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Bola de cristal mentia, fiquei preso na tua magia

Bola de cristal mentia, fiquei preso na tua magia

Pedro Cordeiro

Editor da Secção Internacional

A cantora espanhola Alaska, protagonista de “La bola de Cristal”, famoso programa infanto-juvenil da TVE nos anos 80
D.R.

Bom dia e boa semana!

Estamos a quatro dias de um importante encontro entre Donald Trump e Vladimir Putin, previsto para o Alasca na próxima sexta-feira. Na sempre volúvel agenda do Presidente dos Estados Unidos da América, passou a ser esse o dia que conta, em vez de um prazo já expirado que impusera verbalmente ao seu homólogo russo para pôr fim à guerra na Ucrânia, como explica a Ana França, procurando antecipar o que podemos esperar da reunião. Também da sua lavra, recomendo esta entrevista ao escritor ucraniano Oleksandr Mykhed, para quem “o mais importante é desnazificar e desmilitarizar a Rússia”.

Nunca é ciência certa prever para que lado acorda o chefe de Estado americano. Vêm daí o título deste Curto, catrapiscado ao mítico José Pinhal, e a foto que o ilustra, com a cantora espanhola Alaska, protagonista de “La bola de cristal”, famoso programa infanto-juvenil da TVE nos anos 80. De volta a Trump, é boa heurística calcular o contributo que cada beligerante der para os seus interesses, como o de ganhar o Nobel da Paz. Para tal, escreve a Margarida Mota, o milionário reivindica méritos na conclusão de meia dúzia de guerras. O José Pedro Tavares conta a recente ida à Casa Branca dos presidentes da Arménia e do Azerbaijão, para encerrar a questão de Nagorno-Karabakh.

Sem convite para a cimeira no Alasca ficou, é claro, Volodymyr Zelensky. O Presidente ucraniano tem tido sustento constante na maioria dos dirigentes europeus, recorda a Raquel Moleiro, ainda que sem o peso de Washington junto de Moscovo. Zelensky rejeitou a hipótese alvitrada por Trump de “trocas de território” entre os dois países, sem que seja fácil imaginar Putin a abdicar de soberania russa sobre o que quer que seja, ou conceber formas de o americano coagir o russo, para lá das tarifas que se tornaram a sua arma geopolítica, como recordam o Jorge Nascimento Rodrigues e o Gonçalo Almeida.

Tem sido pouco edificante, aliás, ver como Trump usa a política comercial para tentar forçar o Brasil de Lula da Silva a deixar cair os processos contra o ex-Presidente Jair Bolsonaro pela tentativa de golpe de Estado de janeiro de 2023, que emulou a do próprio Trump dois anos antes, e a afastar um juiz do Supremo. O tema surge no Expresso, esta semana, pela pluma da Maria da Paz Trefaut e em dois podcasts: o Expresso da Manhã, onde o Paulo Baldaia ouve a nossa camarada Christiana Martins; e O Mundo a Seus Pés, com o Hélder Gomes a convidar o politólogo Koichi Osamura, da Universidade de Viena. O colunista Luís Aguiar-Conraria também comenta este tema.

Se de guerras falamos (e há muitas esquecidas, como a do Sudão ou a do norte de Moçambique), a de Gaza acumula níveis de horror. Benjamin Netanyahu promete controlar toda a Faixa, informa a Liliana Coelho, e a ONU indigna-se. Enquanto se morre à fome, ou vítima de ataques israelitas, ou de ambos (atingido a tentar obter comida, revela “The Guardian”), é caso para perscrutar o risco de a ocupação total destruir Israel. “Ver Gaza é ver Hiroxima”, escreve a Teresa Violante, a propósito de recente efeméride. O veterano Rui Cardoso deu há dias o seu contributo para perceber o que esperar, neste podcast. Spoiler: nada de bom.

Outras notícias

DEVOLVIDO Tendo o Tribunal Constitucional encontrado normas violadoras da Lei Fundamental na nova Lei dos Estrangeiros, o Presidente da República mandou-a de volta ao Parlamento. O PSD e o CDS garantem que farão “ajustes” ao diploma, escrevem a Margarida Coutinho e a Cláudia Monarca Almeida, ao passo que a esquerda exulta com a decisão dos juízes (saiba aqui o que está em causa, ao pormenor). No Expresso da Manhã é o Martim Silva, subdiretor de informação da SIC, que se pronuncia; já a Isabel Moreira frisa que é um erro ver o TC como força de bloqueio.

DESMASCARADO Um grupo de nove homens vendia para Cabo Verde carros roubados a empresas de aluguer nas ruas de Portugal e de França, revela o Rui Gustavo. Esta rede inventou um esquema quase infalível, que demonstra a facilidade com que se pode iludir o controlo de mercadorias e expõe a fragilidade das fronteiras marítimas portuguesas. Os principais suspeitos foram detidos em maio de 2025.

DEVASTADO Portugal continua a arder, e assim arranca, esta segunda-feira, o Expresso Fundamental, liveblog onde pode seguir toda a atualidade interna e externa. Ontem, até a Volta a Portugal em Bicicleta se viu afetada, como narra o Diogo Pombo. Chamo ainda a atenção para este excelente trabalho multimédia, com acompanhamento e avisos em tempo real sobre os incêndios em todo o país.

DEBATIDO Com o Governo empenhado em mexer nos conteúdos da cadeira de Cidadania em Desenvolvimento, planeando aprovar as respetivas novas “aprendizagens essenciais” até ao final do mês, o período de consulta pública saldou-se em mais de 10 mil contributos, segundo a Isabel Leiria. O Ministério da Educação ressalva que ainda pode fazer alterações aos documentos.

DEDICADO A Coreia do Norte não dá sinais de querer a reconciliação, mas Seul não baixa os braços, apostando numa “forma fácil de fomentar a boa vontade” de Pyongyang. Altifalantes que passavam propaganda sul-coreana contra o regime ditatorial de Kim Jong-un foram desmantelados, conta a Salomé Fernandes, e o novo Governo sul-coreano, chefiado por Lee Jae Myung, deixou um aviso aos ativistas que enviam informação através de balões.

DECIDIDO O Crystal Palace ganhou nos penáltis a Supertaça de Inglaterra, contra o Liverpool. Tão ou mais emocionante do que a disputa do título foi a homenagem a Diogo Jota, lê-se na Tribuna Expresso.

Frases

Poucos exílios são tão cruéis como acabar no lado errado da praia.”
Eugénia Galvão Teles, colunista do Expresso, numa prosa deliciosa sobre praias e famílias

Ao contrário da Austrália e do Japão, Portugal não é uma ilha. Somos, todavia, um país arquipelágico e uma democracia marítima. Infelizmente, durante as primeiras duas décadas deste século, sucessivos governos esqueceram-se disto e acreditaram que a globalização transformara Portugal num país continental europeu que podia ignorar o Atlântico e deixar a sua marinha apodrecer devagar.”
Miguel Monjardino, professor universitário e colunista do Expresso, num artigo com o sugestivo título “Para que serve uma Marinha?”

O que ando a ler, ouvir e ver

Andei (literalmente, pois é meu hábito ler enquanto caminho, mormente na praia) nos últimos dias (dois, que o livro dá gana de avançar) com “Tóquio Express” (Presença), de Seicho Matsumoto, um clássico da literatura moderna japonesa (1958) que mão amiga me passou. O enredo parte da descoberta de dois corpos numa praia para nos conduzir pelos meandros de uma investigação em que horários de comboios e tempos de deslocação entre estações atormentam os inspetores, ao mesmo tempo que se desenrola um escândalo no Governo. Li a obra com gosto, conquanto tenha achado o final algo “metido a martelo”. Enquanto ia galgando capítulos, parecia-me ver ali planos de um filme. E não é que ele existe mesmo?

As últimas visitas ao grande ecrã levaram-me a um Irão filmado em Roma e com atrizes exiladas. “Ler Lolita em Teerão”, de Eran Riklis, relata a história verdadeira da académica Azar Nafisi, em cujo livro autobiográfico se baseia (o livro está publicado em português pela Gótica). Entusiasmada com a Revolução Islâmica, que derrubou o xá em 1979, a protagonista cedo se apercebe da vaga ultraconservadora, censória e repressiva, que aí vem. E arma a resistência possível, com literatura. O Jorge Leitão Ramos fez a recensão do filme para o Expresso, desejando-o mais arrebatador.

Já no pequeno ecrã, visionamentos recentes foram a divertida “Mentirosos” (Prime Video), mais uma história de ricalhaços atormentados, baseado no romance de E. Lockhart. No apropriado cenário de uma ilha, três gerações coexistem, amam, constroem e destroem (fisicamente e não só).

Segue-se na minha agenda a última (mesmo) temporada de “The Handmaid’s Tale”, adaptação da emblemática distopia de Margaret Atwood, que já extravasa a ação daquela ao fim de seis temporadas. A série foi objeto do mais recente podcast No Último Episódio, com Filipa Amaro e José Paiva Capucho a conversar com a ativista Gisela Casimiro sobre a saga de June, a quem chamavam Offred.

Em português, é a última iteração de “O Clube” (SIC/Opto) que me tem ocupado a vista. As peripécias dos clientes e das profissionais de uma casa da noite lisboeta (fictícia, mas com inspirações bem reais) vão na sétima temporada, sempre combinando sensualidade e mistério com um triste lado humano.

Fica para o fim a música, com a descoberta, via Lia Pereira, dos portugueses Montanha Mágica, cujo disco “Praia, Campo, Cidade e Montanha” tem uma bela sonoridade para este querido mês de agosto. Caso para dizer: “Move over, Anna Júlia, que agora é tempo de Ana Cláudia”. Fora de portas, captaram-me o ouvido dois projetos que combinam cultura e filantropia. Playing for Change esforça-se por fomentar escolas de música e arte em todo o globo, tendo reunido no recente “Live Outside, vol. 2” nomes como Tinariwen ou Mamadou Diabaté. Já a orquestra Africa Express, que põe em diálogo músicos de África e Médio Oriente com artistas ocidentais, propõe “Africa Express Presents... Bahidorá”, que tanto permite ouvir Damon Albarn como Fatoumata Diawara, entre muitos outros. Foi gravado no México e mescla estilos que vão do hip hop à salsa, da folk a reggaeton.

E com isto me despeço, desejando boas férias a quem as esteja a ou vá gozar, e recomendando a todos que sigam o que acontece em Portugal e no resto do mundo nas várias plataformas do Expresso.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: pcordeiro@expresso.impresa.pt

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