Costa não vê contradições com Galamba e nega interferências: “Ninguém do Governo deu ordens, nem o SIS tinha de informar de coisa nenhuma”
ANTONIO PEDRO SANTOS/LUSA
“Vocês baralham um pouco de tudo”, diz António Costa aos jornalistas sobre as várias contradições que têm sido apontadas à chamada das secretas sobre o desaparecimento do computador do adjunto de Galamba. Para além disso, defendeu a líder das secretas que o PSD quer afastar
António Costa recusa quaisquer contradições com João Galamba sobre o envolvimento das secretas na recuperação do computador de Frederico Pinheiro, ex-adjunto do Ministério das Infraestruturas: só soube disso após elas terem sido chamadas, não tendo havido qualquer ordem governamental. O primeiro-ministro também rejeita afastar a líder do SIRP, que o PSD considera não ter condições para continuar. Costa – num discurso em que atacou Cavaco Silva – até deu um guião sobre quais os aspetos em que a Comissão de Inquérito à TAP se deve focar.
“Vocês baralham um pouco de tudo”. Foi assim que António Costa respondeu, numa visita aos terrenos da Expo 98, 25 anos após a sua abertura, depois de muitas questões feitas esta segunda-feira, 22 de maio, sobre o caso TAP e sobre a chamada às secretas no dia 26 de abril. “Não vamos entrar nos pormenores das horas, das horinhas. Não há contradições”, declarou, num discurso em que deu a entender que Cavaco Silva veio juntar-se ao “frenesim da direita” porque sabe que a economia está a dar bons sinais.
O primeiro-ministro defende que sempre disse que não houve qualquer ordem das secretas para ir recuperar o computador que Frederico Pinheiro, adjunto de João Galamba que tinha sido exonerado, e que só soube do envolvimento do SIS numa fase posterior. “Não [teve conhecimento prévio]. Não tive, nem tinha de ter”, repetiu. Costa relatou que o ministro das Infraestruturas lhe ligou, que não atendeu por estar a conduzir: “Mais tarde liguei-lhe, informou-me do ocorrido, disse ‘já foi comunicado às autoridades’”.
Numa audição parlamentar com algumas incongruências temporais, Galamba disse que esse telefonema foi na madrugada após os confrontos físicos entre Frederico Pinheiro e o seu gabinete, António Costa – acusando os jornalistas de se baralharem – disse que falou no dia seguinte (tendo em conta que foi já de madrugada de dia 27). “Fui informado só no dia a seguir [aos desacatos]”.
Recusa ordens às secretas sobre operação corriqueira
Aliás, sobre isso, e sobre a necessidade de não ter conhecimento prévio da atuação das secretas, António Costa também declarou que “o ministro da Administração Interna não tem informação prévia de cada operação que a PSP faz”, bem como, quando foi ministro da Justiça, não tinha “informação prévia da Polícia Judiciária”. “Nunca tive qualquer informação prévia sobre serviços de informação”
“Ninguém do Governo deu ordens, nem o SIS tinha de informar de coisa nenhuma, não é esse o nível de tutela”, declarou, para acrescentar que esta foi uma “operação corriqueira e, em regra, os serviços de informação não informam”.
João Galamba
NUNO BOTELHO
Elogio a Eugénia Correia e às “autoridades”
Nestas palavras no Parque das Nações, em Lisboa, Costa elogiou o comportamento do Governo na sequência dos desacatos, quando o adjunto Frederico Pinheiro retirou o computador do Ministério das Infraestruturas, computador que, segundo o Governo, tinha documentos classificados. O primeiro-ministro diz que, nessas situações, o que deve ser feito é “comunicar as autoridades”: e isso “foi feito e muito bem feito”.
A chefe do gabinete de Galamba, Eugénia Correia, disse ter ligado ao Sistema de Informações da República Portuguesa (SIRP) por temer acesso indevido aos documentos classificados. Sensivelmente ao mesmo tempo, João Galamba foi informado pelo secretário de Estado adjunto do primeiro-ministro, António Mendonça Mendes, de que deveria notificar as autoridades, entre as quais as secretas, pelo desaparecimento do computador com documentos classificados, mas o ministro defende que, quando falou disso com a sua chefe de gabinete, foi informado de que elas já estavam no terreno.
O líder do Executivo defendeu a atuação das autoridades: “Em função da comunicação que recebem, do contexto e da relevância que atribuem aos documentos desaparecidos, devem atuar, e atuaram nos termos da lei”.
Eugénia Correia
NUNO BOTELHO
Defesa da secretária-geral do SIRP
Nas respostas aos jornalistas, Costa frisou que o conselho de fiscalização do Sistema de Informações da República Portuguesa (SIRP) detetou que não há ilegalidades, e quis defender também a secretária-geral do SIRP, Graça Mira Gomes, que o PSD defende que deve sair do cargo, lembrando que os sociais-democratas a aprovaram.
“Uma pessoa que tem uma carreira impoluta, cuja credibilidade nunca foi por ninguém contestada. Há uma boa tradição dos dirigentes dos serviços de informações serem escolhidos pelo Governo após audição e concordância de quem lidera a oposição. Foi o que aconteceu”, disse, lembrando o PSD que esteve nesta designação.
“Não vejo nenhuma razão que ponha em causa” a “probidade” da embaixadora. “Nenhuma razão”, continuou. Luís Montenegro pedira a sua demissão, tal como a de João Galamba.
Graça Mira Gomes
JOSÉ SENA GOULÃO/Lusa
Guião para a CPI
Considerando que este episódio é apenas um aspeto lateral, António Costa deixou ainda um guião para os deputados da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) à TAP.
“Temos de nos focar no essencial. Espero que a CPI cumpra plenamente a sua função: avaliar a gestão política que foi feita pelo Governo relativamente à TAP, a decisão que tomou de intervir – quando em plena crise de covid a aviação paralisou –, as decisões negociadas com a Comissão Europeia, como está a ser executado o plano de reestruturação e o processo de privatização, no qual temos de apostar, temos de trabalhar”, desenhou o primeiro-ministro.
Sobre ser chamado à CPI para prestar esclarecimentos – que a oposição pretende colocar por escrito, mas que o PS já disse que ia vetar –, António Costa adiantou que não vale a pena especular, e acrescentou que “o Governo estará totalmente disponível para isso”. Isto apesar de Mendonça Mendes ter recusado esclarecer se está disponível para responder à CPI.
Costa lembrou até que o PS viabilizou a constituição desta CPI à TAP, dizendo que já não se está “no tempo em que elas eram impedidas”. Palavras ditas quando o Chega e a IL têm em cima da mesa a constituição de inquéritos parlamentares à atuação das secretas.
Mais esclarecimentos ficam para quarta-feira, quando for ao Parlamento para o debate mensal, remeteu Costa. Será também na quarta-feira que a CPI vai debater e votar se vão mesmo ser pedidos esclarecimentos ao líder do Governo.
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