer, mas a maior parte do trabalho, do ponto de vista quantitativo é, de facto, aqui. Se houver uma oficina, é este cantinho aqui em cima.

É aqui que escreve poesia?
É, sendo certo que durante a maior parte dos anos que dediquei à poesia também tinha por costume - e tenho ainda - arranjar uns caderninhos, andar sempre com eles por perto, sobretudo se vou para sítios que me dão alguma paz - e paz pode ser uma espécie de paz armada, paz no sentido de que posso ter tempo para me dedicar às coisas das letras e das ideias, relacionadas com aquilo que pode ou não vir a ser poesia. Nessas alturas, quando julgo que tenho tempo, levo sempre um caderninho e uma caneta e grande parte das ideias nascem fora daqui.

Fora deste lugar e nesses cadernos?
Fora deste lugar e nestes cadernos. E depois são trabalhadas aqui. Geralmente o que faço é verter os caderninhos para o computador e procurar desenvolver essas ideias. Não sou propriamente daqueles poetas que pegam nas ideias que trazem a chocalhar na cabeça, e conseguem, quase numa espécie de epifania - e digo isto sem ironia porque eu gostava de ser assim - vertê-las de rajada para o papel. Não, a mim um poema pode demorar seis, sete, oito meses a trabalhar. Acontece é que geralmente trabalho. Quando estou a escrever poesia, e infelizmente ultimamente não tenho estado, trabalho dez, vinte, trinta poemas ao mesmo tempo. Porque constituo também uma espécie de grelha. Quer dizer, nunca escrevo um poema, procuro escrever um livro de poesia. Tenho uma ideia genérica que pode até nascer de um único poema, e depois vou desenvolvendo uma espécie de grelha na qual procuro inserir coisas que sinto que me faltam para que isso venha a dar um conjunto compacto, como se fosse, se quisermos, uma espécie de poema inteiro dividido em muitas partes.

E essas ideias iniciais que aparecem nestes cadernos são versos?
Às vezes são versos, não quer dizer que venham postinhos como versos. Mas são frases que eu sinto que virão a ser versos. Ponho sempre no início de cada caderninho: "escrita automática, materiais de trabalho, apontamentos, nada disto é publicável". Se um dia bater a botinha não quero que ninguém... podem ver, mas não me passem isto a limpo que isto não sou eu. Isto é uma parte do Vítor Nogueira que escreve e que trabalha assim. Os meus livros são quase sempre temáticos, programáticos.

Mas são programáticos partindo primeiro de um poema e depois acrescenta a ideia completa ou pensa "vou fazer um livro sobre o Rossio", como o "Mar Largo"?
Posso pensar assim. Neste momento estou há muitos meses a tentar, com pouco sucesso diga-se - e está a andar muito mal, muito mal, tenho até receio de que venha a cair, o que seria bom para a literatura nacional - que começou assim: "marcha de aproximação e contacto". E é uma marcha de aproximação e contacto relativamente a quê? A Lisboa. Eu tenho alguns livros sobre Lisboa e queria fazer um livro, quero fazer um livro deste ponto de vista, de procurar trabalhar poeticamente uma Lisboa vista de fora, em aproximação, que é sempre uma Lisboa de um forasteiro. Alguém que gosta muito de Lisboa, que precisa de lá ir frequentemente, mas que não vive em Lisboa nem pretende viver. Portanto, não nasceu de um poema.

Nasceu de um conceito.
De um conceito, de uma ideia.

E diz que está a correr mal. Devemos acreditar em si?
(risos) Não. Não acreditem em mim, por favor. Embora eu seja um tipo muito persistente e muito organizado. Aquela coisa do Picasso para mim funciona: não conseguir controlar a inspiração, mas conseguir controlar que quando ela aparece me encontra a trabalhar, uma coisa desse género. Faço um bocadinho isso, sou muito regrado. Ultimamente não tenho sido, porque estou a deixar de fumar, e sem fumar não consigo escrever.

Como é que vai resolver essa equação?
Não sei. Se calhar vou ter de deixar de escrever. Também não se perde assim muito. (risos)

Esperemos que não. Esse processo de escrita comporta algum sofrimento?
Sim, há um sofrimento criativo, mas eu não desanimo. Acho que é assim: as coisas conseguem-se ou não se conseguem. Às vezes saem coisas que parecem engraçadas quando não estava à espera que tal sucedesse, outras vezes tinha uma esperança grande numa determinada ideia e isso pode simplesmente não bater certo no final com o resultado que se pretendia. Mas há um sofrimento. São horas e horas e horas e horas e horas. Eu revejo muito, altero muito, mexo muito até um ponto em que sinto que não consigo mexer mais. Quando sinto que não consigo mexer mais, o livro da minha parte está pronto. Depois até pode dar mais uma voltinha ou outra com a ajuda do editor. Isso é sempre muito importante, ter uma visão externa que nos possa ajudar. Acho isso fundamental e é uma coisa que se faz muito pouco em Portugal. Os editores fazem, não quero ser injusto porque tenho tido a sorte de trabalhar com muito bons editores, mas muitos editores não dão essa luta. E o poeta, ou o escritor, tem de ter do outro lado alguém que não lhe dê palmadinhas nas costas, alguém que lhe dê luta.

O que é que gosta de encontrar num poema? E agora não estou a perguntar-lhe pelos seus poemas.
Valorizo uma poesia, em primeiro lugar, que seja trabalhada, que seja sofrida. Sofrida, não tanto do ponto de vista sentimental, mas que seja esforçada, que apresente algo de novo, que não vá pelo caminho mais fácil. Que seja eufónica, valorizo muito a musicalidade e a eufonia, acho que isso é muito importante, porque a poesia e a música nasceram de mãos dadas. Mesmo que não tivessem nascido, acho que a poesia é também música. Tenho alguma facilidade enquanto leitor, mas julgo que isso é uma coisa mais ou menos comum a qualquer leitor esforçado, em perceber porque é que gosto deste poeta, porque gosto deste livro, deste texto, ou porque não gosto. Aliás os meus livros estão todos anotados, anoto os meus livros todos a lápis.

E escreve o quê?
Ai, escrevo uma série de coisas. Às vezes digo "bom", outras vezes digo "gostava de ter escrito isso", outras vezes digo "palhinha, palhinha, palhinha e uma coisa ou outra que se salva". Quer dizer, anoto muito pequenas distrações, cacófatos, coisas assim. Não é para fazer mal a ninguém, até porque isto não sai do meu escritório, é até para aprender com isso. E a mim também já me apontaram algumas coisas.

É muito exigente consigo?
Sou. Lembro-me que o José Miguel Silva uma vez me apontou um cacófato grande, nunca mais na vida o usei, e vejo toda a gente a usá-lo. O "que agora". "Pá, não escrevas que agora que dá c´agora", e eu nunca mais escrevi "c´agora". Fujo aos cacófatos como o diabo da cruz, talvez mais ainda do que o diabo.

Disse que cada livro seu é como se fosse um projeto, um conceito, e antes das gravações até disse que eles estão todos encadeados e que isso era um problema.
Sempre tive esse problema, essa característica.

Porquê?
Justamente porque não escrevo poemas. A maior parte dos poetas, talvez, sempre talvez, escreve um poema e depois escreve outro poema, e depois sai-lhe outro poema, e depois vai organizando aquilo no sentido de construir um conjunto que funcione. Eu sempre fiz de outra maneira. Arranjo uma grelha e desenvolvo-a a partir dessa ideia poética inicial.

E desenvolve essa ideia inicial escrevendo vários poemas ao mesmo tempo?
Sim. O que acontece é que, por exemplo, há um poema que desenvolve bastante e depois está a esbarrar. Sei que preciso de soluções para o verso 3, para o verso 5 e para o verso 7, mas não estou a conseguir arranjá-las, e vou avançando para outras coisas. E depois com o tempo, com os olhinhos lavados, como dizia o Vítor Silva Tavares, regresso. É preciso descansar, é preciso ganhar objetividade. Isso é a parte mais difícil com a qual me confrontei ao longo, digamos, do meu percurso poético.

Ao princípio tinha muita dificuldade porque quando se começa - e isto que digo é o que acho que é para mim, não quero evangelizar ninguém - confrontamo-nos muito com o problema da ingenuidade. O grande problema da maior parte dos poetas, dos romancistas, dos artistas plásticos, até dos músicos, é o problema da ingenuidade. Porque tendemos a achar que o que fazemos é bom. E portanto temos que ter alguém que de fora nos ajude a ver. Esse alguém até pode ser, isto agora vai parecer um bocadinho complexo mas enfim, esse alguém até podemos ser nós, mas é preciso que leiamos, leiamos, leiamos, mas leiamos criticamente, de lápis na mão.

Essa ideia de ter um problema no verso 3 ou no verso 5 pode dar a entender que escreve contra a ideia romântica de que um poema é uma inspiração e uma coisa menos técnica, digamos assim.
Não quer dizer que não existam belíssimos poetas assim. Aqui nesta casa onde estamos, uma vez vi o célebre Manuel de Freitas despedir-se de mim, suponhamos às 2 da manhã, eu fui para o meu quarto, ele foi para o quarto em que estava, mas afinal terá saído outra vez. Encontrámo-nos, "olha vou aqui beber uma cerveja para o terraço", e foi. E no dia seguinte tinha um poema do princípio ao fim em que praticamente não mexeu até à sua publicação, e há gente que é assim. O A. M. Pires Cabral também é um bocadinho assim: andam com as palavras e aquilo depois sai num determinado momento.

Admira essa capacidade?
Admiro, claro.

Gostaria de trabalhar assim?
Não sei se gostaria, porque não sou assim, não é? Sou o contrário, gosto de trabalhar não tanto com palavras mas com frases. E depois tenho as minhas grelhas e faço com que isso vá batendo à minha maneira.

Mas o que são as suas grelhas?
São referências que tenho. Há imensas coisas que nunca escreveria.

Tem grelhas sobre o que fazer e o que não fazer no poema, é isso?
Sim, mas não são grelhas escritas, são coisas que estão cá dentro. É a minha maneira de trabalhar. Isto é sempre um processo de escolhas, porque a poesia é um processo de escolhas, a própria poesia é uma coisa a que se chega por exclusão de partes. E isto que estou a dizer é só para mim, não quero evangelizar ninguém, repito. Mas tenho para mim que a poesia é uma coisa a que se chega por exclusão de partes. E como é que se vão excluindo as partes? Naturalmente lendo poesia, escrevendo poesia, percebendo que aquilo que nós achávamos há 10 anos que era poesia afinal não é tão poético quanto na altura achávamos.

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Para quem não conhece a sua obra, quais são os seus temas de eleição? Em que é que gosta de pensar?
Em termos muito genéricos, costumo pensar num chão, num território. E os meus territórios têm sido Lisboa, a minha cidade, Vila Real, que nunca nomeio, e a Ericeira onde costumo passar bastante tempo.

Tem 52 anos. Começou a escrever com que idade?
Desde miúdo.

Escrevia o quê?
Escrevia uns textitos. Com os meus 10, 11, 12 anos. Até poesia escrevia. Uns versos, umas rimas, umas coisas assim nuns caderninhos, coisas muito infantis. Mais tarde comecei a fazer algum jornalismo, na minha adolescência tardia. E escrever assim a sério no sentido de me rever ainda hoje em algumas dessas coisas, foi já mais tarde. Por volta dos 27, 28 anos é que comecei a publicar.

Mas não começou por poesia.
Não, publiquei ensaio, dediquei-me também à historiografia, e foi por aí.

E com a poesia, como foi?
Entrei com o pé esquerdo. Tive um primeiro livro muito fraquinho. Ingenuidade, falei dela há pouco. É a grande inimiga do artista.

Achou que era bom.
Achei que era bom, que era publicável, alguém me disse que sim, um mau editor disse-me que sim e publicou-mo. Mas a culpa não é dele, a culpa é minha e até brinco com isso. Aliás, no romance "Amanhã Logo Se Vê" tenho um narrador a gozar comigo por ter publicado esse livro, portanto não...

Não é uma história à qual fuja.
Não, não. Aliás, salvei-me, apesar disso. Apesar dessa péssima juvenília, salvei-me. Podia ter sido a morte do artista. Quem faz um livro fraco vai ter dificuldade acrescida em retomar um caminho. E eu tive essa sorte.

Para si, a boa poesia é o quê?
É uma pergunta muito difícil, e aceitando esse jogo, sei que vou espalhar-me. A boa poesia, para mim, em primeiro lugar pode ser qualquer uma. Não acredito em chavões, barreiras, compartimentos estanques. Acredito em gente que escreve que não é ingénua. Que leu muito mais do que aquilo que escreveu e que continua a ler muito mais do que aquilo que escreve. E acredito em gente que trabalha sobre aquilo que escreve. E acredito que a boa poesia, para já, tem de ser fresca, trazer algo de novo e ser portadora de efeitos surpreendentes.

Lê todos os dias poesia?
Leio, leio.

Bem, trabalha numa biblioteca, já é meio caminho andado para ter os livros à disposição.
Sim, sou um privilegiado. Porque gosto de livros desde sempre e não gosto só de ler, gosto de livros. A bibliofilia é uma coisa que está comigo desde sempre. Passam-me milhares e milhares de livros por ano. E eu perco com todos 30, 40 segundos, mas com alguns, "espera aí, o que é isto?, que coleção é esta?, que gráfica é esta que nos anos 40 fazia assim e assado?". Portanto, estou ali 5, 10 minutos, às vezes sento-me um bocadinho nos depósitos, e portanto tenho essa facilidade.

Esses hábitos de leitura diários prendem-se também com o facto de trabalhar numa biblioteca. Se não trabalhasse fá-lo-ia na mesma?
Fá-lo-ia, até porque eu dirijo uma biblioteca há 12 anos e antes dirigi um teatro 10 anos..

E já lia poesia diariamente nessa altura?
Claro.

Claro porquê?
Então, porque sim. Porque sou um leitor desde sempre.

Mas podia não ler poesia diariamente.
Sim, mas a partir do momento em que escrevo poesia, a partir do momento em que mais tarde publico um livro de poesia de merda, e a partir do momento em que dou conta que o livro, de facto, é uma desgraça, a partir desse momento não me perdoei. E andei anos e anos a ler, quase que arriscaria a dizer, tudo o que era nova poesia portuguesa.

Nova poesia portuguesa, estamos a falar de quê? Século XX?
Não, novíssimos. Até muitos amigos meus me chamavam a atenção: "cuidado, estás a prestar muita atenção aos que saem agora, e há coisas belíssimas de há 50, 60, 70 anos para as quais não tens tempo." E eu sabia que era assim, mas sentia necessidade de andar da frente para trás.

Durante muito anos acompanhei tudo ao milímetro. Agora menos, mas até há meia dúzia de anos procurava ler tudo o que saía. Ler contra. Esta ideia é muito importante. Ler contra e escrever contra.

Explique lá essa ideia.
É fundamental, para mim, sempre para mim, sem moralismos, ler contra. Pegar num lápis e apontar, dizer para mim próprio porquê. E quando encontrar alguma coisa boa, também anotar. Ler contra e escrever contra, isso é mais importante ainda.

Escrever contra quem ou o quê?
Escrever contra aqueles que mais amamos, que é para não nos transformamos em meros epígonos de quem anda aí. Um dos grandes problemas da poesia portuguesa contemporânea, agora alargamos este intervalo às últimas décadas, foi a quantidade de epígonos de Herberto Helder. O Joaquim Manuel Magalhães escreve muito bem sobre isso, quer dizer, enquanto não se libertou de Herberto Helder, diz ele, não se sentiu capaz de escrever alguma coisa. Agora simplifiquemos isto para o mundo dos mortais, não é? (risos) Eu sempre senti isso, que ter uma voz própria quer dizer escrever contra. Sobretudo contra aqueles de que mais gostamos.

Portanto, não é contra qualquer um ou contra tudo?
E este contra é no sentido de contra a corrente, não é no sentido de os deitar abaixo ou de fazer uma perseguição a ninguém. Não, é de continuar a admirá-los se for esse o caso, como admiro muitos dos meus poetas contemporâneos... Três deles para mim são excepcionais, os da minha geração, vão por ordem alfabética que nem consigo distingui-los de outra maneira: José Miguel Silva, Manuel de Freitas, Rui Pires Cabral, são excelentes, foram importantíssimos para mim, para não ir a outras gerações. E eu escrevo muito contra eles, não é? Sempre escrevi contra. Isto é, contra a influência que eles próprios tiveram sobre mim.

Já lhes disse isso alguma vez?
Ai, acho que sim.(risos)

O facto de trabalhar numa biblioteca dá-lhe, digamos, a possibilidade de medir a pulsação da leitura, pelo menos aqui em Vila Real. Como é que avalia o interesse das pessoas pelos livros?
Bom, o interesse das pessoas pelos livros... Há algumas coisas que pensamos que não são assim, mas são: lê-se mais agora do que há 50 anos. É a ideia que eu tenho. O problema é que a literatura agora está em todo o lado e a boa literatura lê-se menos do que há 50 anos. Agora, de facto, as pessoas em termos meramente quantitativos lêem mais. Pela biblioteca onde eu trabalho passam 80 mil visitantes por ano. E as pessoas vão lá estudar, ler, etc. E com os livros por perto alguma coisa boa lhes ficará. Portanto, há mais gente a ler. Quanto mais não seja a ler porque tem de estudar. Agora, se há melhores leitores do que há 50 ou 40 anos, em termos quantitativos, aí eu tenho mas minhas dúvidas.

O que o leva a dizer isso?
O que me leva a dizer isso é naturalmente este conceito de indústria cultural que nos empurrou para uma situação em que a boa literatura tem de ser uma literatura de resistência. Não tanto no sentido digamos político como há 40 ou 50 anos, mas no sentido cultural e por arrastamento no sentido social. A boa literatura é aquela que procura resistir nos espaços pequenos, nas pequenas ilhas, que ainda permite um combate contra a degradação do mundo cultural. As pequeníssimas livrarias que estão a ser esmagadas, os pequeníssimos editores, a boa edição que está a ser esmagada por estratégias terríveis de marketing. Todas essas pequenas batalhas travadas ao nível da resistência, por exemplo a resistência a um acordo ortográfico, embora eu aqui não seja dos mais aflitos porque acho que as pessoas escrevem como querem. Eu naturalmente sigo o acordo de 1945, mas estas pequenas resistências que os pequenos espaços vão construindo à sua volta a nível literário são fundamentais nos tempos que correm. Portanto, poesia continua a ser - como sempre foi nos melhores momentos - resistência. Resistência cultural. Por isso é que admiro o A. M. Pires Cabral. Quando apareceu em 1974 toda a gente estava a escrever poesia política, que era o mais fácil, e ele não foi por aí. Portanto, quem anda contra a corrente, quem escreve contra a corrente, é quem procura de facto os pequenos espaços de resistência a esta coisa que se veio a transformar na indústria cultural, que é um grande cilindro capaz de esmagar toda a gente, se não tivermos algum cuidado.

Portanto, na sua opinião essa política cultural...
Olhe, o Plano Nacional de Leitura, por exemplo, é um disparate. Sou diretor de uma biblioteca e sou imensamente crítico, do ponto de vista pessoal, porque institucionalmente tenho de me encaixar, à ideia de um Plano Nacional de Leitura. Mas que paternalismo é esse? E com que critérios? Que caminho é esse que leva depois milhares e milhares de crianças atrás do escritor: "Toca no escritor. O escritor está aqui, já não lavo a mão, etc." Portanto, o que vale não são os escritores. O que vale é o texto. No limite um escritor pode ser um filho da mãe, não é?, e o texto ser bom. O desejável é que seja também uma pessoa admirável mas há péssimas pessoas que deram excelentes textos.

Vê com maus olhos essa indústria cultural, como lhe chama.
A indústria, o conceito de indústria cultural.

Acha que isso está a acontecer em Portugal, agora?
Então não é? Então não andamos aqui com chavões? É o chamado nominalismo, muda-se o nome às coisas. O empreendedorismo. Mas o que é isso do empreendedorismo? Então as pessoas não fizeram pela vida durante séculos? O empreendedorismo. As indústrias criativas.

Mas dessa indústria cultural não pode também sair boa literatura?
Pode.

Então quer dizer que um leitor que está nesse cilindro da indústria cultural, como lhe chama, até pode apanhar bons livros. Não precisa de seguir apenas a dita literatura de resistência dos pequenos editores e das pequenas livrarias.
Pode, e sempre foi assim. Portanto, eu não vejo que venha grande mal ao mundo por isto. Sempre foi assim. Eu só estava a dizer que agora há mais gente que lê por causa da indústria cultural.

Não necessariamente melhores leitores, em sua opinião, porque os melhores livros são de resistência. É isso?
É. Mas os leitores que querem, por qualquer razão procurar mais, têm onde encontrar as coisas. E então digo-lhe uma coisa muito importante: têm muito mais hipótese agora de descobrir bons textos do que tinham há 100 anos, porque a internet põe-nos em contacto com tudo.

Em sua opinião, um escritor para ser bom tem de ser resistente?
Em minha opinião para ser bom tem de ser resistente, sim. Não quer dizer que...

Tenha de vender pouco e não chegar ao grande público.
Exatamente, não quer dizer nada disso. Eu não sou um particular admirador de Saramago, mas acho Saramago um bom escritor, independentemente de vender milhares e milhares de livros.

Encontra nele essa resistência?
Encontro nele essa resistência por outras vias. Até pela via socio-política. Que não é uma via que eu seguiria, mas ele também não é da minha geração. As preocupações dele, digamos os ferretes que lhe foram cravando na pele ao longo das décadas são diferentes daqueles que foram cravando na minha. A minha vida é mais fácil do que terá sido a dele.

Portanto, na sua opinião a resistência não é necessariamente sinónimo de uma literatura que se venda menos e que chegue a menos pessoas?
Não. É resistência ao facilitismo e sobretudo à homogeneização. Se ficarmos só com as grandes cadeias de distribuição, pois com certeza que estejam aí desde que não sofram de vampirismo, desde que não utilizem práticas que procurem simplesmente aquilo que os eucaliptos procuram à sua volta. E se procurarem, os escritores continuarão, e as pequenas editoras continuarão, porque felizmente há outros processos mais baratos e acessíveis.

O problema são as livrarias. Se é certo que hoje grande parte dos livros podem ser comprados na net, também é certo que as livrarias fazem muita falta. As livrarias ditas independentes são, essas sim, espaços de resistência à degradação do mundo. Eu tenho muita pena de ver fechar uma livraria pequena.

E essa degradação do mundo passa pela indústria cultural?
Essa degradação do mundo passa, em grande medida, pela carpete vermelha que se estende ingenuamente à indústria cultural, sem um contraponto. Porque se houver contraponto não há problema nenhum.

Não sou um pessimista, acho que as coisas funcionam assim. Só não precisamos é de andar sempre de faca na mão, faca e alguidar, que é uma coisa que a poesia portuguesa usa muito, e o meio literário em geral. Não precisamos ser sectários, há muita gente sectária, desnecessariamente sectária. Não precisamos andar sempre com guerras, somos tão pouquinhos. Isso torna-nos provincianos.

Raquel Marinho

- A poesia serve para quê?
Lembro-me, a propósito, das Confissões de Santo Agostinho: «Que é, pois, o tempo? Se ninguém me pergunta, eu sei; mas, se quiser explicar a quem pergunta, já não sei.» Para que serve a poesia? Talvez implique uma resposta a que se chega gradualmente e, sobretudo, por exclusão de partes.

- Deve saber vários versos de cor. Qual o primeiro que lhe vem à cabeça?
«Conchas, pedrinhas, pedacinhos de ossos…»

- Se não fosse poeta português (ou de outro país) seria de que nacionalidade?
Nisto estou como Bernardo Soares, a minha pátria é a língua portuguesa.

- Um bom poema é?
Pode ser um murmúrio ou o desabar de uma montanha, desde que produza imagens raras, efeitos surpreendentes.

- O que o comove?
A vida, toda ela.

- Que poema enviaria ao primeiro-ministro português?
E ele não terá papéis a mais à sua volta?

- Por sua vontade, o que ficaria escrito no seu epitáfio?
Por minha vontade, não morreria nunca. E ponha-se de lado a ironia, que ainda assim estará certo.

Raquel Marinho

O Poema Ensina a Cair começou por ser, em 2015, uma rubrica semanal do Expresso Diário sobre poesia portuguesa. Pretendia divulgar autores contemporâneos, mas não só. A ideia original de Raquel Marinho volta agora ao Expresso, desta vez com uma comunidade grande de seguidores nas redes sociais. Pode acompanhá-la no Instagram e no Facebook.

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Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: raquelmarinho@sic.impresa.pt

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