1972: O restaurante bar de Lisboa que se transformou na segunda casa do Expresso
A "mesa do Dr. Balsemão" no restaurante Pabe, em Lisboa
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Francisco Pinto Balsemão, fundador do Expresso, recorda-se das noites de fecho quando se ia para o Pabe “comer um prego e esperar a chegada do estafeta com as últimas provas” do jornal. Sonho de um abastado iraniano, o restaurante, inaugurado em 1972, recebeu a sede do Expresso como vizinho e ligação intensificou-se com o passar dos anos. Todas as semanas, para comemorar os 50 anos do Expresso, vamos viajar no tempo, com o apoio do Recheio, para relembrar 50 restaurantes que marcaram as últimas décadas em Portugal
Nasceram em Lisboa, a curta distância e com poucos meses de diferença. O restaurante Pabe em 1972 e o jornal Expresso nos primeiros dias de 1973, ambos na rua Duque de Palmela. A grande proximidade e a envolvência do restaurante, que abre a pensar nas elites, formam o alicerce de uma estreita relação, ao ponto do restaurante se ter tornado, para Francisco Pinto Balsemão, num “compagnon de route” do jornal. Era uma segunda casa do Expresso e o local onde se aguardava o veredicto da Censura, na mesma mesa que mais tarde recebeu as entrevistas “Almoços no Pabe”. Ficou conhecida como “a mesa do Dr. Balsemão”. Hoje, o Pabe continua a atrair as figuras influentes e é o primeiro dos 50 restaurantes que escolhemos como os mais marcantes dos últimos 50 anos.
Fachada do Pabe
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Fachada do Pabe
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Fundado por um familiar do Xá da Pérsia
Elogiam-lhe a simpatia, o apreço por bons vinhos e obras de arte. Figura cimeira da Firestone em Portugal e familiar do Xá da Pérsia, um abastado iraniano de nome Parviz Parviz decidiu abrir em Lisboa um restaurante bar de luxo, à imagem de um pub inglês e a pensar nas elites. A proibição de estrangeirismos em Portugal, à data, ditou que esse pub se chamasse Pabe, instalando-se no nº 27 da rua Duque de Palmela, junto ao Marquês de Pombal. Na inauguração, a 1 de maio de 1972, participou Carlos do Carmo e os convidados foram os primeiros a provar o champanhe e o famoso caviar que o restaurante passou a servir. O novo espaço, com decoração de Pedro Leitão, aposta nos melhores produtos e no seleto desenho de sala. O ambiente clássico e a finesse atravessaram gerações e sobreviveram à renovação de 2017 promovida pelos atuais proprietários, Luís Espírito Santo e José Pinto. Parviz Parviz fez questão de regressar para um jantar em família na mesa junto à veterana escultura do cão - numa ocasião mais “regada”, um comando chegou a partir-lhe uma pata porque o animal não respondia às suas interpelações...
“Parviz pensou que tínhamos destruído o restaurante com a renovação, mas deu-nos os parabéns por mantermos a traça original. Aqui as pessoas sentem-se em casa”, justifica Luís Espírito Santo. O restaurante ficou mais leve e modernizou-se, inclusivamente na cozinha, sem beliscar a essência. Exibe as madeiras escuras cuidadas, os talheres de prata, toalhas em linho e loiça Vista Alegre, mais o relógio de parede, os quadros de época e litografias do século XIX retratando a caça, as pratas vitorianas sobre o bar e os cómodos apoios de costas dos sofás. A alcatifa veio dos Estados Unidos, em rolos de quatro metros de largura, e tem a “altura do pelo certa”, para o andar ser confortável, mas não cansativo.
Marcelo Rebelo de Sousa, Francisco Pinto Balsemão e Augusto Carvalho, numa reunião aquando do lançamento do Expresso
Arquivo Expresso
O advento do Expresso
Quando Parviz Parviz abriu o Pabe, desconhecia que o restaurante se iria transformar como a segunda casa de um novo semanário. Nos primeiros meses de 1972, Francisco Pinto Balsemão, atual chairman do grupo Impresa, multiplica-se em contactos para dar vida a um ambicioso jornal, após sair do Diário Popular. Inspirava-se no jornalismo anglo-saxónico, em títulos como o The Sunday Times e o The Observer. Além da separação clara entre notícias e opinião, da adequação do tamanho dos textos à importância dos assuntos e da atenção à política, ao internacional e à economia, o projeto em formato broadsheet devia incluir, num segundo caderno, assuntos culturais, de televisão e consumo. “Tudo isto com um grafismo limpo e uma paginação atraente, simples, não rebuscada, com fotografias grandes e de atualidade que, com as respetivas legendas, fossem, por si próprias, notícia”, recorda Francisco Pinto Balsemão no seu livro “Memórias”.
Antes do verão, Balsemão conclui o “mono” que seria adotado nas primeiras edições. Constitui, entretanto, a empresa proprietária, a Sojornal, ficando com 51% do capital inicial, e batiza o periódico de “Expresso”, em linha com o francês L'Express e apesar de alguma crítica dos que associavam o termo a um comboio. Para a redação entram de início, entre outros, Augusto de Carvalho (chefe de redação), José Manuel Teixeira (Nacional), António Patrício Gouveia (Economia), Álvaro Martins Lopes (Internacional) e Inácio Teigão (desporto). Vítor da Silva garante o grafismo inicial (antecedeu o “mestre” Luís Ribeiro). Novidades eram a importação da fonte de letra tipo Times e a criação de Conselhos de Redação e Editorial e de um Estatuto Editorial. A orientação será “servir o interesse nacional, independentemente do Governo que ocupe o poder”, e procurar “cachas” (notícias exclusivas e em primeira mão).
Em novembro de 1972, o Expresso (hoje sediado em Paço de Arcos) instala-se em permanência no segundo andar direito do nº 37 da Rua Duque de Palmela, pertinho do Pabe, e com o tempo ocuparia quase todo o prédio. Em dezembro, o jornal foi apresentado no Hotel Ritz, para convidados do jornalismo, política, cultura e empresas, e disso deu conta o segundo número zero, datado de 30 de dezembro. A 6 de janeiro de 1973 é publicada a primeira edição do Expresso, com uma impactante manchete: “63 por cento dos portugueses nunca votaram”.
Restaurante Pabe
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Marcelo escrevia com uma mão e comia com a outra
Segundo Francisco Pinto Balsemão, o Pabe tornou-se um “compagnon de route” do Expresso. Nas suas “Memórias”, recorda as noites de fecho, à sexta-feira, quando se ia para o Pabe “comer um prego e esperar a chegada do estafeta com as últimas provas, um volume grande que continha parte substancial das peças principais da 1ª e da última páginas”. “Sentávamo-nos naquela mesa mais comprida, que é uma espécie de reentrância do bar magnificamente decorado por Pedro Leitão. Apareciam amigos e colaboradores – Miller Guerra quase nunca faltava – que nos ajudavam a passar o tempo e iam para casa logo que o envelope com as provas chegava, mas nunca sem terem lido o que a Censura cortara e não leriam no jornal do dia seguinte”, conta o diretor à época.
Os contactos com o Exame Prévio estavam a cargo de Marcelo Rebelo de Sousa, que iniciara como administrador-delegado com funções de gestão corrente, mas cedo deriva para os conteúdos (chegaria à direção). O pai era ministro e também ele “mantinha boas e íntimas relações pessoais com Marcello Caetano”, explica Pinto Balsemão. O vai e vem entre a redação e o restaurante era constante. O atual porteiro do Pabe, José Gomes, trabalhava nessa época no bar e recorda que os responsáveis do Expresso “vinham praticamente todos os dias ao almoço e, se fosse preciso, saíam à noite”. Marcelo era um habitué. Por vezes, ao falar com alguém, “escrevia com uma mão e comia com a outra”. Cláudio Xavier, atual diretor e chefe de sala, revela que certo dia Marcelo fez duas reservas para o almoço: “Pensaram que era engano, mas ele disse que sim, que eram duas reservas. Comia numa mesa o peixe grelhado e uma salada na outra sala”, conseguindo assim dividir habilmente a atenção dada aos dois convidados.
Depois do 25 de Abril de 1974 e a consequente agitação social e politica, Parviz Parviz é forçado a retirar-se. “Teve de mudar de vida, entregou o restaurante, em autogestão, ao pessoal, naturalizou-se português, com o nome Paulo Parviz, e foi viver para Londres”, esclarece o chairman do Grupo Impresa. Foram-se vendendo quadros e a garrafeira e, já na década de 80, o restaurante foi adquirido por Arménio Fernandes, Belarmino Costa e José Costa. A relação com o Expresso manteve-se. Na mesma mesa em que se aguardaram as decisões do Exame Prévio da Censura, começaram a realizar-se as entrevistas “Almoços no Pabe”, publicados pelo jornal. Foram muitos e diversos os convidados, de Mário Soares a Jorge Sampaio, de José Afonso a Natália Correia, de Francisco Lucas Pires a Isaltino Morais. O próprio Marcelo Rebelo de Sousa voltou, mas como entrevistado.
O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, no Pabe, em julho de 2022
Facebook Pabe
A fundação do PSD e o rádio de Ferro Rodrigues
Apesar da mudança do Expresso para Paço de Arcos, “a mesa do Dr. Balsemão” está sempre reservada até às 13h30 para o fundador do jornal. “É um canto acolhedor, mais recatado e as pessoas acabam por ter mais alguma privacidade. Ainda hoje é assim”, comenta Luís Espírito Santo. Terá sido ali que, por exemplo, se começou a cozinhar o PSD, então PPD: “Segundo consta, naquela mesa houve várias reuniões para a constituição do PSD, com Sá Carneiro, Pinto Balsemão, Miguel Veiga, Joaquim Magalhães Mota e Carlos Mota Pinto”, refere o proprietário, acrescentando que foi também nessa mesa que Pinto Balsemão almoçou com D. José Tolentino Mendonça, cardeal português em Roma, e com Cristina Ferreira, quando firmou contrato com a SIC. Já Cláudio Xavier recorda um almoço com Ferro Rodrigues, em que Pinto Balsemão pediu “para pôr a música um pouco mais baixa” e se queixou de “ruídos na mesa”. “A determinada altura, chamou a atenção que estava a ser sempre interrompido, até que Ferro Rodrigues disse que estava com um rádio, para as mesas do lado não ouvirem as conversas... (risos)”.
Ao jantar e aos fins de semana o Pabe é frequentado sobretudo por famílias. Já durante a semana, ao almoço, discutem-se negócios e política, sempre com a “necessária discrição”. E quase todos já por ali passaram, gente do espetáculo, da finança e claro, da política: de Mário Soares a Ramalho Eanes e a Sócrates, destacando-se ainda António Costa, Paulo Portas, Rui Rio, André Ventura e até Álvaro Cunhal, ao que consta pela mão de Marcelo Rebelo de Sousa. Foi no Pabe que Vítor Constâncio almoçou com jornalistas depois de abandonar a liderança do PS, numa Comissão Nacional que decorria no Ritz, e neste restaurante decorreu também o último encontro entre Soares e Ernâni Lopes, com a presença de Henrique Monteiro e Ricardo Costa (ambos ex-diretores do Expresso)
Restaurante Pabe
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Ambiente discreto e comida de conforto
O menu do restaurante Pabe (Rua Duque de Palmela 27 A, Lisboa. Tel. 213535675) centra-se na gastronomia típica portuguesa, de conforto. É contemporânea no empratamento e confeção (só a barriga de leitão demora três dias a preparar), recorre a “produtos premium” e há “muito sabor e carinho” ao fogão, comenta o chef-executivo, Luís Roque. Nas entradas, destaque para a “Sapateira com aromas de tártaro e seu molho” (€22), o “Scotch Egg com cabeça de xara e texturas de trufas” (€12), a “Bisque de peixe e marisco” (€12) e a “Vieira com espargos verdes, cogumelo e citrinos” (€23). Do Mar vêm os arrozes de garoupa com camarão, de lavagante e de lagosta, os bacalhaus à Minhota, à Lagareiro e em pil-pil e o “Pregado frito com açorda de coentros” (€34). Da Terra, os populares “Cabrito assado no forno à Pabe” (€36) e “Bife tártaro du Maître”(€29), cujo lombo é picado à mão e a preparação faz-se à frente do cliente, afinando o sabor a gosto. Ex-líbris são ainda os “Crepes Suzette du Maître” (€26), também preparados na sala: a frigideira é flambeada enquanto tomam um cítrico e licoroso “banho de amor”. Espreite o carrinho de queijos e a carta de vinhos com cerca de 500 referências. Antes de sair, repare nas satíricas caricaturas sobranceiras à mesa histórica. Podem ver-se Sócrates a levar palmadas do Zé Povinho, Marcelo a tirar selfies, Passos Coelho puxando um burro, António Costa e Ferro Rodrigues a cozinhar um coelho, o “bom vivant” Santana Lopes de óculos e sol e casaco amarelo, Sá Carneiro, Álvaro Cunhal, Carlos Costa a empurrar Ricardo Salgado de um banco, Saramago, Fernando Pessoa e, ao centro, Francisco Pinto Balsemão sentado na mesa preferida, a ler o Expresso.
Restaurante Pabe
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Pratos do Pabe - as preferências dos notáveis:
Francisco Pinto Balsemão: Vieiras, frango à Kiev, bife com molho Roquefort e fruta, principalmente, melão
António Costa: Bife tártaro e cabrito assado
Marcelo Rebelo de Sousa: Carabineiro, barriga de leitão, bochechas de porco preto com esparregado, em vez de puré de aipo
Luís Marques Mendes: Bife tártaro e polvo à Lagareiro
Para comemorar os 50 anos do Expresso e do Recheio, voltámos atrás no tempo para relembrar os restaurantes que marcaram as últimas cinco décadas. Acompanhe, todas as semanas, no Boa Cama Boa Mesa. Na próxima quinta-feira, recuamos até 1973, ano em que Eusébio recebe uma homenagem memorável no Estádio da Luz, para conhecer o restaurante preferido do Pantera Negra.
1972: A FUNDAÇÃO DO RECHEIO A marca Recheio surgiu no mercado em 1972. A primeira loja de cash & carry abriu portas na Figueira da Foz, em 1973. No dia da inauguração, o espaço recebeu 200 clientes curiosos com a novidade, com o conceito inovador e com a oferta disponibilizada. Nessa época, o bacalhau era o produto mais procurado dada a escassez, mas graças às ligações criadas com empresas de pesca de bacalhau foi possível abastecer o mercado sem falhas. 50 anos depois, o Recheio, agora com 39 lojas e três plataformas distribuídas por todo o território nacional, mantém como grande objetivo ir ao encontro das necessidades dos clientes e, ao mesmo tempo, apresentar produtos que, hoje em dia, são tendência ou inovadores.
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