Humor à Primeira Vista

Roberto Pereira: “Gosto que as pessoas cheguem e se riam ali. Que não levem trabalhos para casa”

Em conversa com Gustavo Carvalho, no podcast Humor À Primeira Vista, Roberto Pereira fala sobre a oferta de comédia no teatro em Portugal, explica o sucesso de “Festa é Festa” como formato diário de comédia em primetime e leva-nos pela evolução do papel do guionista em Portugal

João Morais

Cinco atores sobem a palco e apenas nesse momento conhecem o texto que vão representar. Roberto Pereira é o criador e guionista de “Tenho um papel para ti”, uma comédia que estreou no Porto e segue agora para Lisboa. É um espetáculo em que o primeiro ensaio, a estreia e a última atuação acontecem simultaneamente. Tendo já escrito para todos os canais, sente-se mais feliz no teatro, mas fez séries, novelas, filmes e até sketches. Adaptou “Aqui Não Há Quem Viva”, escreveu para Herman José e criou “Ferro Activo”, com Frederico Pombares e Henrique Dias. Também subiu a palco para “O Outro lado da história”, na primeira e até agora única incursão pelo storytelling. Atualmente é o criador e autor da novela “Festa é Festa”, na TVI.

Dentro deste formato do "Tenho um papel para ti", há intenções de fazer uma versão mais dramática, ou um estilo de humor diferente do que normalmente fazes?
O humor é o denominador comum, quer neste espetáculo, quer na minha carreira. Aquilo que mais me faz feliz na verdade é fazer rir as pessoas. Até posso fazer um dramalhão, mas com comédia. A melhor coisa que me podem dizer - é o que me têm dito - é que não se riam tanto há não sei quanto tempo, que foi a melhor coisa que lhes aconteceu nos últimos dias. Há malta que diz que não tem o hábito do teatro e que vai começar a ter. Malta que os amigos arrastam quase para uma sala de teatro. Houve muitas mensagens boas e que me fazem todo o sentido. As pessoas divertiram-se muito. E o meu género de comédia é para as pessoas rirem ali. Em tudo o que faço há sempre uma mensagem, aquele subliminar que há nos textos todos. Mas gosto que as pessoas cheguem e se riam ali. Que não levem trabalhos para casa, como se costuma dizer. Que não percebam só o que se passou ali um dia depois.

Fala-se muito da ideia de que o humor é também para pensar. Não vais por aí. Queres que seja uma experiência do momento, forte.
Exatamente, gosto da reação imediata do público e esse é o outro fator pelo qual adoro o teatro. Tenho a reação ao meu trabalho no momento, coisa que não acontece nos outros formatos. Na televisão escrevo uma coisa hoje, vejo daqui a três meses que afinal tinha graça. E uns devem ter achado graça, outros se calhar não acharam. No teatro, ali com mil pessoas, consigo dizer que realmente toda a gente gostou disto. Vejo logo o resultado do meu trabalho ali.

Como espetador, temos boa comédia no teatro em Portugal?
Acho que se começou nos últimos anos a trazer coisas de fora, quando cá há quem escreva muito bem, sem a necessidade de estarmos constantemente a adaptar textos estrangeiros. Quando cá há muita gente que faz teatro tão bem ou melhor, pelo menos mais atual.

A novela "Festa é Festa", na TVI, já vai na sexta temporada. Quando comparas a escrita de outras novelas com a escrita nesta, que é uma criação tua, é assumidamente uma comédia, o que é que aconteceu aqui de diferente?
O que aconteceu aqui de diferente foi que isto veio provar o género de uma tese, que alguém criou, de que jamais uma novela de humor funcionaria em Portugal. E vamos olhar um bocadinho para trás. O último grande sucesso diário de humor que houve na nossa televisão em primetime chamava-se "Malucos do Riso", que esteve não sei quantos anos no ar, a fazer umas audiências brutais. As pessoas viam aquilo. E não entendo qual seria a razão, onde é que foi feito o estudo, que dizia que naquele horário, uma novela que segue as mesmas regras das outras todas, mas que em vez de ter dramalhões importados da América do Sul... porque é que uma novela desse tipo não haveria de funcionar naquele horário? Ainda para mais num período em que tínhamos vindo de uma pandemia, ou estávamos a passar uma pandemia, em que as pessoas andavam deprimidas. O que é que nos podia dizer que juntando aqui um conjunto de ingredientes, ou seja, dar uma coisa às pessoas a que elas estão habituadas (uma novela) naquele horário, com atores cómicos, com uma história cómica, com uma história leve, em que pudéssemos tocar nos temas todos, mas de uma forma diferente. O que é que aqui poderia ser tão estranho? Porque é que à partida se podia logo prever que não iria funcionar? Mas graças a deus e às pessoas que acreditaram sempre nisto e fizeram tudo para que isto acontecesse, principalmente a Cristina Ferreira, nunca vacilaram e fizeram com que isto realmente acontecesse e fosse para a frente. E o resultado é o que se vê. Estamos há dois anos e tal no ar a ganhar todos os dias, tirando um dia ou outro.

As pessoas passaram a valorizar mais o papel do guionista?
Acho que sim. Não assim há tanto tempo, mas de há uns anos para cá já se reconhece. Mas não é em todo o lado, não é no país todo e não são todas as pessoas. Mas acredito que a malta de outra geração, a malta mais nova, já procura saber de quem são as coisas [...] Só criei a única rede social que tenho, o Instagram, quando percebi que havia uma pessoa que estava a passar a mensagem de que ele é que tinha feito um projeto grande em que estava envolvido. Era alguém envolvido no projeto que passava a ideia de que quem tinha escrito o guião era ele. Não era tido nem achado ali no meio. E criar uma rede social foi para promover o meu próprio trabalho. E aí sim comecei a achar importante este lado de ter uma rede, em que chego a bastantes pessoas, para saberem quem é que faz o quê, e o que é que estou a fazer. Isso sim acho importante e útil.

Era uma situação frequente?
O argumentista durante muito tempo era um técnico. Com todo o respeito pelos técnicos, atenção. Era o técnico de som, o de imagem e o de guião. Os artistas eram os outros, o guionista era um técnico. Mas hoje em dia acho que isso está a mudar, já muitas vezes se começa a pôr cá: "Do mesmo autor de". E ainda bem, porque é onde tudo nasce. Se aquilo tiver sucesso, tu foste a primeira pessoa a criar aquele sucesso. É a génese de tudo, é o guião. Mas cada vez mais se está a chegar a essa conclusão. Basta olharmos para os Estados Unidos, que cada vez que há uma greve de argumentistas a indústria para. E acho que cá, mais cedo ou mais tarde, o guionista vai estar no mesmo patamar do que está o produtor, do que está o realizador.

Gustavo Carvalho faz perguntas sobre comédia. O convidado responde. Sorriem… é humor à primeira vista. Oiça aqui mais episódios:

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: gcarvalho@impresa.pt

Comentários
Já é Subscritor?
Comprou o Expresso?Insira o código presente na Revista E para se juntar ao debate