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Cimeira da CPLP: Angola passa a pasta a São Tomé, com Marcelo e Costa sob observação

António Costa, Marcelo Rebelo de Sousa e João Gomes Cravinho na 28.ª Cimeira Ibero-Americana, na República Dominicana
António Costa, Marcelo Rebelo de Sousa e João Gomes Cravinho na 28.ª Cimeira Ibero-Americana, na República Dominicana
ORLANDO BARRIA/EPA

O Presidente e o primeiro-ministro portugueses chegam este sábado a São Tomé e Principe para Cimeira dos Países de Língua Portuguesa. Juventude e acordo de mobilidade no topo da agenda e das preocupações. Lula marca o regresso do Brasil

Cimeira da CPLP: Angola passa a pasta a São Tomé, com Marcelo e Costa sob observação

Eunice Lourenço

Editora de Política

Há seis meses - depois da saída de Pedro Nuno Santos do Governo, de o Presidente se ter manifestado cético sobre a remodelação e quase logo a seguir a ter dito que o Governo é uma “maioria requentada e cansada” - Marcelo e António Costa como que fizeram as pazes públicas numa cimeira ibero-americana, que decorreu em Santo Domingo, na República Dominicana. Este domingo, noutra latitude, mas na mesma sob clima tropical, o Presidente o primeiro-ministro têm o primeiro reencontro público depois de mais um embate entre os palácios, desta vez sobre o que ainda falta aprovado do plano Mais Habitação.

Costa e Marcelo vão estar juntos em São Tomé e Principe, onde o Presidente chega este sábado e onde vai decorrer no domingo a Cimeira da Comunidade de Países de Língua Portugal (CPLP). Num Verão em que não houve almoços nem jantares a meio das férias entre ambos, mas sim 2 vetos - primeiro, o das carreiras dos professores, depois sobre as medidas mais polémicas do programa do Governo para a habitação, como o arrendamento coercivo e os limites ao alojamento local - , esta é a primeira oportunidade para medir a tensão entre Belém e S. Bento e os titulares dos dois palácios participam já este sábado no jantar que antecede a cimeira.

O Presidente vetou, na segunda-feira, a parte final do plano Mais Habitação, o que teve a quase imediata reação do PS a dizer que vai confirmar o diploma, obrigando assim à promulgação. Marcelo assumiu que o assunto é político e desvalorizou o embate, mas também frisou que não tinha falado com o primeiro-ministro, nem com ninguém do governo sobre o assunto, porque se trata de um diploma do Parlamento. Como se a lei saída do Parlamento não tivesse na base uma proposta do Governo. De férias, Costa nada disse, deixando o palco à sua substituta, Mariana Vieira da Silva, e ao líder parlamentar, Eurico Brilhante Dias.

O regresso do Brasil e a deceção de Angola

Polémicas da política interna à parte, a XIV Cimeira da CPLP vai decorrer sob o tema “Juventude e Sustentabilidade” e marca a passagem de testemunho de Angola a São Tomé, mas também assinala o regresso do Brasil à representação de topo nestes encontros. O Presidente Lula da Silva vai participar depois de sete meses de interregno.

"Depois de um interregno em que isso não se tinha verificado, vamos ter o Presidente Lula da Silva a participar nesta cimeira, o que é bem um sinal da importância da CPLP hoje à escala global”, disse à agência Lusa o secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação português, Francisco André.

“O que esperamos é uma participação efetiva do Brasil e essa resposta já está dada de forma positiva, [com] o sinal mais claro que temos para o futuro que é a presença do Presidente Lula da Silva ” em São Tomé e Príncipe, salientou o governante português.

Nos mandatos dos ex-presidentes Jair Bolsonaro (que nunca esteve presente nas cimeiras) e de Dilma Rousseff (que se fez representar por uma ocasião pelo seu número dois, Michel Temer, que também participou como Presidente em 2016, quando a Cimeira decorreu em Brasília) a presença institucional do Brasil tinha vindo a diminuir e a CPLP raramente era referida como uma preocupação diplomática do país.

"Não escondo que nos enche de satisfação o Brasil novamente sentado à mesa, ao mais alto nível e com uma vontade política muito forte de participar ativamente na condução dos trabalhos e dos destinos desta organização, em conjunto com todos os Estados-membros”, salientou o secretário de Estado português.

Lula chega a São Tomé depois de uma visita a Angola, país que tem tido a presidência da CPLP e que, na avaliação de analistas, não cumpriu as expectativas sobre o aumento da relevância que a presidência angolana poderia dar à CPLP.

Para o analista angolano Cláudio Silva, “a CPLP luta um pouco para ser relevante, para continuar a ser relevante. A sociedade demora a ver os benefícios dessas políticas e tem alguma dificuldade em ver quão útil é o órgão em si”. Elegendo a questão da mobilidade como a mais importante que emergiu da cimeira de Luanda, Cláudio Silva acrescenta que se trata de um “desafio” mas conclui que “esperava um pouco mais da presidência angolana e da CPLP em geral, no seu todo”. “Não importa quem é o país que preside. Eu gostaria de ver algo muito mais concreto nas políticas da CPLP que tenham um impacto direto na vida dos cidadãos desses países”, frisa.

Vasco Martins, do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, é de opinião que Angola deveria “ter uma sensibilidade acrescida" em relação à mobilidade. “Sei, por exemplo, de colegas angolanos, amigos e amigas angolanos para virem para Portugal têm períodos de seis, sete, oito meses para pedir visto. Visto este que depois de pago, paga a taxa e depois da reunião e submissão dos documentos pode simplesmente nem ser emitido”, exemplificou. “Portanto não me parece que em termos de mobilidade se tenha avançado”, acrescentou, destacando que o ideal seria a “total supressão de vistos (…) e isso não foi conseguido”.

O combate à falta de relevância e de notoriedade da CPLP são outras lacunas apontadas pelos dois analistas à presidência angolana. “Ouvimos muitas declarações, mas no terreno o cidadão comum vê uma ausência da CPLP”, sintetiza Cláudio Silva, defendendo que a CPLP “tem que fazer sentido e tem que fazer ações concretas para o melhoramento das vidas dos cidadãos de países membros”. A alternativa é “correr o risco de ficar cada vez mais irrelevante para a sociedade”, sintetiza.

Questionado se esse risco decorre das políticas aplicadas pela CPLP ou da falta de conhecimento do lado das sociedades civis, o analista angolano responde que as duas hipóteses “se alimentam uma à outra”. “Eu acho que é um pouco das duas duas, com políticas mais concretas e que tenham um benefício direto na vida dos cidadãos, que até poderia ser mais conhecida. Uma alimenta a outra. A falta de conhecimento de grande parte do público sobre as políticas da CPLP são um resultado direto da falta de atividade da própria, da falta de ações concretas”, explicou.

Reforço da mobilidade e atenção à juventude

Foram dois anos de direção política angolana de uma organização de nove Estados, que representa cerca de 270 milhões de pessoas, e que deveria ter tido no centro o Acordo de Mobilidade, aprovado na XIII cimeira, em julho de 2021, em Luanda, e que resultou de uma proposta da presidência de Cabo Verde e que teve o impulso de Portugal a partir da cimeira de 2016. Aprovado em 2021 pelos nove Estados-membros e ratificado em 15 meses por todos, até agora, apenas Portugal, Cabo Verde e Moçambique já estão a aplicá-lo na ordem interna.

Portugal vem aqui reafirmar o seu compromisso com a implementação” desse projeto, “importantíssimo para o funcionamento e para o relacionamento entre todos os cidadãos” lusófonos, garante o secretário de Estado português Francisco André, realçando como a cimeira decorre “num contexto global bastante complexo, a braços com várias crises", considerou.

"Acabamos de sair de uma crise pandémica, mas continuamos a viver perante a ameaça de uma emergência climática e temos ainda uma crise securitária no Leste da Europa, causada pela agressão da Rússia à Ucrânia, com consequências financeiras bastante difíceis à escala global e que tem vindo a colocar em bastantes dificuldades a todos os países do mundo, mas também muito concretamente aos países da CPLP”, afirmou Francisco André à Lusa..

Para o próximo mandato, São Tomé e Príncipe definiu a juventude e sustentabilidade como os vetores da sua presidência, temas que são, para Francisco André, essenciais para garantir o futuro da organização. “O que nós pretendemos, no âmbito da CPLP, é sempre encontrar os melhores mecanismos para ultrapassar esses mesmos desafios de uma forma articulada que possa gerar cada vez mais oportunidades económicas, mas sobretudo oportunidades em termos de desenvolvimento” para todos, disse.

O embaixador são-tomense António Quintas, que presidiu pela primeira vez ao Comité de Concertação Permanente (CCP) da CPLP, que decorreu nos dias que antecedem a cimeira de chefes de Estado e de Governo, afasta a ideia de que o acordo de mobilidade possa fomentar a saída dos melhores quadros jovens dos países mais pobres da organização. O acordo de mobilidade, que permite vistos nacionais aos cidadãos da CPLP, constitui um risco adicional para a saída dos melhores quadros jovens dos países mais pobres, mas António Quintas recusa que existam estados vencedores ou derrotados.

“Penso que quem defendeu a mobilidade dentro da CPLP não pode pensar que o facto de os jovens emigrarem” cria uma situação em que “há quem perde e quem ganhe, porque a mobilidade é ir, vir, circular, estudar, ganhar experiências e regressar”, num “fenómeno populacional ativo” e transversal, considerou o diplomata, admitindo que o acordo, já em vigor em Cabo Verde, Portugal e Moçambique, traz novos desafios.

É preciso, de facto, cada Estado olhar para o seu estrato populacional jovem e ter políticas públicas que possam contribuir para que os jovens possam ter formação e ganhar experiência, não emigrando, com formas de se sustentarem dentro do seu país”, avisou o embaixador, salientando que os temas escolhidos por São Tomé inserem-se numa estratégia de concretizar a organização nos anseios das pessoas.

“A juventude é um estrato populacional bastante ativo na nossa comunidade, está presente e ativa no processo de desenvolvimento dos nossos países” e os jovens “querem sentir-se inseridos no contexto de desenvolvimento” de cada Estado. Por isso, no seu entender, trata-se de um tema “bastante aliciante”, porque visa “refletir de forma pragmática o papel que a juventude pode desempenhar, não obstante as dificuldades que existem em matéria de empregabilidade”.

Para António Quintas, “é preciso, de facto, repensar o papel da juventude, incluída no contexto económico, de forma que os jovens possam ser empoderados economicamente”.

A CPLPintegra Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Guiné Equatorial, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste,

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