“Tendo em conta a magnitude dos problemas relacionados com a saúde mental, é gritante a falta de recursos no SNS”
Apesar de ser comprovadamente eficaz em vários problemas de saúde mental, em Portugal a psicoterapia não está acessível a muitos dos que precisam dela. No novo episódio do podcast “Que Voz é Esta?”, falamos das consequências desta limitação grave, dos diferentes modelos e técnicas que existem e do que se sabe sobre a sua eficácia. Oiça as explicações do psicólogo David Dias Neto e do psiquiatra e psicoterapeuta Carlos Góis
O psiquiatra e psicoterapeuta Carlos Góis e o psicólogo David Dias Neto foram os convidados do episódio do podcast "Que Voz é Esta?" dedicado à psicoterapia
O número de psicólogos no Serviço Nacional de Saúde é muito insuficiente para dar resposta a todas as necessidades e no privado os valores cobrados são proibitivos para uma grande camada da população. Em consequência, muitas pessoas não têm acesso a esta intervenção terapêutica, o que compromete o tratamento da doença mental em Portugal.
“Tendo em conta a magnitude dos problemas relacionados com a saúde mental, é gritante a falta de recursos que existe no SNS", sublinha o psicólogo David Dias Neto, professor do ISPA e antigo presidente do Conselho de Psicologia Clínica da Ordem dos Psicólogos, no mais recente episódio do podcast “Que Voz é Esta?”. E, considerando o salário médio em Portugal, "fazer psicoterapia no privado, com os preços atuais, é claramente um luxo”, ao alcance de poucos, adianta.
Com as limitações de acesso à psicoterapia, o recurso a psicofármacos é, muitas vezes, a única “arma terapêutica” disponível para quem sofre de problemas como ansiedade ou depressão. E esse pode ser um dos fatores que ajudam a explicar o facto de Portugal registar dos níveis mais elevados de prescrição de ansiolíticos e antidepressivos de toda a OCDE.
Porém, a investigação mostra que o uso combinado da psicoterapia e da medicação é o mais eficaz no tratamento da depressão. “Quem faz estas duas intervenções tem menos hipóteses de recair”, frisa o psiquiatra e psicoterapeuta Carlos Góis, professor na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa.
Se a eficácia for medida isoladamente, no entanto, a psicoterapia apresenta mais vantagens a longo prazo do que os antidepressivos.
O psicólogo David Dias Neto é professor no ISP e antigo presidente do Conselho de Psicologia Clínica da Ordem dos Psicólogos
“No caso da depressão, a investigação mostra que as intervenções psicoterapêuticas são tão eficazes como a medicação a curto prazo e a longo prazo apresentam uma vantagem, em termos de prevenção de recaídas e da sustentabilidade da mudança”, explica o psicólogo David Dias Neto.
Carlos Góis é psiquiatra, psicoterapeuta e professor na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa
Carlos Góis corrobora, explicando que "a psicoterapia envolve a pessoa que está a ser tratada, fazendo-a participar de uma forma mais ativa no seu próprio tratamento, o que se reflete nos resultados a longo prazo”.
O fim do preconceito
Se durante muito tempo foi encarada com alguma desconfiança ou ceticismo por muita gente, hoje ninguém põe em causa a importância da psicoterapia.
“O estigma em relação à psicoterapia caiu. Hoje em dia as pessoas mais novas não têm este preconceito e até as pessoas de meia idade para cima perderam-no por causa da pandemia”, quando se falou muito de saúde mental, ajudando a desmistificar muitas doenças e perturbações do foro psicológico, explica Carlos Góis.
Mas a psicoterapia não é indicada apenas no tratamento da doença mental; tem também um papel importante a nível da “promoção da saúde mental, ajudando a pessoa a encarar de forma diferente o sofrimento interior”, frisa o psicoterapeuta.
“A psicoterapia é uma resposta para problemas de saúde mental, mas foca-se naquilo que é a saúde mental, ou seja, no desenvolvimento de competências, no desenvolvimento de boas relações, no ganho de consciência relativamente ao funcionamento actual e ao funcionamento passado, numa capacidade de descentramento sobre o seu próprio pensamento e de ganho de liberdade relativamente a escolhas futuras. Neste sentido, as pessoas que não têm propriamente um problema de saúde mental também podem beneficiar deste tipo de ganhos”, sublinha o psicólogo David Dias Neto.
“Que voz é esta?” é um novo podcast do Expresso dedicado à saúde mental. Todas as semanas, as jornalistas Joana Pereira Bastos e Helena Bento vão dar voz a quem vive com ansiedade, depressão, fobia ou outros problemas de saúde mental, e ouvir os mais reputados especialistas nestas áreas. Sem estigma nem rodeios, vão falar de doenças e sintomas, tratamentos e terapias, mas também de prevenção e das melhores estratégias para promover o bem-estar psicológico. O podcast conta com o apoio científico de José Miguel Caldas de Almeida, psiquiatra e ex-coordenador nacional para a saúde mental.