Há professores a mais no Norte e a menos no Sul: dirigentes escolares dizem que problema está na falta de apoios
PhotoAlto/Jerome Gorin
Segundo os dados do Ministério da Educação, foram abertas 27.930 vagas pelo Governo anterior, “superando largamente as 8.493 vagas pedidas pelos diretores”. As associações apontam que é normal pedir ‘por baixo’ antes de saber o número de matriculados, e pedem que se concretizem os incentivos à profissão, especialmente na habitação e nas deslocações para escolas no Centro e Sul do país
A poucas semanas do novo ano letivo, o problema do costume continua por resolver. Segundo informações avançadas pelo Correio da Manhã, e confirmados pelo Expresso junto do Ministério da Educação, Ciência e Inovação (MECI), foram colocados 16 mil professores através do concurso de mobilidade interna, e dois mil através do concurso de contratação inicial, mas “os primeiros resultados dos concursos mostram” que existem “muitas escolas e muitos milhares de alunos sem professores para o próximo ano letivo”, do ensino pré-escolar ao secundário.
O Governo explicou que há 1.423 horários completos por preencher e 1480 horários incompletos por preencher, a grande maioria nos Quadros de Zona Pedagógica (QZP) das regiões de Lisboa e Vale do Tejo, Alentejo e Algarve. Mas não só há alunos sem professores, como também há professores sem alunos.
“Há 1.611 professores dos quadros sem turma atribuída (“horários zero”), dos quais 75% estão colocados em escolas da região Norte do país. Estes docentes irão agora concorrer à Reserva de Recrutamento 1, que decorrerá nos primeiros dias de setembro”, explanou o ministério tutelado por Fernando Alexandre.
Em resposta ao Expresso, o Governo considerou que “a concentração de ‘horários zero’ na Região Norte e o seu contraste com um elevado número de horários por preencher” nas regiões do centro e sul “revelam o desequilíbrio deste concurso na distribuição geográfica das vagas”. E este desequilíbrio, sublinhou o Governo, é da responsabilidade do executivo anterior, porque foram abertas, já depois das eleições legislativas, quase 28 mil vagas (20.853 em quadros de agrupamento/escola e 7.077 em QZP), “superando largamente as 8.493 vagas pedidas pelos diretores”.
Porém, para os dirigentes escolares, o passa-culpas contra o Partido Socialista e o Governo anterior são irrelevantes, já que a prática de abrir mais vagas do que aquelas que os diretores pedem é frequente e normal, antes de se saber o número de alunos efetivamente matriculados.
“Os diretores não podem arriscar a pedir muitas mais [vagas] sem terem a certeza absoluta que terão alunos para dar esses horários. E certezas absolutas só depois das matrículas” em julho, explicou Manuel Pereira, presidente da Associação Nacional de Dirigentes Escolares (ANDE). E notou que o aumento considerável de alunos matriculados, em cerca de 22 mil novos estudantes, não foi tido em conta “na altura em que se começou a pensar no número de professores que iam ter”. “As escolas apenas pedem o número de professores para os quais têm a certeza que têm lugar”, reiterou.
Filinto Lima, presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas (ANDAEP), esclarece que “por norma, o Ministério abre mais vagas do que aquelas que os diretores propuseram, tendo em conta o histórico”. “Os diretores fazem uma proposta e o Ministério é que faz uma última validação.”
Além disso, este número de 1.611 professores do quadro sem turma atribuída deve cair após o início do ano, devido à saída de outros docentes por via de aposentações, baixas médicas, redução de horas por causa de projetos e cargos, ou outras circunstâncias. “Na prática, estes professores este setembro terão turmas e terão trabalho de escola”, apontou Manuel Pereira.
Problemas na habitação e falta de atratividade da carreira são problemas conhecidos
Ambos os dirigentes são claros em refutar a teoria do Governo, que culpa o PS por, aparentemente, abrir mais vagas no Norte do que aquelas que seriam necessárias. Para Filinto Lima, o problema reside na falta de atratividade da carreira docente e na falta de candidaturas de professores do Norte para vagas no Centro e Sul do país, dadas as dificuldades económicas e constrangimentos pessoais que isso implica.
Para Manuel Fernandes, da ANDE, um dos principais entraves à procura de vagas, em particular, em Lisboa, Setúbal e no Algarve, é o preço da habitação nessas cidades e regiões, que tem sido há muito citado pelos professores como o principal obstáculo à falta de professores e à escolha dos docentes em permanecer na profissão.
“Os professores sabem os preços que as casas custam em Lisboa, Setúbal e Algarve, sabem o preço que um quarto pode custar, o preço das deslocações. Portanto, mesmo que se dê 100 euros a um professor para ajudar a pagar um quarto, não há quartos nem apartamentos disponíveis, e os poucos que aparecem, custam 800 a 1000 euros. Para um professor que ganhe 1200, 1300 euros, que tem de pagar despesas de transporte e alimentação, não faz sentido”, sublinha o dirigente, que sugere uma maior colaboração entre o MECI e as autarquias para que sejam “disponibilizados espaços” para os profissionais de educação.
A ANDAEP concorda com esta consideração, e Filinto Lima vinca que “o problema da escassez de professores em Lisboa e Vale do Tejo e no Algarve é a falta de incentivo e a ausência de apoio na estadia e na deslocação”. “Se os nossos Governos tivessem apoiado nesses pontos os seus professores, esse problema seria diminuído substancialmente nessas regiões”, lamenta, dizendo que os apoios em vigor “são mais que insuficientes, são miseráveis”.
“Precisamos de apoio efetivo aos professores nas rendas, mas também na deslocação. Isto ano após ano está a piorar. Temos professores a jubilar todos os meses - no mês de agosto serão 482, é a maior saída de professores para a reforma que eu tenho conhecimento - e do outro lado não entram jovens em número suficiente”, nota.
A medida mais publicitada foi a contratação de docentes aposentados há pouco tempo para disciplinas deficitárias com uma “remuneração extra”, complementar à reforma a que esses professores já tinham direito.
Filinto Lima considera que “ainda é cedo para perceber se as medidas terão adesão por parte dos professores, para que de facto a escassez de docentes diminua”.
“O ministro quer reduzir, até ao final do ano civil, em 90% os alunos que no ano passado não tinham professores a pelo menos numa disciplina. Esta meta é muito ambiciosa. É exequível, mas a sua execução tem a ver com o grau de adesão desses professores às medidas, nomeadamente professores universitários com bolsas e reformados. O cenário não é o melhor, há uma nuvem muito cinzenta sobre o arranque do ano letivo, mas ainda é cedo para perceber se essas 15 medidas terão resultado ao ponto de o ministro conseguir atingir o seu objetivo”, analisou o representante dos Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas.
Manuel Pereira constatou também que existe uma “falta de atratividade” no setor da educação, com cada vez menos universidades a oferecerem cursos nas diferentes áreas dedicados à formação e educação escolar porque, simplesmente, “não há alunos suficientes” que escolham este trajeto.
“Língua Portuguesa, Inglês, Físico-Química, Matemática... Nos últimos anos as universidades não têm estimulado cursos de formação na área da educação, e há áreas disciplinares onde não há pessoas com formação para ensinar”, considerou.
No total, segundo os dados divulgados pelo MECI, candidataram-se na contratação inicial um total de 21.803 professores, mas 19.382 não obtiveram colocação. Para o Governo, “este elevado número de professores não colocados expõe novamente o desalinhamento geográfico das vagas a concurso” e “compromete o percurso escolar de milhares de crianças e jovens e prejudica o desenvolvimento do seu potencial”.
Dos 1.423 horários completos por preencher, 427 situam-se na zona metropolitana de Lisboa. “No Alentejo estão por preencher 67 horários completos, enquanto nos QZP do Algarve estão 110 horários completos por atribuir”, informou o Ministério. Já quanto aos 1.480 horários incompletos por preencher, “462 estão em escolas do QZP 45, e outros 207 estão no QZP 46 - ou seja, na região de Lisboa”. “Há ainda 78 horários incompletos no Alentejo e 122 no Algarve”, concluiu.