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Cultura

“Não acredito naquelas pessoas que acham que a literatura é complicada, mas a vida muito simples”

“Não acredito naquelas pessoas que acham que a literatura é complicada, mas a vida muito simples”
Raquel Marinho

Pedro Mexia nasceu em Dezembro de 1972. Estudou Direito e foi nos tempos da faculdade que descobriu o poema que o fez querer escrever poesia. Crítico literário, cronista, consultor para a cultura do Presidente da República, colaborador do programa Governo Sombra da TSF e da TVI, se pudesse escolher fazer só uma coisa seria escrever poesia. É conhecida a sua ligação aos livros, mas também ao cinema, e foi na sala do cinema Nimas, em Lisboa, que gravámos os seguintes poemas

“Não acredito naquelas pessoas que acham que a literatura é complicada, mas a vida muito simples”

Raquel Marinho

A ESPERANÇA ENTRE AS URTIGAS

A esperança entre as urtigas
quanto mais crescer mais será
rasgada

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Por que razão escolheu gravar os poemas no cinema Nimas?
Porque o sítio óbvio para gravar os poemas seria uma livraria, mas já não há nenhuma livraria que seja a minha livraria. Na verdade, a única foi a Buchholz na Duque de Palmela. Foi a primeira e única com que tive uma relação, digamos assim, afetiva. Foi na Buchholz que comecei a construir uma biblioteca, a descobrir livros, sobretudo livros de não ficção, de filosofia, de política, etc. E era uma livraria ao mesmo tempo com muita oferta e muito desarrumada, portanto permitia estar lá tardes inteiras, na altura da faculdade. A Buchholz ainda existe mas, enfim, já não a livraria desse tempo. Hoje em dia as livrarias são montras de novidades. Há algumas de que gosto fora de Lisboa, mas em Lisboa não há assim uma livraria que seja "a minha livraria", por isso, por exclusão de partes, passou só a ser os cinemas.

Também já não há muitos cinemas...
Também já não há muitos, mas o Nimas é um dos poucos que não só não tem uma vertente comercial, é um cinema de porta para a rua, como ainda tem uma programação daquilo a que se costuma chamar cinema de autor, ou seja, cinema que é programado por razões cinematográficas e não comerciais. Embora não haja nada de errado com as razões comerciais.

Também podemos encontrar uma relação entre o cinema e a sua poesia, de vez em quando.
No sentido em que os poemas que escrevo tendem a ser essencialmente visuais. Poemas que partem não só de imagens mas de objetos, quer objetos domésticos quer de casas, por exemplo. Nos poemas sobre Lisboa isso é muito evidente mas noutros também, e há toda essa dicotomia entre a poesia portuguesa contemporânea que vem do Cesário, e que portanto é a poesia do olho, e a poesia do ouvido, que é a poesia do Camilo Pessanha. Sempre fui mais sensível à poesia da imagem do que à poesia do som. Talvez não se possa dizer que seja cinematográfica no sentido próprio, se calhar podia ser apenas fotográfica, mas é certamente visual e imagética, sim.

Essa ideia dos objetos leva-nos a um dos poemas que escolheu ler, precisamente um poema que fala sobre um objeto que é um relógio, e sobre um outro tema muito presente na sua poesia que é a passagem do tempo.
Sim, porque o facto de os objetos não falarem, não terem nem identidade nem subjetividade nem memória nem nada disso, permite-nos projetar sobre eles toda a nossa espécie de memórias fantasmas. Permite-nos, por exemplo, pensar nos objetos como aquilo que ficou quando as pessoas já passaram, já morreram. Permite-nos ter um diálogo imaginário com alguma coisa que é mais duradoura do que a vida humana, e que portanto se pode imaginar que observa a vida humana ou as gerações que passam, mas que é evidentemente uma ficção poética como qualquer outra. Os objetos são absolutamente passivos com o que queiramos fazer deles em termos literários.

Porque diria que a sua poesia tem tão presente os temas da passagem do tempo e da memória?
Da passagem do tempo não sei exatamente. Da memória, comecei a interessar-me muito pelo tema quando percebi que tinha má memória. Aliás, lembro-me que quando publiquei esse livro, que se chamava "Em Memória", as pessoas disseram "ah, que disparate, vai falar sobre a memória com esta idade". Também já não era tão novo assim.

Que idade tinha?
Tinha 30 ou 31, não sei bem. Evidentemente que já se tem memórias com essa idade e até mais jovem que isso, mas eu tenho muita consciência de que tenho uma memória deficitária. As pessoas estão sempre a falar-me de coisas de que não me lembro, às vezes de períodos inteiros, de épocas a que não prestei muita atenção, como por exemplo os anos da faculdade, etc, não me lembro bem, e tinha a ver com isso. Agora que já tenho mais 15 anos do que nessa altura, o tema da memória é acrescidamente importante e crescentemente importante porque estão lá mais coisas na memória, as memórias são maiores, e também - isto não é uma coisa consciente nem deliberada - mas a memória está mais trabalhada, estou mais atento a ela.

A passagem do tempo não tenho tanta noção porquê. Lembro-me de a certa altura ser um tema que se tornou não só importante para mim como se tornou insuportável, aliás já escrevi sobre isso num texto sobre Ruy Belo. Quando descobri Ruy Belo - e lembro-me de uma pessoa que me chamou muito a atenção e que insistiu muito para que eu lesse Ruy Belo, talvez porque encontrasse ali algumas afinidades temáticas, que foi a Fiama Hasse Pais Brandão - fez-me muita impressão.

Porquê?
Porque a passagem do tempo era uma experiência que para ele estava muito à flor da pele, não estava nada pacificado, não era alguém conformado, digamos assim, com a passagem do tempo. A ideia de a estação que passou é que era a única estação, a juventude de alguém é que era a idade para ter conhecido essa pessoa. Percebi que isso era importante quando percebi que isso era, na altura, para mim intolerável, ou seja, tinha muita dificuldade em ler Ruy Belo por razões extra poéticas. E depois superei essa dificuldade, é um dos poetas que li mais e de que mais gosto, mas o resto são talvez razões psicanalíticas que eu não sei bem quais são nem me interessa saber. Não me parece em todo o caso um tema particularmente original nem particularmente bizarro, é um tema que nos diz respeito a todos, como o envelhecimento, a morte, a perda, essas coisas todas.

Falou de Ruy Belo. É um dos poetas de que gosta, mas há outros. Um deles, T. S. Eliot, que o fez escrever ou, pelo menos, ter vontade de escrever poesia. Como é que isso foi?
Foi nos anos da faculdade. Descobri numa livraria que já não existe, lá está, na Avenida da Liberdade, a tradução de "A Canção de Amor de J. Alfred Prufrock", que é o poema central do livro de Eliot que se chama "Prufrock and Other Observations". De resto, o meu livro "Eliot e Outra Observações" chama-se assim por causa disso, porque não há nenhuma referência explícita a Eliot nos poemas, tanto quanto me lembre. E descobri essa tradução do professor João Almeida Flor e não foi só gostar do poema, porque já tinha gostado de outros poemas, quer os que tinha lido na escola quer os que tinha descoberto lá em casa ou por mim próprio, mas foi o primeiro poema que fazia coisas que eu também queria fazer. Não necessariamente por querer escrever poemas como os de Eliot mas havia ali, por exemplo, a conjugação de vários registos e níveis de linguagem, desde a citação erudita até à linguagem coloquial, havia uma mistura muito interessante, como há sempre em Eliot, entre a música das palavras e as ideias, e havia a própria relação que Eliot tinha com o mundo em geral, que é bastante semelhante à minha, um certo desconforto. E portanto, aquele poema interessava-me não apenas como um texto que eu gostava de ler, mas como uma espécie de possibilidade daquilo que se podia fazer com a poesia, que certamente não era o caso de outros poetas de que eu gostava.

Interessa-lhe esse balanço entre o tom erudito e coloquial na poesia?
Sim, na poesia e em geral. Gosto de registos misturados, nunca estive totalmente à vontade com a comédia, também não sou um fã incondicional de tragédias, mas gosto muito de tragicomédias, desse equilíbrio de registos. E por isso, por exemplo, há autores - e isso acontece muito no teatro mas não só - que são os meus autores, e muitos deles são escritores que usam justamente esse registo. As peças de Beckett, por exemplo, têm uma visão muito escura da Humanidade, mas algumas delas são profundamente divertidas. As peças de Tcheckhov, algumas delas que nos parecem dramáticas senão trágicas, ele dizia que eram comédias. E portanto gosto dessa mistura de registos, não apenas entre o erudito e o coloquial, mas entre vários tons de escrita.

Disse que estava na faculdade quando encontrou o poema de Eliot e que depois quis escrever poesia. Mas foi a primeira vez que isso aconteceu ou já escrevia antes?
Já tinha escrito uns poemas, já tinha escrito poemas de vária natureza. Por exemplo, quando descobri os surrealistas - uma descoberta que na altura foi importante para mim e que hoje não é, de todo. Escrevi aquelas coisas, poemas automáticos, tudo aquilo que parece que nos vai extrair obras primas ignoradas que temos em nós. Claro que isso não acontece e hoje tenho algum interesse pelo surrealismo, mas não necessariamente pela poesia surrealista. Aliás, já na altura gostava mais dos manifestos do que dos poemas. E mesmo no caso de Eliot não foi exatamente querer escrever como ele, não tenho noção de alguma vez ter imitado, era uma possibilidade expressiva da poesia que me interessava, era mais isso. Menos do que escrever à Eliot, como num ou noutro momento terei escrito... Sei lá, é muito fácil escrever poemas de amor à Neruda, por exemplo. E isso nunca aconteceu com Eliot, era mais mostrar-me: a poesia é capaz de fazer isto. Claro que já gostava de outros autores. Lembro-me de gostar do Lorca, e ainda gosto bastante, lembro-me de gostar de alguma poesia clássica japonesa, de que ainda gosto bastante, e portanto nesse sentido os gostos acabaram por não mudar. Gostava muitíssimo de um poeta a que hoje não volto muito, que é Paul Éluard. Gostava muito de Holderlin.

Continua a gostar do Holderlin?
Continuo a gostar, mas as tentativas de o imitar são catastróficas, sempre. Porque vive ali numa espécie de temperatura poética verdadeiramente inimitável, já inimitável na época e então fora de época absolutamente impossível. Quase todos esses poetas eu ainda gosto hoje. Depois houve uma altura de mudança nas minhas leituras que se tornam grandemente anglo-saxónicas de poetas como, primeiro Philip Larkin e depois Thomas Hardy, que são poetas dos quais eu hoje me sinto não formalmente mas tematicamente mais próximo do que dos poetas que gostava quando tinha 20 anos.

Tem hábitos de leitura de poesia regulares? A poesia faz parte do seu quotidiano enquanto leitor?
Não vou dizer que leio todos os dias porque há dias complicados, mas ando quase sempre com livros de poesia na mão, na pasta, na mala de viagem...

Porquê?
Faz parte. Leio muitas coisas por obrigação, os livros sobre os quais tenho de escrever, as novidades, etc, e a poesia é outra coisa. Quer dizer, às vezes também escrevo sobre poesia mas, por exemplo, é muito comum, quando viajo e desde que seja um país cuja língua conheço, trazer um bom lote da poesia desse país e depois andar a ler esses livros. Aconteceu agora. Estive na Dinamarca e trouxe vários livros. Nesse caso não conheço dinamarquês, mas ando a ler poesia dinamarquesa traduzida para inglês desde que vim de lá, e já li 10 ou 12 livros dinamarqueses de poesia contemporânea.

Como é que é o seu processo de escrita dos poemas? Mais espontâneo, mais regrado?
Não há uma regra. Passei por alturas completamente opostas em termos da escrita de poemas. Nos anos a seguir à faculdade, por exemplo, escrevia poemas todos os dias, mais do que um. E depois passei à volta de 7 anos sem escrever nenhum poema. Portanto, evidentemente entre um e outro não há nenhuma espécie de média, de regularidade.

E esse lapso de 7 anos foi porquê?
Esse lapso foi por razões mais biográficas do que poéticas, mas foi uma espécie de sentimento de que a poesia era... a expressão que me ocorre não sei se é a que descreve melhor, mas foi a sensação de que a poesia era mentira. Tive muito essa sensação durante muitos anos. Não especialmente em relação aos poemas que escrevia, mas a poesia em geral. Embora nunca tenha deixado de ler poesia nem de escrever sobre poesia, mas quando começava a escrever, quando tinha sequer uma vaga ideia de escrever, não me interessava. E portanto não há uma média. Agora, é muito raro sentar-me com a deliberação de ir escrever um poema.

Amanhã vou escrever um poema.
Isso só acontece quando há, por exemplo, uma encomenda de poemas para um revista ou coisa do género, que é esporádico.

E nos outros casos, como é que é?
Nos outros casos é uma frase, uma imagem, uma leitura, uma memória que, de repente, pede um poema.

E escreve de uma vez?
Os meus poemas são todos muito curtos, portanto a primeira versão é sempre de uma vez, sim. Nunca continuei no dia seguinte, o que tem muito a ver com a dimensão.

Mas depois trabalha os poemas?
Sim. Evidentemente que a relação entre a primeira versão e o poema final, no caso dos poemas que estão em livro, pode ser de vários meses. Depende muitos dos casos. Geralmente há sempre umas coisas que ficam que são os primeiros versos ou os últimos, mas no meio há muitas voltas dadas até o poema ficar minimamente aceitável.

A sua poesia foi mudando com os anos?
Não foi mudando do ponto de vista temático, aí pouco ou nada. Talvez se tenha tornado um bocadinho menos transparente e certamente um bocadinho menos quotidiana, mas basicamente é isso.

Menos transparente porquê?
Tem a ver com o facto de eu, ao rever poemas, por exemplo para as antologias, achar que havia muitos poemas que eram estragados por versos demasiado transparentes, demasiado declarativos. E portanto, a partir daí, nos poemas que escrevi tive mais presente essa transparência que me parecia incomodativa.

A contenção também é uma característica que se nota na sua poesia. É uma opção?
É uma característica de personalidade. Aí não há uma diferença muito grande entre o que escrevo e o que sou. Mas sinto que perco o pé se o poema é muito longo ou muito retórico, são territórios nos quais me movo com alguma dificuldade. E portanto não são sequer características que eu tenha de cortar nos poemas, eles geralmente não acontecem, não me acontece escrever poemas de 3, 4 páginas, rarissimamente aconteceu, e poemas retóricos já me aconteceu mas há muitos, muitos anos. Retórico no mau sentido, todos os poemas são retóricos, toda a linguagem é retórica, mas poemas, digamos assim, exclamativos, empolados, etc. Embora haja poetas na história da poesia de que gosto muito e que têm esse registo, acho que isso pertence a certas fases da história da sensibilidade ocidental, que não são esta e com a qual não me sentiria muito à vontade, tal como não me sinto enquanto leitor.

A contenção é então uma característica sua que também encontramos na poesia. Será a única ou podemos encontrar o Pedro na poesia do Pedro Mexia?
Não. Das minhas características pessoais só há uma característica que acho que é deficitária na poesia: a minha poesia só nalguns momentos é que tem traços de sentido de humor, algo que tenho mais na minha vida civil e até nos textos em prosa. Tirando isso, há assuntos que são mais importantes para mim em termos de presença e identidade do que os poemas dão a entender. Por exemplo, a questão da fé, que para mim é muito importante enquanto pessoa, não está muito presente na poesia. E haverá outras dimensões que estão sub-representadas nos poemas, mas acho que uma pessoa que me conheça a mim e depois aos poemas ou ao contrário dificilmente sentirá que são duas entidades completamente diferentes, acho que isso francamente não acontece.

Trabalha a palavra de muitas formas, a poesia é uma delas. Onde é que se sente mais o Pedro?
Não sei bem responder a isso assim. Diria que se só pudesse fazer uma dessas coisas seria escrever poemas, sem dúvida. Mas isso não significa que ache nem a poesia necessariamente superior, nem os poemas necessariamente superiores aos meus textos de prosa. Há muitos textos de prosa que gosto muito de escrever só que a diferença entre a poesia e quase tudo o resto é que o resto dá uma noção de uma certa obrigação, trabalho. Isto é, praticamente todos os textos que escrevi e que não são de de poesia alguém estava à espera deles. Enfim, com excepção dos diários, onde me sinto também muito à vontade embora há algum tempo que não tenha tempo para os escrever, são textos que obedecem a uma encomenda ou a uma espécie de contrato, e que portanto têm protocolos de tamanho, tom, legibilidade, tudo isso. E a poesia não tem nada disso, portanto, nesse sentido sinto-me mais livre a escrever poemas e sinto que as pessoas que leram os poemas conhecem, apesar de tudo, mais dimensões do que aquelas que leram só os textos em prosa. Mas isso é uma coisa que me interessa a mim, eventualmente, não tem muito interesse e nem sequer é uma espécie de classificação qualitativa, não faço ideia. Isso cabe aos outros acharem o que é melhor e pior, não penso nisso nesses termos.

É responsável por uma colecção de poesia da editora Tinta da China, que tem uma catálogo diverso. O que pretende fazer com esta colecção?
Pretendo ter um catálogo diverso. (risos) Na verdade, a colecção surgiu por ideia da Bárbara Bulhosa, não fui eu que propus sequer a colecção. Surgiu por duas razões, uma que veio essencialmente da Bárbara e outra essencialmente minha. A primeira foi porque como as editoras grandes ou médias, ou as médias que agora fazem parte de grupos grandes, deixaram um pouco cair as suas colecções de poesia e os poetas dos seus catálogos, havia, digamos assim, a parte de cima do mercado que estava a descurar a poesia. E com as editoras pequenas e ínfimas, que fazem muito bem o seu trabalho mas que têm muitas dificuldades na distribuição, havia uma série de poetas que estavam a trabalhar, por assim dizer, debaixo do radar. Eu estou a dizer os que fazem isso e que preferiam que não fosse assim, porque há quem prefira fazer isso e não tenho nada contra. Mas, como a Tinta da China não é nem uma grande editora nem exatamente uma pequenina editora, era uma coleção que queria, quer em livros portugueses quer em traduções, estar nas livrarias e chegar às pessoas e ser falada e lida. E isso foi uma ideia da Bárbara Bulhosa com a qual concordei inteiramente, e desse ponto de vista, podemos dizer, que a coleção cumpre os objetivos. A segunda ideia, que é essencialmente a minha ideia de critério, era que há uma unidade que é o meu gosto, isto é, sou eu que escolho os livros, articulado com a editora naturalmente, mas sou eu que escolho os títulos.

São os poemas de que gosta e os autores de que gosta.
São poemas de que gosto, mas que são poetas e poéticas muito diferentes entre si, porque tem a ver com os meus gostos enquanto leitor. Gosto de poetas completamente diferentes e há muitos entendimentos da poesia na coleção. Claro que há poetas de que gosto mais e gosto menos, como é natural, já são 25 títulos, mas não há nenhum livro de que me tenha arrependido, não há nenhum poeta que não queira ter no catálogo. E acho que, havendo às vezes um certo movimento tribal na poesia, em que só se lê ou só se edita ou só há interesse numa determinada poética, o que é mais uma vez totalmente legítimo, a mim não me interessava fazer isso. Interessava-me ter uma coleção em que provavelmente ninguém gostará de todos os livros senão eu, mas em que as pessoas com várias noções de poesia e com vários gostos diferentes encontrarão ali, espero eu, entre os poetas portugueses lusófonos e estrangeiros, poetas e poemas que lhes interessem.

Nesse catálogo, além de poetas estrangeiros que não estavam traduzidos, de edições de poetas portugueses que já não estão entre nós e cuja obra estava provavelmente dispersa e era difícil de encontrar, tem também novos poetas. Como é que avalia a poesia que se está a escrever agora, a poesia contemporânea dos novos poetas?
Na poesia dos poetas nascidos nos anos sessenta e depois parecia que havia uma espécie de caixas muito arrumadinhas de tendências, etc, algumas tendências auto-organizadas pelos críticos ou pelos antologiadores ou pela universidade, e isso é normal porque a poesia sempre foi sendo organizada bem ou mal assim. Mas sinto que nos últimos 20 anos ou um pouco menos começaram a aparecer poetas que não fazem parte dessas caixas e que são aqueles que eu acho mais interessantes. Dos revelados agora, costumo citar sempre o Miguel Manso e a Margarida Vale de Gato, que são poetas totalmente idiossincráticos. Em ambos é possível definir uma genealogia dos poetas que foram importantes para eles, mas certamente nenhum deles se parece com ninguém da geração deles. E acho que isso foi uma surpresa positiva, porque mostra que as tendências são muito importantes e existem, mas a poesia é muito feita de vozes individuais, e as vozes individuais têm essa característica: faz-se uma espécie de quadro de família muito arranjadinho e depois, de repente, aparece alguém que não está naquelas coordenadas, e isso foi muito interessante de observar, ir lendo o que foi sendo publicado. Eu continuo a ler, não digo tudo porque hoje em dia há edições de circulação muito muito restrita, mas tudo aquilo que apanho vou lendo, sim.

Em relação a essas edições muito restritas de circulação e à ideia das caixas, continuam a existir hoje em dia, digamos, grupos, e nem sempre a convivência é pacífica. Se bem que se olharmos para a história também não foi sempre pacífica. Parece-lhe normal algum ambiente polémico que às vezes se encontra na poesia contemporânea portuguesa?
O ambiente polémico é normal. Se pensarmos no que aconteceu no século XX português, é normal e até saudável quando isso representa diferenças estéticas e às vezes ideológicas, isso tem algum interesse. É um interesse quase sempre muito epocal, tem mais interesse na altura do que retrospectivamente. Se nós formos ver polémicas de épocas passadas, elas têm um interesse reduzido, mas depois há uma grande dose de polémica ad hominem, e essas têm realmente pouco ou nenhum interesse a não ser como divertimento.

Não queria terminar esta entrevista sem lhe perguntar se já lhe passou a ideia de que a poesia é mentira.
(pausa) Não sei se sei responder a isso. Bom, depende do que quer dizer "a poesia". Provavelmente a poesia que eu fui lendo e que me foi progressivamente interessando é menos, entre aspas, mentirosa do que outra, ou seja, é mais desejavelmente lúcida do que outra. Mas sim, há qualquer coisa... há uma décalage quase inultrapassável entre a linguagem e as emoções da literatura, por maioria de razão da poesia, e as da vida real, isso acho que sim. Acho que há zonas importantes da nossa experiência onde o poético é grandemente ficcional e é crescentemente ficcional. Acho que, por exemplo, a tradição poética amorosa ocidental tornou-se hoje largamente ficcional do ponto de vista da maneira como as pessoas vivem as relações amorosas e sexuais, ou seja, os códigos já não são de todo aqueles. E portanto, tem algum interesse linguístico para outras pessoas e para mim também tem um interesse maior do que esse, mas para a grande parte das pessoas são uma espécie de artefactos do passado. Aquela tradição da poesia amorosa que começa com os trovadores e passa para os românticos e depois chega aos surrealistas não tem muito a ver com o discurso amoroso das gerações mais novas do que nós, daquele discurso que ouço e leio, em que tudo parece realmente mais acessível, pragmático, descomplicado, e essa não é a tradição da poesia amorosa ocidental. E portanto, nesse sentido, parece-me menos, se calhar para essas pessoas, menos verdadeira do que alguma vez foi na história. Embora eu também não acredite naquelas pessoas que acham que a literatura é complicada, mas a vida é muito simples. Acho que todos nós descobrimos que a vida é pelo menos tão complicada como a literatura.

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- A poesia serve para quê?
Não serve para nada, mas ajuda muito.

- Deve saber vários versos de cor. Qual o primeiro que lhe vem à cabeça?
«Let us go then, you and I, / When the evening is spread out against the sky / Like a patient etherized upon a table».

- Se não fosse poeta português (ou de outro país) seria de que nacionalidade?
Se não fosse português, seria inglês. Ou talvez nórdico. Se fosse poeta, gostava de ser português.

- Um bom poema é?
Memorável.

- O que o comove?
Virtudes antigas.

- Que poema enviaria ao primeiro-ministro português?
Não enviava, cativava.

- Por sua vontade, o que ficaria escrito no seu epitáfio?
«Nada de poesia agora».

Raquel Marinho

O Poema Ensina a Cair começou por ser, em 2015, uma rubrica semanal do Expresso Diário sobre poesia portuguesa. Pretendia divulgar autores contemporâneos, mas não só. A ideia original de Raquel Marinho volta agora ao Expresso, desta vez com uma comunidade grande de seguidores nas redes sociais. Pode acompanhá-la no Instagram e no Facebook.

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Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: raquelmarinho@sic.impresa.pt

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