Bom dia.
Em 1989, Phil Collins era uma das maiores estrelas do mundo da música. No álbum “But Seriously”, incluiu uma canção que, nas rádios portuguesas, se ouviu até à exaustão: a pesarosa ‘Another Day In Paradise’, cujo vídeo reforçava o teor irónico do título. “Paraíso” podia ser, para muitos, a definição dos Estados Unidos, mas para o artista inglês, em digressão pelo país, o que saltou à vista foi a imagem de numerosos sem-abrigo a dormir nas ruas, nas imediações do todo-poderoso Capitólio, em Washington.
36 anos depois, assimetrias e contrastes continuam a marcar a vida no planeta. Há uma semana, numa tarde que deveria ser de passeio ou, pelo menos, calmaria, 16 pessoas perderam a vida no descarrilamento do Elevador da Glória, em Lisboa. Cada vítima – oito homens, oito mulheres – tinha um nome, uma história, uma família à sua espera. Esta terça-feira, as suas nacionalidades foram reveladas: aos cinco portugueses e três cidadãos do Reino Unido juntam-se visitantes da Coreia do Sul, Canadá, França, Ucrânia e Estados Unidos, numa trágica cápsula do tempo desta Lisboa feita Nações Unidas do turismo e da globalização.
Contestado desde o dia do acidente, Carlos Moedas, autarca de Lisboa, continua a rejeitar responsabilidades; ontem, a moção de censura à sua liderança, apresentada pelo Chega, foi rejeitada com votos contra do PSD, CDS, IL, MPT e Aliança e abstenção do PS, PCP, Livre, Bloco de Esquerda e PAN. Apesar das críticas, a oposição considerou “não ser tempo” de moções de censura, preferindo aguardar pelos resultados das investigações em curso.
Outros contrastes: o Catar é um dos países mais ricos do mundo, graças às reservas de gás natural e petróleo. Com mais de um milhão de habitantes, a sua capital, Doha, é conhecida pelos arranha-céus futuristas e arquitetura ultramoderna. Ontem, ao início da tarde, porém, o que se via nas televisões portuguesas era uma paisagem árida com uma imensa coluna de fumo, resultante do ataque de Israel à delegação do Hamas naquele país.
A ofensiva terá feito pelo menos seis mortos, incluindo o filho do líder exilado do Hamas, Khalil al-Hayya. Na televisão, o Primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, justificou o ataque com outro ataque – o do Hamas num colonato perto de Jerusalém, no dia anterior – e sentenciou: os dias de impunidade do Hamas acabaram.
Contudo, para vários países, o ataque desta terça-feira violou a soberania do Catar. Também o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, afinou por esse diapasão, lembrando o papel do Catar nas negociações entre Israel e o Hamas e o perigo que o ataque coloca à obtenção de um cessar-fogo em Gaza e à devolução dos reféns israelitas.
Mas, afinal, o que diferencia este ataque de Israel das ofensivas levadas a cabo na Síria, Líbano, Irão, Iémen e, claro, em Gaza? Catarina Maldonado Vasconcelos e Salomé Fernandes ajudam-nos a compreender este mundo onde a única certeza parece mesmo ser o eterno desequilíbrio.
Outras notícias
Última hora A Polónia anunciou que abateu drones que invadiram o seu espaço aéreo, durante um forte ataque da Rússia no oeste da Ucrânia. Quatro aeroportos estão temporariamente fechados, incluindo o Aeroporto Chopin, em Varsóvia, e as autoridades pediram às pessoas que fiquem em casa, sobretudo nas regiões de Podlaskie, Mazowieckie e Lublin.
Flotilha Uma das embarcações da flotilha ativista com destino a Gaza terá sido foi atingida ao largo de Tunes; os membros da missão suspeitam de um ataque de drone, 24 horas depois de um incidente semelhante. Mariana Mortágua assistiu ao episódio e diz que a situação está “controlada”.
França Poucas horas depois de François Bayrou ter apresentado a sua demissão, Emmanuel Macron nomeou Sébastien Lecornu para o cargo de primeiro-ministro. Aos 47 anos, é o quinto primeiro-ministro desde a reeleição de Macron.
Brasil No julgamento do ex-Presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, o juiz do Supremo Tribunal Federal brasileiro defendeu a condenação dos oito acusados. Ao longo de quase cinco horas, Alexandre de Moraes usou palavras duras, afirmando que um juiz não é “uma samambaia” (planta trepadeira) e que um ex-Presidente da República não pode comportar-se como “um delinquente do PCC [Primeiro Comando da Capital, grupo de narcotráfico brasileiro]”.
Sócrates No outro julgamento do momento, José Sócrates desafiou o Ministério Público a “apresentar provas do que acusa”, garantindo ser “tudo falso”. À tarde, a procuradora pediu “educação” ao ex-Primeiro-ministro e apelou ao tribunal que retirasse o arguido da sala de audiências, caso o pedido não fosse cumprido.
Nepal Centenas de manifestantes nepaleses incendiaram esta terça-feira o Parlamento na capital Katmandu, após a demissão do primeiro-ministro na sequência de protestos que causaram 19 mortos.
Seleção Num ambiente hostil, a seleção nacional de futebol esteve a perder contra a Hungria, mas deu a volta e venceu por 3-2, em jogo de apuramento para o Mundial de 2026. João Cancelo esteve em destaque.
Frases
“O que Israel está a fazer em Gaza neste momento é reduzir as pessoas a ratos e baratas. Este genocídio está a criar um grupo de recrutamento infinito para o Hamas”, Muhammad Shehada, investigador natural de Gaza, em entrevista ao Expresso
“Uns jogam Mortal Kombat, e nós, na Europa, ainda achamos que estamos no tempo do xadrez”, Nichita Gurcov, analista moldavo sobre a resposta da Europa à Guerra da Ucrânia, no Expresso
“É necessário um sobressalto cívico, porque estamos a falar de um retrocesso civilizacional. Esta legislação [laboral] vai lançar os jovens na precariedade, lança na informalidade milhares de trabalhadores domésticos, agricultura, construção, hotelaria. É inaceitável”, José Luís Carneiro, secretário-geral do PS, após uma reunião com a UGT
“Sempre que se sente acossado, Moedas cita factos alternativos e inventa inimigos externos para polarizar, fazendo-se de vítima. Refém do que disse há quatro anos, voltou a mentir. É o seu padrão, como é de Ventura ou de Sócrates”, Daniel Oliveira no Expresso
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“Não esperávamos isto na primeira edição”: mais de 10 mil pessoas viram Ricardo Araújo Pereira, Daniel Sloss e muitos outros no Mock Fest – Gustavo Carvalho faz o rescaldo do novo festival, no Humor à Primeira Vista
“Vejo a arte como uma profissão: quantas horas trabalhas, que impostos pagas, se é preciso uma oficina... Não me sinto mais que um trolha” – Manel Cruz, vocalista dos Ornatos Violeta e artista a solo, no Posto Emissor
O QUE ANDO A VER
“Com a Alma na Mão, Caminha”, de Sepideh Farsi
Chega aos cinemas na próxima semana “Com a Alma na Mão, Caminha”, singular filme que pude ver em antestreia, na passada semana, numa sessão com a presença da realizadora, a iraniana Sepideh Farsi.
Durante mais de 200 dias, a cineasta, de 60 anos, e a jovem palestiniana Fatma Hassona, de 25, mantiveram conversas por videochamada – Farsi em França, onde habita, e Hassona em Gaza, de onde reportava, assim tivesse internet, os seus dias de guerra e ocasional paz.
O filme são duas horas de conversas entre duas mulheres que não chegaram a conhecer-se pessoalmente, mas que encontram pontos em comum e partilham minudências do dia a dia e grandes ideais.
Não é um spoiler, na medida em que essa informação é a premissa do filme que este ano foi exibido em Cannes: a 16 de abril deste ano, um dia depois de Sepideh Farsi dizer a Fatma Hassona que a sua história fora selecionada para o importante festival de cinema, a talentosa fotógrafa morreu, vítima de um ataque israelita. Estava em casa, na mesma casa de onde fazia as suas videochamadas, quase sempre com um sorriso desarmante. O filme pode ser visto a partir de dia 18, as fotos que tirava na rua, em Gaza, ficaram aqui. Muitas vezes, por entre os escombros, brilha um pormenor de ternura, a humanidade possível nas trevas sem fim.
Desejo-lhe uma boa quinta-feira e convido-o a acompanhar as nossas notícias no Expresso, na SIC, na BLITZ e na Tribuna.
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