2011: O discreto restaurante em Lisboa onde Passos Coelho celebrou a vitória nas eleições
Sala
A 5 de junho de 2011, o PSD vence as eleições legislativas antecipadas. A noite de glória de Pedro Passos Coelho, então líder dos sociais democratas e que assumiria as funções de primeiro-ministro, terminou no restaurante Horta dos Brunos, um discreto restaurante de cozinha tradicional portuguesa, em Lisboa. Todas as semanas, para comemorar os 50 anos do Expresso, fazemos uma viagem no tempo, com o apoio do Recheio, para relembrar 50 restaurantes que marcaram as últimas décadas em Portugal
Após o chumbo do PEC IV na Assembleia da República, a demissão do primeiro-ministro José Sócrates e o pedido de resgate financeiro internacional, Portugal foi a votos 5 de junho de 2011. O PSD venceu as eleições legislativas antecipadas com 38,65% dos votos, sendo o PS o segundo partido mais votado. No discurso de vitória, o líder dos sociais-democratas, Pedro Passos Coelho, salientou a “circunstância extraordinária” em que o Portugal se encontrava. “Sabemos todos que a grande vontade de mudança que o país manifestou esta noite não é uma vontade de ficar a olhar para trás e ajustar contas com o passado, é uma vontade inequívoca de abrir uma janela de esperança e de confiança para o futuro”, declarou.
Ao mesmo tempo, Pedro Passos Coelho dava garantias de diálogo com as diversas forças partidárias e afirmou que faria todos os esforços para os portugueses terem um governo de maioria liderado pelo PSD, que desse “estabilidade” nos quatro anos seguintes. Formaria um governo de coligação com o CDS-PP, assumindo o cargo de primeiro-ministro a 21 de junho. Pela frente teria uma crise financeira para contrariar. Com a vitória garantida, Pedro Passos Coelho dirigiu-se ao restaurante Horta dos Brunos, na zona do Saldanha, em Lisboa, para celebrar com alguns apoiantes. Pedro Filipe, que está à frente deste restaurante juntamente com Paula Montenegro, lembra-se “perfeitamente” dessa refeição, realizada num dia “extremamente stressante”. “Nós já conhecíamos o Pedro e o seu staff. Relacionamo-nos bem com toda a gente e estávamos mais ou menos preparados para que isso acontecesse. Se houvesse uma vitória, viriam aqui confraternizar. E foi o que aconteceu”, confirma.
Horta dos Brunos
Passos Coelho era cliente da Horta dos Brunos mesmo antes de chegar à liderança do PSD, em 2010. “Vinha cá de vez em quando com a esposa e amigos, a título pessoal” e mostrou ser “uma pessoa simples, que se satisfaz com pouco”. Apreciava arroz de entrecosto e costeletas de borrego. Não foram estes, todavia, os pratos servidos no jantar da noite eleitoral, em que marcaram presença outras figuras do PSD, como o atual presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, e Marques Mendes. “Abrimos só para eles. Começaram a chegar depois das 22h00, entusiasmados, e proporcionámos uma refeição normal, com entradas e vinhos brancos de início, seguidos de vitela grelhada com batatas fritas e salada. Não inventámos muito, vinha tudo cansado e foi uma ementa simples”, descreve Pedro Filipe. Regaram com bons vinhos e “estavam todos bem dispostos, a felicitar” o vencedor, que tentava “chegar a todos os abraços dos amigos”.
Pedro Filipe e Paula Montenegro
Vidas “de luta e trabalho”
Simplicidade é uma palavra que assenta bem a este restaurante. O dia a dia faz-se de “de luta e trabalho”, de brio nas variadas tarefas. “Tudo tem de ter a nossa assinatura”, afiança Paula. E as ações credibilizam o discurso. A meio da manhã, no dia desta reportagem, a azáfama é grande... Pedro descarrega as compras do mercado, fala com fornecedores, entra e sai do restaurante, compõe a esplanada e visita a garrafeira. Paula limpa a montra dos doces, analisa a matéria-prima e inicia a mise en place. As funcionárias arrumam a sala, passam a ferro os atoalhados. Dali a nada, abrem a porta e o casal está preparado para tudo, até para se revezar na cozinha e no serviço. A polivalência está no seu ADN. Ele é de Viseu, ela de Paredes de Coura. Vieram trabalhar para Lisboa ainda jovens e conheceram-se num restaurante. A Horta dos Brunos abriu no ano 2000, pela mão de três amigos sem ligação à área. Dois deles chamavam-se Bruno e a referência à Horta advém da Rua Cidade da Horta, que apanha o restaurante ao cruzar com a Rua da Ilha do Pico. Em 2001, aceitam o convite de um dos Brunos e juntam-se ao projeto, e em 2003, compram a posição dos sócios. “Temos de aprender a nadar sozinhos”, explica Pedro Filipe.
Aprenderam à custa de muitos sacrifícios. “Quando comecei tinha três funcionários. Uma vez mandei um lavar uma alface e reparei que estava a lavar com água quente. Disse-lhe: Estás a brincar comigo? A partir daí, percebi que tudo tinha de passar pelas minhas mãos”, conta Pedro. No primeiro ano, Paula vinha dar o apoio possível, mantendo o emprego noutro restaurante como salvaguarda, caso este negócio não resultasse. Das 7h00 às 10h00 deixava os tachos semi-preparados e dava dicas ao companheiro: “Quando o arroz de entrecosto estiver quase aberto, colocas os grelos, ou fazes com feijão”. Voltava quando podia, para mais algum auxílio, e saíam às 3h00 ou 4h00. Por vezes iam a casa “só tomar banho” e Pedro chegou a dormir no restaurante, num “colchãozinho”, dado o volume de trabalho. Os filhos foram criados neste ambiente, com clientes “a darem o biberão” ou a “pegarem neles ao colo”, e desde cedo ajudaram os pais.
A garrafeira guarda 280 referências
Abundância de vinhos
O layout da sala, cadeiras e portadas, manteve-se como era antes de o casal gerir o espaço. Foram enriquecendo a sala “à procura do melhor conforto para o cliente”, introduzindo elementos como os guardanapos de pano. Mais recente é a iluminação direcionada nas mesas, a pensar num ambiente intimista ao jantar. Ao fim de sete anos, começaram a estabilizar um pouco, e as coisas “foram crescendo progressivamente”. Os clientes voltavam e sentiam-se cada vez mais em casa, prolongando o jantar pelo serão. Faziam desta a “sua sala de estar” e, de vez em quando, lá ouviam do divertido anfitrião um “Não vamos embora? Eu quero ir dormir, quero fazer amor! ”(risos).
A esplanada tem alguns anos, mas o expositor de peixe foi sempre uma realidade, “para o cliente ver que não estamos aqui a brincar, mas a dar bom produto”, sustenta Pedro Filipe. Evidente é a importância da componente vínica. Quase todos os recantos se enchem de caixas e garrafas de vinho, sem contar com os whiskys e a garrafeira no armazém do outro lado da rua, que guarda cerca de 280 referências. “Houve muita discussão. Eu queria dinheiro e só via entrar vinho nesta casa”, sorri Paula Montenegro. Pedro argumenta com um jogo de cartas: “Se tiveres um bom rei, boas biscas e bons ases não é difícil venceres o jogo. Da mesma forma que se tiveres boa carne, bom peixe e bons vinhos, tens meio caminho feito. Temos de dar boa matéria-prima a quem nos procura”. A garrafeira foi crescendo consoante a demanda, que pedia “vinhos diferentes e exclusivos”. Cresceu tanto que, antes de avançar com o armazém, Pedro chegou a arrumar caixas de vinhos premium “debaixo da cama”, não fosse um azar bater à porta.
Cozinha tradicional
Gastronomia elogiada
Pedro Filipe precisa de ver a matéria-prima todos os dias. Se não estiver de feição, não sai do mercado. Em função do que houver, decide-se a ementa. Avalia-se a sensibilidade dos clientes, o seu espírito, e “orientamos da melhor forma possível, sobretudo para o que há de mais fresco”, e também para “não complicar a cozinha, que já tem uma logística muito grande”. Mesmo não gostando de aparecer nem de cozinha, Paula faz tudo “com carinho e profissionalismo”, empenha-se ao máximo para o cliente sair satisfeito. “O que lhe sirvo é o que gostaria que me servissem sempre a mim”, refere. Baseia-se no que aprendeu com a mãe, no que viu outras pessoas fazer e em conversas com os clientes. Se dissessem que lhes apetecia uma dobrada no dia seguinte, Paula perguntava como se fazia e ia aprendendo com a prática. “Habituei-me a comer bem e o que sei cozinhar é com o que a terra nos dá, o tomate, a cebola, o azeite e nada mais. Posso não conseguir fazer aqueles molhos que alguns chefs fazem, mas consigo fazer um bom peixe grelhado com um bom azeite”, sublinha. Pedro ilustra com a dança: “Nem toda a gente dança o kizomba da mesma forma. Um dá mais à anca, outro menos à anca. O que interessa é o resultado e que o cliente fique sempre bem, mas não posso nem quero abranger todos”.
O Restaurante Horta dos Brunos (Rua da Ilha do Pico, 27, Lisboa, Tel. 21315421) centra-se na cozinha tradicional portuguesa, que “é de paciência e leva algum tempo”, contando com a sensibilidade de Paula para aprimorar a dobrada, a feijoada, o cozido à portuguesa... Abra o apetite com os “Ovos mexidos com farinheira” (€15), “Cogumelos salteados”, “Torresmos” (€6,50), a “Salada de coelho” (€7,50), de polvo, favas ou de tomate coração de boi, à época, as “Tiras de fígado” (€6) e a “Burrata” (€22). O “Bife de atum” é o prato mais procurado para sustentar, acompanhando com a mistura de batata cozida e couve portuguesa. Há também o tradicional “Arroz de entrecosto com grelos” (€45, duas pessoas), “Arroz de lingueirão”, de robalo ou de costela em vinha d'alhos com couve portuguesa, “Massada de peixe” (€60, duas pessoas), “Bacalhau à Lagareiro” (€32,50), “Robalo grelhado” (€30), garoupa ou cherne. Nas carnes, há “Bife da vazia”, “Lombo de vitela”, pode encontrar dobrada e deliciar-se com carnes especiais como o “Bife maturado” (€35,50), a “Rubia Gallega” (€38,50) e o “Wagyu” (€210/Kg). Nas sobremesas, destaque para os doces conventuais, como o “Fidalgo”, o “Ensopado de nozes” (€7) e a “Sericaia com ameixa de Elvas” (€7,50). Pergunte, ainda, pelo “Cremoso de chocolate”, a “Tarte de amêndoa” (€8), a “Tarte de requeijão com doce de abóbora” (€7) ou os “Marmelos assados com pau de canela”.
O restaurante fica numa esquina da Rua da Ilha do Pico com a Rua Cidade da Horta
Lula da Silva levou arroz para o avião
Popularizaram-se os cozinhados desta casa, capazes de satisfazer os mais exigentes apetites. Mariza já os conhece, tal como muitos atores brasileiros. Há mais de dez anos apareceu Lula da Silva com quatro pessoas. “Comeu o arroz de entrecosto com feijão e grelos e fiz um tacho para ele levar e comer no avião”, revela Paula. Empresários e políticos portugueses são uma constante, tanto da direita como da esquerda, e na cozinha também se mantém o equilíbrio entre o “fogo e a matéria prima”. Mário Soares foi o político que Pedro menos gostou de atender e Almeida Santos um dos que lhe deixou boa lembrança. “Era o mais simpático, todas as semanas vinha ao nosso espaço com outras figuras públicas. Era simples e confiava no que aconselhámos e fazíamos. Tanto podia comer peixe como carne, gostava do seu copinho de vinho, a sua aguardente e estimava o meu trabalho. Tratava-me com simplicidade, apreço e cumprimentava-nos”, recorda o anfitrião. O antigo crítico gastronómico do Expresso, José Quitério, foi o autor “do primeiro trabalho” sobre o restaurante. “Chegou e implicou logo comigo, a ementa e o serviço. Eu disse-lhe: Se o senhor quiser ajudar, ajuda e vai ter comigo à cozinha, porque eu tenho muito que fazer”, reagiu Pedro. Quitério acabou por escrever a crónica “de uma forma muito simples e construtiva” e só “não gostou muito da forma como falei com ele e do caixote que continua aqui, a televisão, mas gostou da comida”, constata Pedro Filipe.
O staff da Horta dos Brunos mantém grande proximidade com os clientes, quebrando o gelo “muito rápido”... De repente, entra um grupo de habitués e o carisma de Pedro entra em ação: “Lavaste os sapatos? Então vá, senta-te na mesa 3, se faz favor. Queres sentar debaixo da tv ou aqui à minha frente? Põe-no na 3, que ele fica ali entaladinho, vai para lá que eu já vou ter contigo. Tens de reparar, agora os sapatos da mocidade andam todos sujos”, lança. “Ai é?”, verbalizam da mesa 3. “Tens de ver esses novos ténis, a malta parece que não tem tempo, não tem água. O Estado cortou a água!” (risos). A receber as pessoas, a abrir ou a convidar alguém a abrir um champanhe com um “pouquinho mais de cenário”, a grelhar ou a empratar, Pedro Filipe “proporciona momentos maravilhosos às pessoas e todos ficam apaixonados por ele”, comenta Paula. Esse envolvimento “é engraçado, já não se encontra” por aí. Pedro tem sempre tempo para um sorriso e uma graça, condimentos secretos da vitalidade. “Faz com que as pessoas se sintam bem e é isso que tentamos manter. Se o Pedro não estiver assim, as pessoas já o estranham. Ele dedica-se a isto de corpo e alma, ama o que faz”, remata a esposa.
Para comemorar os 50 anos do Expresso e do Recheio, fazemos uma viagem no tempo para relembrar restaurantes que marcaram as últimas cinco décadas. Acompanhe, todas as semanas, no Boa Cama Boa Mesa.
Recorde os primeiros restaurantes desta iniciativa:
A marca Recheio surgiu no mercado em 1972. 50 anos depois, dispõe de 40 lojas e três plataformas distribuídas por todo o território nacional, mantendo como grande objetivo ir ao encontro das necessidades dos clientes ao apresentar desde os ingredientes às soluções, assumindo claramente um compromisso de estar ao lado dos empresários do canal HoReCa e retalho tradicional, contribuindo para o desenvolvimento do negócio, como um parceiro.
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