50 Anos, 50 Restaurantes

1985: a mesa portuense onde Pinto da Costa e Reinaldo Teles trocavam confidências

Restaurante Antunes
Restaurante Antunes

Para o sucesso daquele que se tornou no presidente mais titulado do mundo contribuíram muitas figuras, entre as quais Reinaldo Teles (falecido em 2020), que se tornou no “braço direito” de Jorge Nuno Pinto da Costa. Alimentaram uma inabalável confiança mútua e acordaram contratações à mesa do restaurante Antunes, restaurante da irmã de Reinaldo, onde o líder dos Dragões tem sempre disponível o “adorado” arroz de frango com ovos estrelados. Em 1985, o F. C. Porto venceu o primeiro campeonato nacional de futebol com Pinto da Costa na presidência. Mais um motivo para festejar neste acarinhado restaurante portuense. Todas as semanas, para comemorar os 50 anos do Expresso, vamos viajar no tempo – com o apoio do Recheio - para relembrar os 50 restaurantes que marcaram as últimas décadas em Portugal.

A estreia de Jorge Nuno Pinto da Costa na bancada de um jogo do Futebol Clube do Porto aconteceu aos oito anos. Foi com o irmão ao Campo da Constituição ver o F. C. Porto defrontar o Sporting de Braga. Porém, como tiveram de ficar na zona do “peão”, atrás de uma baliza, rapidamente deixou de fitar o relvado, devido à concentração de adeptos. Teve de se contentar com as bolas que, de vez em quando, voavam para o céu. Esse petiz estava muito longe de imaginar que a 23 de abril de 1982 tomaria posse como presidente do clube do coração. Três anos depois, a família portista fica de luto pela morte do mítico treinador José Maria Pedroto. Apesar da infelicidade, em 1985 o F. C. Porto conquista o primeiro título de campeão nacional de futebol com Pinto da Costa na presidência, e Artur Jorge a treinador. Aproveitando um empate do Sporting, os Dragões sagram-se campeões no jogo em casa contra o Belenenses, que vence por 5-1 com uma exibição “verdadeiramente do outro mundo” de Paulo Futre e uma invasão de campo que deixou “quase tudo em trajos menores”, recorda Pinto da Costa no livro de memórias “Largos Dias Têm 100 Anos”.

“Nos minutos seguintes, após telefonar à minha mãe, que muito rezara pelas nossas vitórias, e enquanto uma espantosa euforia invadia o estádio, 'vejo' o filme dos três anos! Agradeço a Deus e a Nossa Senhora de Fátima, que invocava sempre antes dos jogos, e, naquele momento, sinto saudades do José Maria Pedroto e da minha avó, que me fizera sócio do clube. Ver que tantos milhares e milhares de pessoas, no Estádio, nas praças, nas ruas, nas casas como nas 'ilhas', estavam radiantes, lembrou-me que também se pode ajudar, sobretudo os que pouco têm, a ser felizes. Que bom!”, congratula-se o presidente na obra. A 27 de maio de 1987, celebra a conquista pelo F. C. Porto da Taça dos Clubes Campeões Europeus, em Viena, frente ao poderoso Bayern Munique. Um dos golos desse dia inesquecível foi selado com a classe de Madjer, que atira para o fundo da baliza de calcanhar. Nesse ano, os dragões venceram ainda a primeira Taça Intercontinental da história do clube.

Veja a fotogaleria do restaurante Antunes, no Porto:

Amizade com Reinaldo Teles

Para o sucesso daquele que se tornou no presidente mais titulado do mundo contribuíram muitas figuras, entre as quais Reinaldo Teles. Pinto da Costa conheceu-o quando aceitou o convite para liderar a secção de boxe do F. C. Porto, em fevereiro de 1967, acumulando com a chefia das secções de hóquei em patins e hóquei em campo. “Da minha passagem por esta modalidade, onde aprendi muito, resultou a conquista de grandes amigos. De entre todos, o Reinaldo Teles em primeiro lugar”, afirma no livro de memórias. Reinaldo era atleta de pugilismo e sagrou-se campeão nacional da modalidade. A ligação a Pinto da Costa cimentou-se e, pela mão do presidente, chega a seccionista, à direção do futebol, vice-presidência e administração da SAD. Foi o “braço direito” de Pinto da Costa até falecer, em novembro de 2020. Numa homenagem feita na gala do jornal O Gaiense, o presidente portista elogiou o amigo: “O Reinaldo foi para um sítio melhor e está sempre connosco. Uma vez disse que só confiava no meu cão e no Reinaldo Teles. Tinha uma confiança cega e ilimitada nele”. Acrescentou que “era um homem afável e, mesmo tendo sido atleta de boxe, com uma força invulgar, era um pacificador, um homem bom”, reproduzia a Agência Lusa. Um ano depois da morte, na gala dos Dragões de Ouro, um dos momentos mais emotivos foi a entrega do Dragão de Ouro Recordação a Reinaldo Teles, carinhosamente apelidado “chefinho”. A distinção foi recebida pelos filhos Maria João Silva e Reinaldo Pinheiro.

Reinaldo Teles com Pinto da Costa
João Carlos Santos

À mesa do Antunes

Um dos recantos que reforçou a ligação entre Pinto da Costa e Reinaldo Teles foi o restaurante Antunes, no centro do Porto. A razão poderia ser “apenas” a boa mesa, mas a verdade é que na liderança deste espaço gastronómico está Maria Luísa Teles Pinheiro, irmã de Reinaldo Teles. Pinto da Costa gostava dos filetes de pescada, de pescada cozida, do bife grelhado com arroz branco e adorava um prato especial: Arroz de frango com ovos estrelados. “Eu punha o arroz de frango no prato, ele arrumava o frango para um cantinho, misturava os ovos e comia com o frango separado”, explica Maria Luísa. Nota que o presidente “está bem conservado porque não fuma, só bebe água com muito cuidado com a alimentação”. Entretanto, ao ser pública a escolha do presidente portista, há quem tenha começado a pedir arroz de pato com ovos.

Reinaldo e Pinto da Costa “eram muito confidentes e unidos”, o que transparecia dos almoços no Antunes, onde também discutiam movimentações do plantel. “Depois, traziam-nos aqui para acabar a contratação, numa mesinha a um canto”, comenta a proprietária. Conversavam bastante a sós e, mesmo em temas complicados, Reinaldo “não gostava de guerras nem de palavreado nos jornais, era um homem de paz”. Maria declinava acompanhar o irmão nas viagens do clube, dizia-lhe que os jogos iam correr bem. “Vamos ver, é difícil, mas não impossível, temos de ter fé”, devolvia um esperançoso Reinaldo.

Maria Luísa, irmã de Reinaldo Teles

Futre, António Oliveira e Fernando Santos

Estimado nesta casa, Paulo Futre, que era cliente do Antunes, descreve Reinaldo “como quem fala de um rei”, agradece Maria, lembrando um episódio com a filha, na época ainda novata: foi oferecer um ramo de flores ao craque do F. C. Porto por ele ter “metido um golo” ao Boavista. O romeno Ion Timofte vinha jantar todos os dias e riu-se quando a proprietária retirou o pedido da camisola, depois de ele ir para o Boavista. “Já sabia que eu era brincalhona, que brincava. Queria era que fosse feliz e corresse-lhe bem a vida”. Maria Luísa defende o fair-play. Apesar da ligação do restaurante ao F. C. Porto, diz que todas as cores clubísticas são bem-vindas e que é “portista desportista”. “Não temos de ver as cores dos clubes. Sou portista, mas se o Benfica for jogar a qualquer lado, sou do Benfica, e se for o Sporting sou do Sporting, porque sou portuguesa. Sou contra quem se pega por causa do futebol. Há três coisas na vida que respeito: a religião, a cor dos partidos e o futebol. Não faço seleções, respeito toda a gente”, realça.

Muitas outras figuras do universo azul e branco frequentaram o Antunes, como o então treinador António Oliveira. Em vésperas de um jogo no estrangeiro, estava apreensivo com a baixa de forma de muitos jogadores e a necessidade de levar outros. “Ó Toninho, não se preocupe. Venha aqui almoçar e vá daqui para o aeroporto. Vai ver que eles vão ganhar. E não é que vieram mesmo cá almoçar e ganharam? Eu disse, Toninho!”, ri-se Maria Luísa. Tem consideração pelo amigo, que nutria “muita estima” pelo irmão. Fernando Santos ficou conhecido como o engenheiro do penta portista e é outro amigo. Aparecia para jantar quando estava no F. C. Porto e apoiou a anfitriã aquando da morte do marido, António Antunes Fernandes, e de Reinaldo. “É uma pessoa espetacular, de uma humanidade que há pouco”. O atual selecionador nacional de futebol já convidou Maria a passar uns dias mais a sul, mas não há meio de a viagem acontecer: “- Ó Fernando, lá está muito calor - Em Cascais tem ar condicionado, ou vais para o Alentejo, tenho lá casa com ar condicionado - Eu estou sempre aqui encaixotada e agora vou para lá... Isto não dá muito para sair...”.

António Antunes Fernandes, o fundador do restaurante

Maria admira bastante Pinto da Costa. Embora não ligasse muito à bola, houve um tempo em que aproveitava o lugar cativo no antigo Estádio das Antas e ia com o marido ao futebol. Não voltou a fazê-lo depois de ele falecer, apesar dos convites do “Sr. Jorge Nuno” para o camarote. Foi, porém, à cerimónia dos Dragões de Ouro e esteve com o presidente. “O apoio dele tem sido incondicional. Podem dizer o que quiserem dele, mas não tenho nada a apontar. Pode ter muitos defeitos, mas tem coisas muito boas: é muito amigo dos pobres, das crianças e faz bem a muita gente. O futebol é uma vida diferente, um mundo diferente e eles são todos iguais. O Pinto da Costa é o presidente mais titulado, não vem mais nenhum igual a este quando se for embora. Tem muito respeito por mim e eu por ele”, comenta a anfitriã, que pediu ao presidente para fazer capelas nos estádios das Antas e do Dragão. “Não é um pedido, é uma ordem”, terá respondido Pinto da Costa.

No Antunes ainda se trabalha com forno a lenha

Restaurante popular

Foi em 1965 que António Antunes Fernandes abriu o restaurante Antunes, transitando do Abadia, onde trabalhou como empregado de mesa. Sem experiência na área, Maria Luísa acompanha-o e foi “boa aluna” na cozinha, aprendendo com “grandes profissionais”. Começou por funcionar na sala onde está o balcão, antiga morada de um tasquito de pratos económicos. Para singrar teve de se alterar tudo e sofrer “um bocadinho... um bocadão...”. Desde o momento inicial que se assumiu como restaurante “com gente selecionada”. Foram introduzindo alguns pratos que se faziam no Abadia, como o arroz à Valenciana e o bacalhau assado no forno. O Sr. Antunes ia às compras, organizava a sala e gostava de receber os clientes, cada vez em maior número: Vinham “jogadores do F. C. Porto, médicos da Ordem da Trindade, pessoal das companhias de seguros, da EDP e do Hospital militar...”, e a casa foi crescendo.

Cinco anos depois já o espaço era insuficiente. Tomam, então, conta de uma casa de motores que ficou vaga, ainda com o chão em terra batida. Deram-lhe uma grande volta e aí nasceu a atual sala de refeições principal. Há cerca de dez anos abriram outra, a partir de uma antiga loja de loiças. “Deu muito trabalho, mas fomos andando devagarinho. Éramos lutadores e vencemos a batalha”, constata Maria Luísa. Um imponente balcão domina a sala de entrada, em que se guarda um antigo PBX. Tal como nas casas de banho, ao centro da sala principal está o habitual arranjo floral composto por Maria. “Quando eu chegar aqui e isto não tiver flores, a Maria está doente”, brincou um médico, cliente e amigo. Veem-se telas, cerâmicas, poemas, dizeres populares e um relógio com o mostrador em madrepérola e ainda a dar horas.

Arroz de frango com ovos estrelados, um dos pratos de eleição de Pinto da Costa

Cozinha regional

Até à refeição, reina o sossego neste refúgio típico, mas em “hora de ponta”, o Antunes fica repleto de comensais e muitos são gentes da terra. A cidade mantém-se fiel a este restaurante de cozinha tradicional e regional, com ingredientes caseiros e munido de um fogão a lenha. Com boas carnes, peixes da lota de Matosinhos e frutas do mercado constrói-se um projeto vencedor. E se a dona Maria não gostar, “vai para trás”. Há vários clássicos na carta, como as Tripas à Moda do Porto (desde €11, às quartas-feiras e sábados), os arrozes malandros e o Cozido à Portuguesa (desde €12) à quinta-feira, com “variedade de enchidos, cenoura, nabo e tudo a que se tem direito”, comenta o cozinheiro Alcides Cardoso, há 19 anos no Antunes.

Cozinha tradicional no restaurante Antunes
Rui Duarte Silva

Para entreter o palato tem bolinhos de bacalhau (€0,90), chamuças (€0,90) e chouriço assado (€2). Substancie com o obrigatório pernil assado (€20). Leva um tempero próprio, ligeiro fumo natural e satisfaz duas pessoas. Serve todos os dias com esparregado, batatinha assada e arroz. Considere os rojões à moda do Minho (€14), à sexta-feira, os filetes de pescada (€14,50) com salada russa ou arroz malandro (há de tomate, legumes, feijão-vermelho e feijão-branco), o arroz de feijão-vermelho com panadinhos, costeleta grelhada ou panada, e o arroz de pato à antiga (desde €11), à terça-feira. Ao sábado há cabrito e na ementa consta também a vitela assada. Irresistíveis são as rabanadas (€1,90): “Fazem-se com pão aparado à minha feição e uma calda com leite e molho especial. O pão é demolhado nessa calda e vai a fritar. Leva muitos ovos e não há igual”, avisa Maria Luísa.

Restaurante Antunes, no Porto

O fundador dizia que o restaurante Antunes (Rua do Bonjardim, 525, Porto, Tel. 222052406) era o terceiro filho, além de Maria João e Maria da Conceição. Faleceu em 1999, mas a determinada Maria Luísa mantém viva a paixão: “Sou de garra como a cidade Invicta. As pessoas adoram-me, sou muito acarinhada e bem tratada. Toda a gente gosta de mim e isso também é um incentivo, dá-me força. Perdi o marido, um neto de seis anos num acidente, uma irmã e o Reinaldo, mas o meu marido gostava muito disto e deve estar muito feliz. Sou católica, tenho a minha fé, e acho que ele fica feliz. A minha moral e o meu espírito dizem-me que não tenho de transmitir tristeza nem problemas a ninguém. São meus, tenho de os resolver eu e procurar viver um dia de cada vez. Se hoje tenho um dia pior, amanhã será melhor. Sou uma lutadora, tenho de ser”.

Pernil assado

Para comemorar os 50 anos do Expresso e do Recheio, fazemos uma viagem no tempo para relembrar restaurantes que marcaram as últimas cinco décadas. Acompanhe, todas as semanas, no Boa Cama Boa Mesa.

Recorde os primeiros restaurantes desta iniciativa:

1972: O restaurante bar de Lisboa que se transformou na segunda casa do Expresso

1973: O tributo a Eusébio e uma mesa para a eternidade

1974: O Pote que ajudou a cozinhar a Revolução dos Cravos

1985: APOSTA NA EXPANSÃO

Se em 1980 o Recheio era uma equipa de 29 pessoas, operando cerca de quatro mil artigos, em meados dessa década a estrutura começa a crescer com a abertura da segunda loja, em Viseu, inaugurada em 1984. Conforme elucida a empresa, em Viseu os vendedores entregavam aos operadores de loja as encomendas mensais dos clientes, que eram pagas a pronto e “processadas no mesmo dia ou no dia seguinte”. Num horizonte de 48 horas, a mercadoria era entregue pelas viaturas da distribuição no estabelecimento do cliente. “Isso deu-nos uma certa projeção, criámos nome. Começámos a criar clientela e a expandir o Recheio”, referiu Fernando Alves do Vale, que ainda estava à frente da empresa e marcou presença na abertura da loja de Viseu. Esta loja funcionou como projeto-piloto de expansão do Recheio.

A marca Recheio surgiu no mercado em 1972. 50 anos depois, dispõe de 40 lojas e três plataformas distribuídas por todo o território nacional, mantendo como grande objetivo ir ao encontro das necessidades dos clientes ao apresentar desde os ingredientes às soluções, assumindo claramente um compromisso de estar ao lado dos empresários do canal HoReCa e retalho tradicional, contribuindo para o desenvolvimento do negócio, como um parceiro.

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