Parlamento

Deputado Carlos Pereira sai da comissão de inquérito à TAP "para salvaguardar os superiores interesses do PS"

O deputado do Partido Socialista, Carlos Pereira, intervém no debate da comissão parlamentar de inquérito à gestão da TAP e à utilização dos fundos públicos, em fevereiro de 2023
O deputado do Partido Socialista, Carlos Pereira, intervém no debate da comissão parlamentar de inquérito à gestão da TAP e à utilização dos fundos públicos, em fevereiro de 2023
TIAGO PETINGA

Parlamentar participou em polémica reunião com a presidente executiva da TAP. Saída deve-se a notícia do CM sobre alegado perdão de dívida por parte da CGD. Explicações marcadas para esta sexta-feira

O deputado Carlos Pereira, até agora coordenador do PS na comissão parlamentar de inquérito (CPI) à TAP, vai deixar a coordenação e está mesmo de saída da comissão. A decisão, inicialmente avançada por SIC Notícias, CNN e Público, foi confirmada ao início da madrugada por um comunicado do próprio deputado. Está, contudo, marcada para as 9h30 desta sexta-feira uma conferência de imprensa do deputado e do líder parlamentar, Eurico Brilhante Dias.

A decisão foi motivada por uma notícia que faz a manchete do “Correio da Manhã” desta sexta-feira, segundo a qual a Caixa Geral de Depósitos terá perdoado parte da dívida (66 mil euros) a uma empresa de que Carlos Pereira foi avalista. Ora, Carlos Pereira foi relator de uma comissão de inquérito à CGD, em 2017, que viu grande parte das conclusões chumbadas devido à ausência na sala do então deputado João Galamba, o agora ministro das Infraestruturas.

Em face deste tipo de notícias que se têm repetido nas últimas semanas e que apenas contribuem para adensar um clima de suspeição injustificado, entendi solicitar ao presidente do grupo parlamentar do PS que me desobrigasse da coordenação dos deputados do Partido Socialista na comissão parlamentar de inquérito à Gestão Política da TAP, bem como, da minha presença na referida Comissão, para desta forma proteger os resultados a apurar na comissão de inquérito e salvaguardar os superiores interesses do PS”, escreve o deputado no esclarecimento enviado ao início da madrugada.

Na mesma nota, Carlos Pereira diz que deu todos os esclarecimentos ao jornal e garante: “Nunca existiu qualquer incompatibilidade no exercício pleno da minha atividade como deputado, ou qualquer tratamento de favor para comigo por parte da Caixa Geral de Depósitos.”

Carlos Pereira não esteve na audição da CPI que, esta quinta-feira, ouviu o presidente da Comissão de Mercado de Valores Mobiliários. As perguntas socialistas ficaram a cargo da deputada Fátima Pinto. A ausência do coordenador foi, contudo, explicada ao Expresso com o facto de ter outros trabalhos pendentes relacionados com a comissão parlamentar de Economia de que também faz parte.

Foi, aliás, como membro da comissão de Economia que participou numa reunião online com Christine Ourmières-Widener, antes de esta ser ouvida no Parlamento, em janeiro, já a propósito da indemnização a Alexandra Reis, que acabaria por estar na origem da CPI.

Carlos Pereira não esteve esta quinta-feira na audição da CPI ao presidente da CMVM, mas na terça feira esteve na reunião com Manuel Beja, presidente da TAP. Aliás, até fez uma declaração aos jornalistas durante a audição, mesmo depois de a Comissão de Transparência ter já decidido que o eventual conflito de interesses pela participação na reunião prévia à audição da CEO da TAP em janeiro seria averiguado, num parecer a cargo do PCP.

As responsabilidades sobre essa reunião têm sido objeto de passa-culpas dentro do Governo e de versões diferentes sobre a sua normalidade entre responsáveis socialistas. O gabinete da ministra dos Assuntos Parlamentares passou para o gabinete do ministro das Infraestruturas, que demorou a responder para vir dizer que foi a CEO que quis participar na reunião. Mas ninguém explicou como é que a presidente executiva soube de uma reunião supostamente pedida pelo grupo parlamentar do PS ao Governo. Ainda assim, a ministra Mariana Vieira da Silva garantiu que não há contradições.

Quanto à existência deste tipo de reuniões, o presidente do PS, Carlos César, que já fpoi líder parlamentar, escreveu que é normal. Augusto Santos Silva, presidente do Parlamento, garantiu que os deputados podem reunir-se com quem entenderem, mas fez uma distinção entre reuniões técnicas e políticas e deixou a recomendação para que reuniões como aquela não devem voltar a existir. E esta quinta-feira, o líder parlamentar do PS, Eurico Brilhante Dias, também disse que os deputados podem reunir-se com quem entenderem útil para o exercício do seu mandato.

Contudo, Eurico Brilhante Dias acabou por reconhecer que não tinha conhecimento de qualquer reunião semelhante à que envolveu a presidente executiva da TAP e que só teve conhecimento da sua realização a posteri. "O meu conhecimento é posterior porque estas reuniões preparatórias são feitas entre as áreas setoriais e o Governo, naturalmente com a articulação feita pelo Ministério dos Assuntos Parlamentares e essa articulação é feita no quadro das 16 comissões que temos no parlamento", afirmou.

O desconhecimento do líder parlamentar pode ser, aliás, uma das razões de desconforto que levam à saída de Carlos Pereira. Eurico Dias quer garantir que podem existir reuniões preparatórias, mas não existem reuniões secretas. Outra razão será tentar diminuir o ruído à volta dos trabalhos da comissão e as críticas da oposição à falta de separação entre o PS e o Estado.

PS muda agulha

Desde que explodiu o caso Alexandra Reis, o PS já mudou a agulha. No início, direcionou as responsabilidades para o presidente do Conselho de Administração da TAP, protegendo a presidente executiva. Em janeiro, na audição na Comissão de Economia (a que aconteceu um dia depois da reunião “secreta” que juntou PS, Governo e CEO da TAP), o socialista Carlos Pereira questionou Christine Ourmières-Widener para sublinhar que era ao chairman que cabia comunicar a indemnização aos representantes do acionista Estado, os ministros. E mencionou até a dupla tutela.

Agora, na comissão de inquérito, já não há qualquer defesa socialista da posição da CEO, sendo que a palavra de ordem é conter os danos na hierarquia da empresa, para não alastrar aos membros do Governo – o que tem sido difícil. Aliás, o chairman, Manuel Beja, já acusou a atitude socialista: “O papel do grupo parlamentar do PS não é de escrutínio, é de proteção do Governo”. Gáudio para a oposição.

O PS centra-se agora num parecer da Linklaters entregue à TAP em janeiro de 2022 (que indicava, antes da saída de Alexandra Reis, qual era o regime legal da empresa) para essa contenção de danos, mas o PSD considera que ele mostra que o Governo tinha também os mesmos dados, já que parecer seguiu para o gabinete de Pedro Nuno.


A CPI entrará agora num período de maior acalmia (pelo menos no que diz respeito às audições), mas é certo que o PS também tem interesse em que a iniciativa demore pouco tempo, para não queimar socialistas (e não prejudicar a privatização, que já será sensível já que o preço de venda será sempre comparado aos €3,2 mil milhões colocados pelos contribuintes).

Texto alterado às 00h20 com referência a notícia do Correio da Manhã e comunicado do deputado

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