Laborinho Lúcio: “Tenho 81 anos e desejo demorar o máximo tempo a estar velho e a morrer. A vida é um contínuo fantástico”
Foi ministro da Justiça na década de 90, quando Cavaco Silva era primeiro-ministro, e é atualmente juiz conselheiro jubilado do Supremo Tribunal de Justiça e escritor. Autor de quatro romances, publicou no ano passado “As Sombras de Uma Azinheira”, sobre o confronto de um país antes e depois da revolução. Nesta conversa em podcast, Laborinho Lúcio deixa um olhar crítico sobre o estado da Justiça e da Educação em Portugal, os desafios da inteligência artificial e do futuro da democracia. E após integrar a Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica, reflete sobre o que falta fazer para haver uma efetiva mudança numa certa cultura de silêncio e ocultação. Ouçam-no no podcast “A Beleza das Pequenas Coisas” com Bernardo Mendonça
Álvaro Laborinho Lúcio afirma sobre si que é um otimista de longo prazo. Que acredita no futuro do futuro, mas também na importância da memória e do sentido crítico sobre o que foi feito lá atrás para construirmos novos horizontes.
Nazareno, começou por experimentar o teatro como ator e encenador, mas foi nos palcos da Justiça que fez o seu caminho e chegou a ser ministro em 1990, quando Cavaco Silva era primeiro-ministro e ministro da República para os Açores, em 2003, durante a Presidência de Jorge Sampaio. Atualmente é juiz conselheiro jubilado do Supremo Tribunal de Justiça.
Como olha Laborinho Lúcio para o tempo atual da Justiça e o tempo da política? Visto que há vários casos de investigação de partidos e de políticos que demoram demasiado tempo, até que ponto isso não contribui para a degradação da política aos olhos dos cidadãos? Esta é uma das questões que lhe são lançadas logo no arranque deste podcast.
Vivemos ainda numa sociedade com dois pesos e duas medidas, em que há a justiça dos ricos, dos poderosos, dos grandes empresários, dos políticos, com os processos de corrupção a estenderem-se no tempo, de forma quase obscena - e tantas vezes a montanha de acusações a parirem um rato - e depois, depois há a justiça das pessoas comuns, com uma mão mais pesada e implacável? E se é certo que o que defende a liberdade e a democracia é a Justiça, o que isto diz de nós quando ela falha ou tarda a surgir?
A verdade é que há décadas que ouvimos falar na necessidade de reformas na Justiça, mas os passos parecem lentos e insuficientes. A Justiça continua no fim das prioridades do Governo? O que tem pena de não ter feito na pasta da Justiça? De que é que se arrepende? E do que mais se orgulha de ter feito? E já agora, não há pessoas intrinsecamente más, há sim atos e contextos maus? Estas são outras das questões lançadas na primeira parte desta entrevista.
Os abusos sexuais na Igreja são também longamente abordados neste episódio, já que integrou a Comissão que estudou os abusos de crianças nessa instituição. O que mais o surpreendeu ou chocou no processo? As denúncias de abusos continuam a aumentar e a promessa de um memorial para as vítimas ainda não foi cumprida. O que é preciso mudar e não está ainda feito? Laborinho Lúcio afirma: “O problema não é a sexualidade dos padres, mas os atos sexuais criminosos, a castidade e o pacto de ocultação entre fiéis e Igreja. Isto é, também os fiéis querem continuar a manter a castidade dos padres, porque os coloca num plano superior.Gostaria que a Igreja estivesse preparada para essa desocultação."
No final da primeira parte desta conversa, o jurista e político Guilherme d´Oliveira Martins, deixa um testemunho ao amigo e lança-lhe uma questão.
Na segunda parte desta conversa, Laborinho Lúcio responde à pergunta de Guilherme d´Oliveira Martins. E faz-se justiça ao escritor com 4 obras de ficção publicadas. Começou a escrever já depois dos 70 - a provar que podemos ter várias vidas nesta vida, e que podemos reinventar-nos em qualquer idade. E sobre si afirma que “é um jovem romancista com um grande futuro atrás”.
Em 2014 publicou o seu primeiro livro de ficção - “O Chamador”, seguiu-se o romance “O Homem Que Escrevia Azulejos” (finalista do Prémio Fernando Namora 2017), depois escreveu “O Beco da Liberdade” e em 2022, lançou o seu 4º e último romance “As Sombras de Uma Azinheira”, todos na Quetzal.
Este seu último romance nasceu da aproximação dos 50 anos do 25 de Abril, e do confronto de um país antes e depois da revolução, através da separação de um pai e de uma filha. A história entrelaça-se com temas como a discriminação, sexual ou racial, a justiça, o ensino e a relação professor-aluno. Nesta trama sobre um pai, João Aurélio, que lutou pela revolução, que sonhou com o nascimento da democracia e de um filho, que sofre o trauma da morte da mulher, na hora do parto, e que acaba por abandonar a sua filha, Catarina, e renunciar a tudo o que tinha sonhado para regressar a um Portugal do passado. “As Sombras de uma Azinheira” é também sobre uma filha que nasce da revolução e se projeta para o futuro.
O que importa hoje aprender e desaprender ou desconstruir? Este desencontro das novas gerações com o passado, e esta sensação de orfandade dos mais novos para com os mais velhos que sonharam Abril, como pode gerar pontes para melhores amanhãs? Laborinho Lúcio vai fundo no tema neste podcast e chega a ler uma passagem do seu livro.
Neste regresso às aulas, o jurista e escritor fala ainda do caminho da educação e inclusão, os desafios da Inteligência Artificial e de um mundo cada vez mais digitalizado. E, como habitual, há espaço claro para ouvirmos a música que o acompanha e ouvirmos uma leitura sua de um poema de Natália Correia, a propósito da recente celebração do centenário do seu nascimento.
Nesta nova temporada o genérico é assinado por Márcia e conta com a colaboração de Tomara. Os retratos são da autoria de Nuno Fox. A sonoplastia deste podcast é de João Martins e João Ribeiro.
Voltamos para a semana. Até lá pratiquem a empatia e boas conversas!