Bom dia,
A falta de recursos em muitas unidades do SNS é de tal modo gritante que, não raras vezes, médicos e enfermeiros têm a sensação de trabalhar no hospital de campanha de um país em guerra. Não é por acaso que o Hospital Fernando da Fonseca, um dos maiores do país, é conhecido entre quem lá trabalha como Amadora-Síria. Faltam largas dezenas de profissionais de saúde e as equipas que asseguram as urgências estão gravemente desfalcadas, pondo em risco os cuidados à população. Está longe de ser caso único.
O Serviço Nacional de Saúde, que ontem completou 46 anos de vida, parece estar à beira da rutura. Este fim de semana, por exemplo, todas as urgências de obstetrícia da Margem Sul do Tejo estiveram novamente encerradas por falta de médicos. A ministra tinha garantido, no início do verão, que tal não voltaria a acontecer, mas não cumpriu a promessa.
Ana Paula Martins, que ontem reuniu de urgência com os administradores dos três hospitais da região, admite que a situação é “insustentável” e assegura que, até ao fim do ano, haverá uma nova lei para fixar os médicos ao SNS. Resta saber com que resultados. Até aqui, muitas das promessas que fez falharam ou ainda não saíram do papel.
Além de obstetrícia, a falta de médicos atinge muitas outras especialidades, como pediatria, ortopedia ou medicina interna, comprometendo o atendimento de emergências. Na Estefânia, um dos mais importantes hospitais pediátricos do país, a urgência de ortopedia está este mês encerrada todos os sábados e domingos, o que nunca antes tinha acontecido. E a ortopedia de adultos não está melhor. No dia da tragédia do Elevador da Glória, por exemplo, a urgência de trauma do Hospital de Santa Maria estava fechada e no São José havia apenas um especialista de serviço.
Só no primeiro semestre deste ano, as queixas dos utentes em relação às urgências hospitalares aumentaram mais de 90% face ao mesmo período do ano passado. O problema deve-se essencialmente à ‘sangria’ de profissionais do SNS, que tem vindo a agravar-se. São cada vez mais os que saem dos hospitais públicos, desmotivados pela falta de condições, pelo excesso de trabalho e pelos salários, que ficam muito aquém dos praticados no privado. De acordo com a tabela salarial dos médicos, um especialista ganha à volta de 20 euros por hora de trabalho, enquanto que os internos, que garantem grande parte das urgências, não chegam a €15 – valores demasiado baixos para o peso da responsabilidade.
Os que ficam, por espírito de missão e dedicação à causa pública, estão exaustos e a chegar ao limite. É verdade que todos os dias se fazem milagres nos hospitais públicos e são salvas milhares de pessoas que não teriam resposta no privado. Mas já não dá para esconder que muitas ficam por tratar por falta de capacidade do SNS, algumas com um desfecho fatal. Nos últimos meses somaram-se vários casos. Mais do que uma grávida perdeu o filho porque as urgências estavam encerradas ou não tinham vagas e há doentes que morreram por falhas do INEM.
Numa espécie de ultimato, o Presidente da República tinha dado ao Governo até ao final do verão para resolver a crise nas urgências. Veremos o que vai dizer Marcelo, agora que o outono está à porta.
*O título deste Curto foi inspirado na obra de Gabriel García Márquez ‘O Outono do Patriarca’
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O secretário de Estado da Agricultura, João Moura, está a ser investigado pela PJ e pelo Ministério Público por suspeitas de branqueamento de capitais em negócios realizados pelas suas empresas, ligadas ao setor imobiliário. O Ministério não comenta o caso.
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FRASES
“Lisboa nunca esteve tão suja, nunca cheirou tão mal", Alexandra Leitão, candidata do PS/Livre/Bloco/PAN à Câmara de Lisboa, no debate televisivo que ontem à noite reuniu os candidatos à autarquia
“Aquilo que se fez nestes quatro anos é único”, Carlos Moedas, presidente da CML e recandidato à autarquia, no mesmo debate, sobre o que fez o seu Executivo para combater a crise da Habitação em Lisboa
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“Se acham que isto não é mau para os trabalhadores, olhem para a cara de satisfação dos patrões”, Sérgio Monte, secretário-geral adjunto da UGT, sobre a proposta de revisão da lei laboral apresentada pelo Governo
O QUE ANDO A LER
Um Lugar ao Sol, de Annie Ernaux
Integrado no registo autobiográfico que marca a obra da francesa premiada com o Nobel da Literatura em 2022, “Um Lugar ao Sol” retrata a vida do pai da escritora, um homem simples de origem humilde, dono de um pequeno café-mercearia na Normandia, que morreu pouco tempo depois de ela ter concluído a universidade. O livro fala sobre a distância, afetiva, social e cultural, que se foi cavando entre pai e filha, à medida que Ernaux progredia nos estudos e emigrava “suavemente para o mundo pequeno-burguês”.
Através da memória, a obra reflete sobre a identidade familiar, a mobilidade social e as desigualdades de classe, transformando uma história pessoal num poderoso retrato coletivo.
SUGESTÕES DE PODCASTS
Comissão Política O podcast da secção de Política do Expresso analisa uma eventual candidatura presidencial de Ventura e a sondagem que, pela primeira vez, coloca o Chega à frente nas intenções de voto
Money, Money, Money Num episódio especial do podcast de Economia do Expresso, gravado ao vivo, o economista Augusto Mateus analisa os problemas e desafios da economia nacional, considerando que “Portugal nunca investiu tão pouco” como agora
Consulta Aberta O episódio desta semana do podcast da SIC Notícias dedicado à saúde fala sobre os riscos do álcool, desmistificando a ideia de que não faz mal beber com moderação
No Princípio Era a Bola Os erros repetidos pelo Benfica, a segurança do FC Porto e as figuras goleadoras do Sporting estão em análise no mais recente episódio da Tribuna
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