Operação Picoas: Relação diz que despacho de Carlos Alexandre não estava fundamentado e anula medidas de coação de Armando Pereira
Armando Pereira, em 2017
ANTÓNIO PEDRO SANTOS/LUSA
Na decisão do recurso interposto pela defesa de Armando Pereira, cofundador do grupo de telecomunicações Altice, o coletivo do TRL afirma que "a fundamentação aduzida no despacho não satisfaz, minimamente, as exigências legais"
O Tribunal da Relação de Lisboa (TRL) revogou o despacho do juiz Carlos Alexandre no âmbito do processo Operação Picoas, anulando as medidas de coação do arguido Armando Pereira ao considerar nula a decisão por não estar devidamente fundamentada.
Na decisão do recurso interposto pela defesa de Armando Pereira, cofundador do grupo de telecomunicações Altice, o coletivo do TRL afirma que "a fundamentação aduzida no despacho não satisfaz, minimamente, as exigências legais", decidindo, por isso, "anular o despacho recorrido, que deverá ser substituído por um outro, em ordem a suprir a falta de enunciação dos elementos do processo que indiciam os factos imputados".
A determinação da substituição do despacho por um novo obriga o processo a regressar ao Tribunal Central de Instrução Criminal, para ser proferida nova decisão, por outro juiz de instrução, uma vez que Carlos Alexandre iniciou entretanto funções como desembargador no TRL.
No acórdão a que a Lusa teve acesso, o coletivo do TRL aponta uma "fundamentação por remissão, por atacado, para a prova dos autos", afirmando ainda que "importa afastar qualquer equívoco" e que a decisão se apresente "aos olhos do cidadão, efetivamente, como uma decisão pessoal do JIC [juiz de instrução criminal]".
"Até pode o JIC ter feito a sua avaliação pessoal e crítica das provas e concluir como concluiu. Mas o certo é que tal não resulta, minimamente, do que do despacho recorrido consta e da forma como aí se expressou e fundamentou a tomada de decisão. E, não pode restar sombra de dúvida que a decisão de aplicação de medidas de coação é uma decisão pessoal do JIC, que não se limitou a, acriticamente, deixar-se "arrastar" pelo requerimento do MP [Ministério Público]", defendem os desembargadores.
O TRL argumenta que "os elementos de prova têm de ser comunicados ao arguido" e que "o arguido tem que os conhecer, sem o que não pode, obviamente, defender-se", rejeitando a remissão para toda a prova contida nos autos.
"Nem o arguido conhece os elementos do processo que indiciam os factos indiciariamente imputados -- apenas tem a noção de que se trata da prova dos autos (...) nem o tribunal de recurso, os conhece e tão pouco, de forma alguma a eles pode ter acesso. Donde o despacho é inequívoca e incontornavelmente nulo por falta do apontado requisito de fundamentação de facto", lê-se no acórdão.
A investigação indica também a existência de indícios de "aproveitamento abusivo da taxação reduzida aplicada em sede de IRC na Zona Franca da Madeira" através da domiciliação fiscal fictícia de pessoas e empresas. Entende ainda o MP que terão também sido usadas sociedades 'offshore', indiciando os crimes de branqueamento e falsificação.
O MP desencadeou em 13 de julho uma operação com cerca de 90 buscas domiciliárias, que resultou na detenção de Armando Pereira, do seu alegado braço-direito Hernâni Vaz Antunes, Jéssica Antunes (filha do braço direito do cofundador da Altice) e Álvaro Loureiro, administrador de empresas (estes dois últimos arguidos saíram em julho em liberdade, sob caução).
Armando Pereira está indiciado pelo Ministério Público (MP) de 11 crimes, entre os quais seis de corrupção ativa e um de corrupção passiva no setor privado, além de quatro de branqueamento de capitais e crimes não quantificados de falsificação de documentos.
Foram ainda apreendidos documentos e objetos, "tais como viaturas de luxo e modelos exclusivos com um valor estimado de cerca de 20 milhões de euros".