O Futuro do Futuro

“Os valores do mundo digital chinês não são os mesmos que os nossos. São até rivais”, recorda embaixador para a Diplomacia Digital

Luís Barreira de Sousa, embaixador para a Diplomacia Digital, admite como possível a gestão da Internet a partir da ONU, mas considera inviável qualquer convenção internacional específica para a Internet. Em entrevista ao podcast Futuro do Futuro, o embaixador recorda que até à data não há conhecimento de uma campanha de desinformação contínua e de larga escala contra os interesses estratégicos nacionais, ainda que tenham sido registadas durante um período algumas notícias de meios de comunicação russos sobre a Base das Lajes

Luís Barreira de Sousa começou por receber, na década passada, o cargo de embaixador para a Ciberdiplomacia, mas hoje acumula um segundo cargo em representação do Estado Português e que tem o nome de embaixador para a Diplomacia Digital. As duas funções tentam complementar-se tanto no desenvolvimento de normas de atuação das plataformas digitais como nas relações entre estados através da Internet. O que também implica uma vertente bélica ou de conflito.

Luís Barreira de Sousa, em entrevista no podcast Futuro do Futuro: a criação de uma convenção internacional específica para a Internet é "inviável"
Ricardo Lopes

“É claro que temos no horizonte a possibilidade de o uso do ciberespaço, só por si, desencadear uma guerra. Com a evolução tecnológica a que estamos a assistir é naturalmente possível”, prevê o embaixador em entrevista ao podcast Futuro do Futuro, sobre o crescente recurso da Internet como caixa de ressonância de exércitos ou gabinetes diplomáticos.

Até à data, os ciberataques têm sido desencadeados abaixo do “limiar do conflito armado”, sem serem considerados como atos de guerra, e sempre com dificuldade acrescida no que toca ao apuramento de autorias.

Barreira de Sousa recorda que os estados democráticos têm lutado para que as convenções internacionais sejam aplicadas no ciberespaço, mas o conceito não tem o apoio de alguns países com regimes políticos diferentes da democracia e que defendem que o ciberespaço deve passar a ter uma convenção própria que garanta a paz.

Segundo o embaixador português para a Diplomacia Digital, essa proposta de convenção específica para a Internet “não tem qualquer viabilidade”. “O ciberespaço, desde que existe, que é usado para a atacar outros estados” recorda, sem deixar de lembrar que os proponentes desta convenção específica, que “dizem que querem desmilitarizar o ciberespaço”, são também os estados que costumam figurar na lista de principais suspeitos de patrocínio dos ciberataques.

Além de meio para lançar ataques, a Internet é também causa de conflito em si mesma: durante décadas, a gestão técnica da Web foi suportada por uma entidade sediada nos EUA, mas são vários países que, ao longo tempo, nunca desistiram de reivindicar uma governação a partir das Nações Unidas.

Luís Barreira de Sousa não se opõe a essa possibilidade, mas com algumas condições: “Se tivermos a certeza de que é criado um sistema de pesos e contrapesos que garanta a independência desta entidade, porque não?”.

Hoje, muitos dos estados recorrem a entidades de cibercrime para as missões menos honrosas. Mas essa estratégia também tem custos: “Temos na Dark Web um mercado de crimes de A a Z, Vende-se tudo: a lista das vítimas, os métodos usados ou a cobrança em criptomoedas”.

Perante estas relações perigosas, o estados desenvolvem outras mais salutares que contemplam o alerta e a filtragem campanhas com códigos maliciosos ou de desinformação. O embaixador para a Diplomacia Digital recorda que, recentemente, um conjunto de notícias veiculado por órgãos de comunicação russos tentou afetar as relações entre Portugal e os EUA através do diferendo sobre o tratamento de terrenos contaminados na Base das Lajes, Açores, mas não há registo de uma campanha de desinformação persistente e de grande escala que tenha como alvo os interesses estratégicos nacionais.

“Nunca houve campanha de desinformação contra interesses estratégicos do Estado português”, conclui o embaixador.

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Tiago Pereira Santos

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