A Beleza das Pequenas Coisas

Isabel Moreira: “António Costa desmontou um ‘bluff’ porque o discurso catastrofista do Presidente não cola com os resultados do Governo"

Isabel Moreira: “António Costa desmontou um ‘bluff’ porque o discurso catastrofista do Presidente não cola com os resultados do Governo"
José Fernandes

Há 12 anos que Isabel Moreira é deputada do PS na Assembleia da República e, desde o início, tem sido combativa na luta contra as discriminações existentes na lei e uma aliada importante das minorias no combate ao racismo, à homofobia, à transfobia e outros preconceitos sociais. O seu combate mais longo e “doloroso” foi na defesa da lei da eutanásia que acaba de ser aprovada no Parlamento depois de quatro vetos do Presidente, a quem Isabel não poupa críticas. Sobre a crise no Governo com origem no caso Galamba, afirma: “Aquele episódio é deplorável, há pontas soltas e uma comissão de inquérito. Ainda não estou esclarecida. O que me preocupa é como o SIS atuou. Mas admito que haja uma explicação." E deixa uma crítica a Costa e Medina: “Temos que ser menos obsessivos com o défice e com as contas certas e fazer um choque salarial na função pública.” Ouçam-na no podcast “A Beleza das Pequenas Coisas” com Bernardo Mendonça

Passaram seis anos desde que Isabel Moreira esteve pela primeira vez neste mesmo podcast. Na altura a deputada do PS afirmou que a Assembleia da República era o reflexo de muitos erros da sociedade. E o seu discurso não mudou desde aí. Até pelos novos desafios e perigos que a democracia enfrenta, nomeadamente com o crescimento da extrema-direita nos assentos parlamentares.

“Claro que a sociedade é profundamente sexista, homofóbica, racista. E isso não está totalmente assumido e há quem hesite em dizê-lo na nossa área política. O que é ofensivo para quem sofre essas discriminações”.

Isabel é uma mulher corajosa, lutadora, afirmativa, que vive permanentemente atormentada com os problemas de uma multidão de gente de várias minorias que esperam que ela abra caminho para um país mais livre, mais inclusivo e sem preconceitos.

Logo no arranque deste episódio em podcast, Isabel é questionada sobre a atual crise neste Governo de maioria absoluta, e sobre esta sucessão de “casos”, “casinhos” e “casões” que já provocaram um trambolhão de sete pontos na última sondagem Expresso/SIC - fazendo o PS perder a maioria nas intenções de voto - e que criaram uma recente guerra entre António Costa e Marcelo Rebelo de Sousa, pelo facto do primeiro-ministro ter segurado a demissão de João Galamba enquanto ministro das infraestruturas, contra a vontade do Presidente da República.

Isto por causa dos últimos episódios que envolveram a exoneração do ex-adjunto de Galamba, Frederico Pinheiro, e da polémica que envolveu o resgate do seu computador pelo SIS. Recorde-se que o Presidente da República considerou que a manutenção de Galamba como ministro tinha custos para a autoridade não só do Governo como do Estado e qualificou a discordância entre os dois como uma "divergência de fundo".

E afirmou ainda que vai estar mais atento, vigilante e interventivo daqui para a frente. Como encara Isabel Moreira esta tensão entre São Bento e Belém? A constante ameaça que o PR tem feito do uso da bomba atómica para a dissolução deste governo tem sido puro “bluff” e conspiração palaciana ou é uma questão de oportunidade até Marcelo considerar que a direita se recompôs e está apta para governar?

Por outro lado, será possível a recuperação da popularidade deste governo PS, visivelmente desgastado? E isso dependerá de uma remodelação profunda dos seus ministros, como já afirmaram várias vozes do partido, como o seu presidente, Carlos César? Todas estas questões são colocadas a Isabel Moreira logo na primeira parte desta conversa.

“João Galamba está muito fragilizado, aquele episódio é deplorável, há pontas soltas e uma comissão de inquérito. Ainda não estou esclarecida. Não queria ter assistido àquela conferência de imprensa, ele parecia um helicóptero a envolver quatro nomes, a espalhar problemas e a espetar ganchos. A parte que me preocupa é como o SIS atuou. Quero mesmo ver isso apurado. Admito que haja uma explicação", chega a afirmar neste episódio.

Como é público, a deputada Isabel Moreira tem sido muito crítica do Presidente da República quanto às suas promulgações e vetos políticos, e no que chama de falta de noção dos seus poderes presidenciais, pelas propostas de alteração legislativa que tem feito, lembrando que Marcelo não tem poder legislativo. Marcelo tem uma agenda e um jogo planeado nos bastidores para deitar abaixo este Governo?

“O poder de dissolução é dos poucos poderes que o Presidente tem. Ele tem pouco poder e não gosta disso. Até acho que Marcelo tem pena de não ter sido primeiro-ministro. A verdade é que criou um ambiente mediático fora dos problemas reais, num momento inflacionista, em que há guerra e em que saímos de uma crise pandémica, com debates diários sobre o dissolve e não dissolve, muito antes da crise ‘Galamba’” Dito isto, Isabel ainda declara: “Costa mostrou ao país a quem compete o quê e desmontou um ‘bluff’ porque o discurso do Presidente não cola com os resultados do Governo.”

E perante estas críticas da obsessão do governo pelo défice e as contas certas, a crise na Escola Pública, no SNS, na Habitação, e o facto das pessoas em Portugal estarem com cada vez mais dificuldade de pagar as suas contas e colocar comida no prato pela inflação e baixos salários, não haverá o risco das camadas mais pobres e populares estarem a virar-se para a extrema-direita como protesto contra as dificuldades que enfrentam? Como pode a esquerda ser um horizonte de esperança social? Isabel aponta caminhos e estratégias de luta contra o populismo, o extremismo e a mentira.

“O Chega combate-se com a verdade. Claro que a mentira corre mais depressa e tem mais pernas do que uma verdade, mas por mais difícil que seja, cada proposta, cada apelo do Chega tem de ser desmontado com inteligência, pedagogia e verdade. Tem de se explicar olhando para aquilo que é o projeto do Chega e dizer que ele não tem nada para oferecer aos polícias, nem aos pensionistas ou aos estudantes. Pelo contrário. Temos de demonstrar que o Chega destruiria completamente a vida destas pessoas, porque é um partido que não acredita no Estado Social, não acredita na escola pública ou SNS. O Chega provocaria um empobrecimento muito maior das camadas que está a querer cativar."

Isabel confirma neste episódio os atos de ‘bullying’ e ofensas feitas por deputados do Chega na AR, e que têm como alvo várias deputadas. Isabel relata aqui alguns episódios lamentáveis que a envolveram e que estão a exigir uma reflexão profunda sobre a necessidade de revisão das regras de convivência na AR.

Sobre o tema social do momento, a crise na Habitação, Isabel começa por deixar clara a sua posição e recorda que o problema e as más estratégias vêm de longe: “A Habitação é o grande desafio do Governo. Com a revolução percebemos coletivamente que não haveria Saúde e Educação sem a intervenção do Estado, mas achámos que o mercado ia resolver a Habitação. E julgou-se que o Estado só se devia preocupar com a habitação social para os mais desfavorecidos. Não houve um clique para a habitação. Acordámos tarde para isso coletivamente nos sucessivos governos. Claro que ter um teto para viver é o básico da dignidade.”


Na segunda parte desta conversa, a deputada do PS Isabel Moreira responde a uma pergunta colocada pelo antropólogo e amigo Miguel Vale de Almeida sobre os horizontes de esperança que o PS pode dar perante a crise instalada. E depois Isabel fala de uma certa solidão que vem de sempre, por ter crescido à esquerda numa família conservadora de direita, e por ser uma carta fora do baralho no seu próprio partido. E vai mais a fundo na forma como as discriminações são sentidas na pele de muitas pessoas, e refere a importância dos aliados e aliadas nas lutas sociais das minorias.

“É muito importante que pessoas não são LGBTI e não são racializadas assumam a defesa dessas causas. Pessoas que não estão a ser discriminadas pela lei e que não querem ser as privilegiadas. Uma pessoa é aliada por empatia e porque é insuportável ter um direito se ele não é de todos, porque deixa de ser direito e passa a ser privilégio. E eu não gosto de privilégios. O privilégio é uma coisa muito má, horrível.”

Isabel relata ainda de forma comovente o doloroso luto que está a passar pela perda do seu pai, o histórico democrata-cristão Adriano Moreira, que partiu no final do ano passado com 100 anos. Como é público, Isabel ganhou o gosto pela política por causa do pai, por quem sempre teve uma profunda admiração, amor e carinho. Admiração que estende à mãe, que lhe garante o apoio e a eternidade. Mas confessa um desamparo num emotivo testemunho de amor.

“Estou sem lugar desde que o meu pai morreu. A dor é tão profunda. Não perdi só um pai , é como um desgosto de amor. Na minha história calhou que a minha referência masculina que nunca falhou, que foi só amor e me deixou ser livre, foi o meu pai. Ele legitimava-me com um amor incondicional, adorava a minha irreverência. Todos precisamos de uma pessoa que nos ame pelo que somos”

Neste episódio fala-se também da fatura emocional que Isabel paga na sua vida pessoal por ser uma mulher livre. E de como o feminismo pode ser tão libertador para as mulheres como para os homens.

“Demorei muito a tirar a culpa de mim. Agora faço o que me apetece. Com liberdade, prazer e sem sujeição. O feminismo é igualmente bom para os homens, salva-os . Claro que o machismo é um terror para as mulheres, mas também mau para os homens porque têm que corresponder a um estereótipo tóxico. O feminismo liberta-os desse peso de terem de ser os mais fortes, os “providers”, e de não poderem perder a erecção.”

Isabel chega a ser questionada se gostaria de ser desafiada a ser ministra. A resposta é… surpreendente. Spoiler alert: envolve os mamilos do Presidente e gargalhadas. E ainda há tempo para Isabel ler um texto do seu pai, e para nos dar música e falar-nos da importância da pista de dança, do humor e das amizades como salvação.

Como sabem, o genérico é uma criação original da Joana Espadinha. Os retratos são da autoria de José Fernandes. A sonoplastia deste podcast é do João Ribeiro e teve o apoio em estúdio de João Martins.

Voltamos para a semana com mais uma pessoa convidada. Até lá, já sabem: pratiquem a empatia, boas escutas e boas conversas!

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: BMendonca@expresso.impresa.pt

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