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Trouxe-lhe bonbons, porque as flores são perecíveis

Trouxe-lhe bonbons, porque as flores são perecíveis

Pedro Cordeiro

Editor da Secção Internacional

Sistema de defesa antiaérea na Alemanha
Sean Gallup/Getty Images

Bom dia e boa semana!

Espera-se para esta segunda-feira um anúncio de Donald Trump sobre ajuda reforçada à Ucrânia, que deverá incluir armas ofensivas americanas, segundo o jornal digital “Axios”. A confirmar-se, será uma mudança importante, depois de meses de apoio de facto ao invasor russo e ataques do Presidente dos Estados Unidos ao seu homólogo ucraniano, Volodymyr Zelensky. Terá pesado para este giro a frustração do milionário nova-iorquino com Vladimir Putin, que não lhe fez a vontade de pôr fim à guerra.

“Trump está mesmo chateado com Putin”, assegura o senador Lindsey Graham, antevendo uma posição “muito agressiva” para hoje, concertada com o secretário-geral da NATO, Mark Rutte, e abordada numa reunião com Zelensky à margem da cimeira da Aliança Atlântica, há duas semanas, em Haia. O ucraniano até se apresentou de fato completo, cuja falta irritara a Casa Branca quando lá se deslocou e lhe valeu uma ridícula descompostura do vice-presidente J.D. Vance. Como tudo muda e tão depressa!

O apoio a conceder ao país agredido — a visitar hoje pelo emissário americano Keith Kellogg — incluirá sistemas de defesa antiaérea Patriot e poderá abranger mísseis de longo alcance capazes de atingir Moscovo. A ajuda a Kiev implicará o envolvimento financeiro de membros europeus da Aliança Atlântica, que, garante Trump, “vão pagar 100%” da iniciativa, a qual será um “bom negócio para Washington”. A ideia é os Estados Unidos venderem aos aliados deste lado do mar armas para oferecerem a Zelensky.

Agastado com o agravar dos ataques russos à Ucrânia, intuito que Putin lhe confirmou ao telefone, o chefe de Estado americano está agora convencido de que este último “quer tomar aquilo tudo”. Queixa-se Trump: “Putin surpreendeu mesmo muita gente. Tem palavras gentis, e depois bombardeia todo o mundo”. E dinamita-lhe o sonho de ganhar o prémio Nobel da Paz, acrescentaria yours truly. E, segundo Graham, pondera aplicar novas sanções à Rússia e impor tarifas de 500% a nações que a ajudem.

O novo estado de coisas foi analisado por José Milhazes e Nuno Rogeiro no podcast Guerra Fria, numa semana em que Zelensky foi a uma conferência de doadores em Roma pedir um “plano Marshall” para reconstruir a Ucrânia, como escreveu a Salomé Fernandes, jornalista da secção internacional do Expresso. Partiu da capital italiana com promessas de dez mil milhões de euros para esse efeito, no dia tão desejado quanto imprevisível em que acabe um conflito com três anos e meio na sua fase atual.

Já a Catarina Maldonado Vasconcelos entrevista o investigador Carlos Gaspar, para quem a entrada da Ucrânia na NATO é inevitável a prazo. A Margarida Mota assinala, muito a propósito de esforços pela paz, os 80 anos das Nações Unidas. E a Salomé Fernandes assina, com a Ana França, um texto sobre mais uma morte misteriosa em solo russo, agora a de Roman Starovoit, que fora afastado, horas antes, do cargo de ministro dos Transportes. Para os mais novos, a guerra vem no Expressinho.

O titulo deste Curto é apropriação irónica de um verso da canção “Je vous ai apporté des bonbons”, de Jacques Brel. Murchas as flores com que brindou Vladimir Vladimirovitch, Donald John envia guloseimas a Volodymyr Olexandrovytch. E com o idioma em que canta Brel (que era belga), aluda-se ainda ao dia nacional de França, hoje assinalado

Outras notícias

QUEIXA O Livre apresentou queixa contra André Ventura e Rita Matias na Comissão de Transparência e Estatuto dos Deputados por terem lido nomes de crianças no debate sobre imigração, alegando “discurso de ódio”, informa a Cláudia Monarca Almeida. Já a deputada socialista Isabel Moreira pede ao Presidente da República que se pronuncie sobre o funcionamento das instituições, escreve a Liliana Valente.

DETENÇÃO A Polícia Judiciária deteve cinco inspetores da Autoridade Tributária dos portos de Setúbal e Sines. São suspeitos de crimes de corrupção ativa, corrupção passiva, tráfico de estupefacientes e branqueamento de capitais. A Helena Bento e o Hugo Franco explicam a acusação a estes funcionários públicos de andarem a receber 15 a 20% do valor da cocaína que deixavam entrar em Portugal.

ALTERAÇÕES O Governo vai mexer no regime de habitação de custos controlados para refletir o aumento dos custos de construção, informa a Mariana Ramos Loureiro. “Temos as maiores dúvidas sobre o significado prático” da iniciativa, diz ao Expresso o presidente da Associação dos Profissionais e Empresas de Mediação Imobiliária de Portugal, Paulo Caiado.

VITÓRIA O Chelsea ganhou a edição inaugural do Mundial de Clubes, ao bater por 3-0 o Paris Saint-Germain. Segundo a Lídia Paralta Gomes, na “Tribuna”, a melhor equipa de 2024/25 (vencedora da Liga, Taça e Supertaça francesas e da Liga dos Campeões) caiu face a um conjunto de jogadores por vezes disfuncional. A prova decorreu nos Estados Unidos e foi Donald Trump que entregou os prémios.

REGRESSO Encerrado no sábado o 17ª festival NOS Alive, já há datas para o próximo ano (9 a 11 de julho) e até um cabeça de cartaz, como se lê na reportagem do Paulo André Cecílio e da Rita Carmo na “Blitz”: é o regresso dos Buraka Som Sistema. O presidente da Câmara de Oeiras, Isaltino Morais, promete que haverá uma travessia aérea para facilitar a entrada no Passeio Marítimo de Algés.

Frases

“Tomei todas as decisões”
Joe Biden, ex-Presidente dos Estados Unidos, em entrevista telefónica a “The New York Times”. Refuta alegações do atual ocupante do cargo de que documentos assinados com uma cante automática não tinham sequer passado por si

Neste inominável cenário de extermínio, agradece-se muito a coragem da denúncia dos jovens soldados israelitas
Graça Castanheira, colunista do “Público”, sobre relatos vindos das forças armadas de Israel a desmontar a versão oficial do que se passa na guerra em Gaza

Podcasts a não perder

⚰️ O massacre de Srebrenica exterminou oito mil homens e rapazes muçulmanos bósnios. Foi há 30 anos, mas continua a suscitar dor e controvérsia: os familiares das vítimas clamam por justiça, mas continua a haver negacionistas do genocídio. Hélder Gomes convida Ricardo Alexandre para recordar a tragédia e perceber os seus ecos no presente, em mais um episódio de O Mundo a Seus Pés.

🐝 Um dos meus podcasts preferidos no Expresso é o Era uma Voz, onde Tomás Delfim entrevista quem deu voz às personagens mais emblemáticas de desenhos animados de várias décadas. Uma delícia com a sua vertente nostálgica, sempre atual e interessante. Esta semana foi a vez de Carmen Santos, a atriz que esteve por trás de figuras tão famosas como a Abelha Maia ou a mãe de Bambi.

👶🏽 O Tal Podcast aborda relações e afetos, com atenção à cultura negra e afrodescendente. Paula Cardoso e Georgina Angélica conversam, desta vez, com Nara Couto, que cantou com Gilberto Gil ou Ivete Sangalo antes de se lançar a solo com o hit Linda e Preta”. “No Brasil estamos sempre em busca de voltar para casa, mesmo quando não sabemos que casa é essa”, afirma esta praticante de candomblé.

O que ando a ler, ver e ouvir

Vozes que me acostumei a respeitar escrevem esta semana, no Expresso, sobre as ameaças à democracia. Maria João Tomás, professora do ISCTE, traça um paralelo entre a América de Trump e a Alemanha de Hitler, sublinhando diferenças e semelhanças. Timothy Snyder, titular da cátedra inaugural de História Europeia Moderna na Universidade de Toronto e autor de numerosos livros sobre o tema, defende que “enquanto os fascistas históricos tinham um inimigo externo e um inimigo interno, Trump só tem um inimigo interno”. E José Tavares, professor da Nova SBE, defende que a cinquentenária democracia portuguesa devia há muito ter percebido que já não está na adolescência.

Visitei no Centro de Arte Moderna da Fundação Calouste Gulbenkian a exposição “Entre os vossos dentes”, que põe a dialogar obras de Paula Rego e Adriana Varejão, artistas lusófonas das duas margens do Atlântico e de diferentes gerações. A mostra dá continuidade a um encontro de 2017, em vida da pintora portuguesa, que morreu em 2022, como explica o José Luís Porfírio nesta recensão. O leigo que vos escreve teve uma experiência visual e conceptualmente forte, desgarrada e desgarradora nalguns casos, capaz de fazer pensar sobre presente e passado e como integrá-los de forma que nos ensine algo. Varejão deu uma entrevista à Christiana Martins sobre a exposição conjunta.

Vamos aos sons, para dar conta do recente “Sargal”, álbum do virtuoso da kora Ali Boulo Santo Cissoko e do trompetista alemão Volker Goetze. Dar vazão às tradições africanas pelas avenidas do jazz resulta num disco cativante que dá vontade do que o seu título significa em língua wolof: agradecer.

No ecrã, viagem à infância. Faz 40 anos que estreou “Duarte & Companhia”, genial série da RTP, pela mão do recentemente desaparecido Rogério Ceitil, e protagonizada por Rui Mendes (Duarte), António Assunção (Tó) e Paula Mora (Joaninha), entre outros. A efeméride foi ontem marcada numa sessão no cinema São Jorge, em Lisboa, onde Nuno Markl e Fernando Alvim receberam Mendes, Mora, Guilherme Filipe (que fazia do vilão Lúcifer, de seu nome real Lúcio Ferreira) e Carlos Alberto Moniz, autor da banda sonora e do contagiante tema de abertura, para uma conversa sobre como se fez televisão tão ousada com parcos recursos. Tão comovente quanto interessante, deu-me vontade de ir revisitar os 39 episódios ao longo de cinco temporadas, disponíveis sem custo no arquivo da emissora pública.

E por aqui me quedo, recomendando que continuem a acompanhar a atualidade connosco. Até breve e até sempre!

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: pcordeiro@expresso.impresa.pt

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