“Nunca pensei que fosse assim”: às vezes é preciso ver para se perceber “Um Desastre Humanitário” (capítulo X))
O Expresso tem publicado ao longo dos últimos dias um conjunto de artigos sobre aquilo a que os Médicos Sem Fronteiras chamaram “um novo desastre humanitário”: a Turquia, país com quase quatro milhões de refugiados, abriu as suas fronteiras e muitos desses refugiados começaram a passar - sobretudo rumo à Grécia, onde o Governo local chamou “invasão” ao que está a acontecer. Este é o capítulo X - trata-se sobretudo do relato visual de um acontecimento “desumano, insuportável, vergonhoso”
Morreu uma criança no mar quando tentava chegar à Europa. Sabemos que foi a 17ª pessoa a morrer este ano ao largo da ilha grega de Lesbos. Que com ela o número de vidas que já se perderam em 2020 na rota do Mediterrâneo oriental sobe para 64 (morreram três em igual período do ano passado).
Uma segunda criança que também estava a bordo dessa embarcação foi levada para o hospital. “Está fora de perigo”, garantiram em comunicado as autoridades gregas. O barco virou-se no Egeu logo nas primeiras horas da manhã. Como tantas vezes, trazia demasiada gente a bordo. Quase 50 numa embarcação.
Lesbos foi desde o primeiro momento da chamada crise de refugiados um dos principais pontos de chegada. No Centro de Receção e Identificação de Moria estão inscritas mais de 20 mil pessoas. Vinte mil onde nunca deveriam estar mais de três mil. As pessoas vivem em tendas, esperam horas em filas por uma refeição, não têm água ou luz, são muito poucos os cuidados de saúde disponíveis. Os Médicos Sem Fronteiras contaram ao Expresso que em algumas zonas existia apenas uma casa de banho para 1200 pessoas.
Quantas conseguiram mesmo atravessar? Algumas centenas.
A fronteira terrestre entre a Grécia e a Turquia tem cerca de 160 quilómetros. Tem uma barreira natural: o rio Evros. E depois outra, construída pelo Homem, uma vedação de arame farpado e que em alguns pontos já foi cortada e, quase de certeza, local de passagem para quem quer entrar ilegalmente.
Os gregos, com o apoio da União Europeia, intensificaram o patrulhamento do lado europeu da fronteira. Pelo menos dois migrantes morreram - nem autoridades turcas nem gregas assumem a responsabilidade -, vários tiveram de ser assistidos. Para travar quem tenta passar, foi usado gás lacrimogéneo e disparados tiros para o ar.
A vida
“Desumano, insuportável, vergonhoso.” As palavras não são nossas, são de quem conhece a realidade junto aos campos de refugiados. “Desumano, insuportável, vergonhoso”: foram escolhidas por Sophie McCann, responsável pela relações institucionais dos Médicos Sem Fronteiras, para descrever o que se está a passar.
Em Edirne há um acampamento de esperanças, que apesar do reforço do patrulhamento europeu e de não haver qualquer previsão de abertura da fronteira, vai continuar à espera.
Sobra frio, falta espaço, Falta fé, sobra cansaço Nunca pensei que fosse assim
[Este é um excerto de uma canção escrita por Raul Manarte, um voluntário português que voltou há pouco do local onde fica o maior campo de refugiados da Europa]