Política

Cravinho assume "erro": "Se soubesse o que sei hoje" não teria nomeado Alberto Coelho para empresa pública

Cravinho assume "erro": "Se soubesse o que sei hoje" não teria nomeado Alberto Coelho para empresa pública
Pedro Santos/Lusa

O ex-ministro da Defesa reconhece ter desvalorizado as ilegalidades apontadas ao ex-diretor-geral Alberto Coelho, que não o impediram de o nomear para uma empresa pública porque ainda não sabia das imputações criminais. João Gomes Cravinho diz que só soube da derrapagem nas obras do Hospital Militar de Belém três meses depois porque o mail com essa informação foi rejeitado por excesso de peso.

Reconheceu o "erro" de ter feito uma nomeação polémica. Admitiu que sobrestimou o currículo do ex-diretor-geral de Recursos de Defesa Nacional. Reconheceu que subestimou o relatório da inspeção-geral que imputava a prática de várias ilegalidades a Alberto Coelho, quando o escolheu para administrador de uma empresa pública. Admitiu que desvalorizou as inconformidades legais enquanto o caso não se tornou criminal e mostrou-se arrependido: se soubesse o que sabe hoje, não o teria feito. Esta é uma parte do balanço da audiência parlamentar do ministro dos Negócios Estrangeiros, João Gomes Cravinho, sobre quando era ministro da Defesa, e acompanhou a derrapagem nas obras do antigo Hospital Militar de Belém.

Outro balanço é o que ficou confuso ou mal explicado. O ministro só soube da verdadeira dimensão na derrapagem nas obras do Hospital Militar de Belém três meses depois, porque o mail com essa informação foi rejeitado por excesso de peso dos anexos. Também não ficou claro quem sugeriu o nome de Aberto Coelho para as indústrias de Defesa: Cravinho, ou Marco Capitão Ferreira hoje secretário de Estado da Defesa? Mais: a justificação invocada para não colocar um processo disciplinar a Coelho foi porque este não ia ser reconduzido como diretor-geral. A informação sobre os aumentos iniciais dos custos nas obras, afinal não causaram estranheza ao ministro naquele contexto. E ainda não se sabe que destino terá o imóvel, que está dependente de um estudo do Estado-Maior General das Forças Armadas (EMGFA).

Perante as críticas do PSD, lançadas pelo deputado Jorge Paulo Oliveira, o ex-ministro da Defesa, João Gomes Cravinho, desvalorizou as ilegalidades imputadas ao antigo diretor-geral - hoje arguido por corrupção e branqueamento - quanto tomou a decisão de o nomear para um cargo público. Valorizou apenas as questões criminais só conhecidas muito depois. “Sabendo o que sei hoje, obviamente que não o teria nomeado para outras funções”, admitiu João Gomes Cravinho na comissão de Defesa na manhã desta quarta-feira, referindo-se à nomeação de Alberto Coelho, ex-diretor-geral de Recursos de Defesa Nacional (DGRDN) para administrador da ETI, uma empresas pública do universo da Defesa.

O ministro voltou a justificar que não reconduziu Alberto Coelho como diretor-geral em 2021 por causa das dúvidas que lhe suscitaram as ilegalidades cometidas nas obras do Hospital Militar de Belém. Mas isso não era suficientemente grave para não o nomear para a ETI. Admitiu, no entanto, que o fez “por acaso” sem o comunicar ao então secretário de Estado Jorge Seguro Sanches, por não ser das suas competências - e que foi contra quando soube da decisão pelos jornais, como noticiou o Expresso.

Mais tarde, já em resposta a André Ventura e na sequência das mesmas questões do PSD, Cravinho admitiria o “erro”: “Naquele momento, sobrestimei os 19 anos de experiência de diretor-geral, sobrestimei todo o currículo de Alberto Coelho, e subestimei a outra parte bem presente na auditoria. Há aí um erro”, reconhece o ministro, que resulta de uma avaliação à posteriori.

“Como é que alguém que, sem autorização ministerial, faz pagamentos acrescidos de €2,5 milhões, pode ser idóneo para as funções que acaba de ser promovido” para administrador da ETI?, perguntou Jorge Paulo Oliveira. “Como é que pode achar que era uma pessoa comprovadamente idónea?”

A estas perguntas, a mesma posição seria seguida pelo agora secretário de Estado Marco Capitão Ferreira, que na época da nomeação era presidente da idD, a holding das indústrias de Defesa: “Qualquer decisão tem por base informação disponível à data. Não havia qualquer razão para não integrar [Alberto Coelho] na equipa de gestão da ETI. Hoje, com a informação sobre o assunto, teria outra avaliação”, afirmou aos deputados.

Depois de ter sido acusado de mentir ao Parlamento, João Gomes Cravinho, ex-ministro da Defesa Nacional (MDN), esteve toda a manhã a responder aos deputados da comissão parlamentar de Defesa sobre a derrapagem nas obras do ex-Hospital Militar de Belém, que começaram com um orçamento de €750 mil e acabaram em €3,2 milhões - e que desembocou na operação judicial Tempestade Perfeita, com a constituição como arguidos de três antigos quadros da Defesa, entre os quais Alberto Coelho, o ex-DGRDN.

André Ventura, que substituiu o deputado do Chega na Comissão de Defesa, colocou três questões factuais. O que fez o ministro quando recebeu o ofício de 27 de março de 2020, com a derrapagem? Porque não colocou um processo disciplinar a Alberto Coelho?, pergunta depois repetida pelo Bloco e pela IL. E quem sugeriu o nome de Alberto Coelho para a ETI, o ministro ou o atual secretário de Estado?

Nas respostas, Gomes Cravinho começou por reconhecer que “não era inteiramente surpreendente" um aumento de custos naquele contexto, e que o que era apresentado naquele ofício com o ponto da situação “era de uma ordem de grandeza normal” para o acréscimo das obras. O ofício da DGRN, de 27 de março - que o ministro continua a entender que não era um pedido de autorização de despesa -, informava o ministro de uma possível derrapagem inicial de €750 mil para €1,7 milhões. "Não me estranhava naquele momento que pudesse ser um pouco mais", reconheceu Cravinho. “Havia um diálogo comigo e a DGRDN, mas era um diálogo omisso porque as informações que o DG devia ter enviado não enviou”, porque enviava “informação escassa e desorganizada para entreter o poder político”.

Sobre a questão do processo disciplinar, que era sugerido como possibilidade na própria auditoria da IGDN, como o Expresso noticiou, Cravinho justificou que “não houve" por ser “redundante abrir um processo disciplinar porque a pessoa não foi reconduzida” no cargo de diretor-geral. André Ventura ripostou: "Não respondeu à tutela, houve inconformidades e ninguém se lembrou de abrir um processo disciplinar… E foi promovido para uma empresa pública com um salário milionário?".

Quanto à pergunta sobre quem sugeriu Alberto Coelho para administrador da ETI, João Gomes Cravinho já tinha dito numa outra audiência parlamentar que o nome tinha sido levantado por Marco Capitão Ferreira, como presidente da idD, porque ele acumulava funções como presidente da ETI. Mas nenhum responsável desta vez assumiu a escolha. Com as intervenções calibradas, tanto Cravinho como Capitão Ferreira, foram vagos na autoria da sugestão do nome: “Foi no âmbito do diálogo que existia”, entre o ministro e o presidente da idD, “que foi sinalizada a possibilidade de a nomeação acontecer”, disse Capitão Ferreira, depois de Cravinho ter respondido no mesmo sentido e sem concretizar: foi sinalizada essa possibilidade, mas não foi esclarecido por quem.

Marco Capitão Ferreira foi mais concreto ao responder a uma pergunta do PSD sobre o facto de as verbas da Lei de Infraestruturas militares (LIM) terem sido utilizadas de forma ilegal nas obras do Hospital Militar de Belém, e que o Expresso noticiou há duas semanas. “Foi determinada a reposição. Tem de ser a partir de verbas da direção-geral, que estão comprometidas com outros interesses públicos”, admitiu o secretário de Estado da Defesa. “Afirmei a orientação de que esta verba tem de retornar aos projetos da LIM, e pedi um calendário para essa reposição”, informou.

Outro aspeto que gerou perplexidade entre os deputados foi a referência de Gomes Cravinho a um mail de Alberto Coelho - posterior à conclusão das obras - a informar o ministro do custo final de €2,5 milhões, ou seja, €3,2 milhões com IVA. O ministro disse que o mail com essa informação - com data de 20 de abril de 2020 -, não chegou aos destinatários porque estava com “excesso de anexos”, ou e “caracteres” e foi rejeitado pelas respetivas caixas de correio, pelo que só a recebeu dois meses mais tarde. O social-democrata Jorge Paulo Oliveira, considerou essas justificações como “ridículas” e “risíveis”.

Sobre o destino a dar ao edifício, o secretário de Estado da Defesa explicou aquilo que o Expresso noticiou na última edição: “Neste momento, o que possa ser a utilização futura do edifício” está dependente dos procedimentos administrativos para o transferir do Exército para o EMGFA. “O EMGFA está a rever um estudo que tinha feito para aferir de uma eventual utilidade funcional no âmbito do serviço de saúde militar”, disse Capitão Ferreira. Ou seja, não sai da esfera da Defesa, como chegou a ser uma possibilidade, mas ainda não está definido para quê.

A audiência foi solicitada pelo PSD, mesmo depois de o ministro já ter ido a um debate de urgência pedido pelo Chega (que acusou o ministro de mentir) e tem como objetivo o esclarecimento das muitas dúvidas e contradições que ainda subsistem sobre o papel do ministro no processo. Os sociais-democratas tinham 30 perguntas para o ex-MDN.

“Sim, o sr.ministro é politicamente responsável” pela derrapagem acusou o deputado social-democrata Jorge Paulo Oliveira, depois de o ministro ter dito que o PSD tinha “inventado” a questão das responsabilidades políticas pela obra.

O PSD diz que, ao longo deste processo, as sucessivas prestações do ministro suscita “as maiores duvidas, suspeições e perplexidades”, “contradições e incongruências”. Jorge Paulo Oliveira começou por anunciar que este “é o dia da verdade que tem sido negada e ocultada aos portugueses” e sublinhou que o
equipamento está “sem uso e destino conhecido”.

Marco Capitão Ferreira, atual secretário de Estado da Defesa, também esteve a ser ouvido na comissão, porque os deputados entenderam que não estava devidamente explicada a nomeação do ex-diretor-geral de Recursos de Defesa Nacional (DGRDN) para a ETI, uma empresa do universo idD, a holding das empresas públicas da Defesa. Gomes Cravinho chegou a dizer no Parlamento que nomeou Alberto Coelho para a ETI a pedido de Capitão Ferreira, que nessa época, em 2021, era o presidente da idD - quando já era conhecida a auditoria da Inspeção-Geral da Defesa Nacional (IGDN) classificando a atuação do ex-diretor-geral nas obras do hospital tinha sido ilegal.

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