Opinião

Afinal, a Netflix tinha razão

Afinal, a Netflix tinha razão

João Miguel Salvador

Coordenador digital

O fim da partilha de contas não levou ao cancelamento de subscrições e a Netflix até reforçou a sua posição em número de utilizadores. Achava-se mesmo que uma empresa como a Netflix, que assenta grande parte da sua estratégia nos dados, se enganaria assim? Ela conhece-nos (demasiado) bem

Nos últimos meses levantou-se uma verdadeira vaga de fundo, daquelas que podia levar a crer que a Netflix tomara uma das piores decisões da sua história. Ao anúncio da polémica política de restrição de partilha de palavras-passe seguiu-se um coro de críticas, e a promessa de desistência em massa do serviço.

Sabe-se agora que o alerta de um tsunami que arrastaria a plataforma de streaming era francamente exagerado.

Não só não se registou qualquer quebra no número global de assinantes, como este até cresceu no segundo trimestre de 2023. O número de contas aumentou para 238 milhões (um acréscimo de 5,89 milhões), anunciou esta quinta-feira a empresa, que justificou o facto com… o alargamento do fim da partilha de contas.

O racional é apenas um: quando se limita o acesso a um produto e os consumidores mantêm o interesse no mesmo, o sucesso tende a crescer. Parece mais fácil compreendê-lo quando se trata de algo físico, como os bilhetes para os concertos de Taylor Swift, mas a lógica é a mesma.

A medida de restrição somou críticas na Península Ibérica, que esteve entre os primeiros mercados a ver os tarifários e as regras da Netflix alteradas - em simultâneo com a Nova Zelândia e o Canadá, no início do ano -, mas a estratégia provou ser globalmente vencedora. Depois das notícias de cancelamento em Portugal e Espanha (algumas assentes em reações nas redes sociais), os primeiros sinais de um comportamento positivo chegaram do mercado canadiano, que segundo a Netflix passou a “crescer mais rápido do que nos EUA” após a implementação das novas regras.

Entretanto, as restrições - que por cá consistem na permissão da partilha de conta apenas nos tarifários mais caros (o standard, de €11,99/mês e o premium, por €15,99 mensais), aos quais será necessário “adicionar um membro extra” por €3,99 adicionais - foram postas em prática também nos Estados Unidos e o sucesso foi reforçado por novos números. Nos dois primeiros dias após o anúncio em solo norte-americano, o serviço de streaming terá conseguido 100 mil novos assinantes (informações avançadas pela empresa de dados Antenna), com a média diária de inscrições a aumentar 102% em relação à média dos 60 dias anteriores.

Achava-se mesmo que uma empresa como a Netflix, que assenta grande parte da sua estratégia nos dados e que já tinha feito experiências com a restrição de contas na América Latina - antes de as implementar na Europa e na América do Norte - se enganaria numa medida tão drástica?

Claro que a empresa, que parece saber mais sobre nós do que nós próprios, não arriscaria fazê-lo. A plataforma de streaming, que lucrou 1,5 mil milhões de dólares no segundo trimestre de 2023 (um valor similar ao mesmo período do ano passado) e que teve um volume de negócios de 8,2 mil milhões de dólares (+2,7%), terá estudado a fundo o comportamento dos seus utilizadores antes de avançar. Tinha mesmo razão e saiu reforçada.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: jmsalvador@expresso.impresa.pt

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