Bom dia!
A história só surpreende quem nunca tenha seguido cimeiras da União Europeia: objetivos ambiciosos, dramatismo e linhas vermelhas, um ou dois recalcitrantes, conversações até altas hora e, no fim, o impasse quebra-se com uma solução que deixa desiludidos os maximalistas. A possível. Foi assim a noite passada, com os 27 Estados-membros a abrirem porta ao fim da importação de petróleo russo, escreve a correspondente do Expresso em Bruxelas, Susana Frexes.
Todo? Não! Uma aldeia povoada por irredutíveis magiares resiste agora e sempre ao consenso. O primeiro-ministro da Hungria, cujas simpatias políticas por Vladimir Putin não são segredo, chegou a Bruxelas disposto a estragar a noite, que acabou por correr-lhe bem. Viktor Orbán conseguiu que o Conselho Europeu deixasse o seu país continuar a abastecer-se de ouro negro russo e ainda vê consagrado que em caso de “interrupção súbita no abastecimento, serão tomadas medidas de emergência”.
Falta ainda limar arestas técnicas daquele que será o sexto pacote de sanções à Rússia desde que invadiu a Ucrânia, a 24 de fevereiro. O documento deve ser aprovado ainda esta semana e o embargo é para entrar em vigor até fim do ano. Abarca todo o petróleo que chega à UE por via marítima, o que representa dois terços das importações dos 27. Exclui o oleoduto de Druzhba, que representa o terço restante e abastece a Hungria, República Checa, Eslováquia, Polónia e Alemanha. Não há prazo para acabar com essa exceção.
Varsóvia e Berlim já se comprometeram a não importar petróleo por esta via, pelo que o embargo afeta “cerca de 90%” das importações, explicou a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen. Isto importa por “cortar uma enorme fonte de financiamento da máquina de guerra” russa, como lembrou o presidente do Conselho Europeu, Charles Michel. O Miguel Prado explica neste texto como funciona a importação de petróleo russo para a UE e por que razão o gás natural (ou deixar de comprá-lo a Moscovo) é desafio maior. Por cá, o regulador está atento à evolução dos preços dos combustíveis.
A guerra dura há três meses e uma semana e o Expresso conta-lhe diariamente e ao minuto o que se passa. O dia arranca com a Rússia a garantir que “encontrará outros importadores” e a preparar ataque em três frentes: Donetsk, Kharkiv e Sumy. Aquece a ofensiva no leste da Ucrânia, onde o invasor avança por cidades como Sievierodonetsk e vai acelerando a atribuição de cidadania russa aos habitantes das zonas ocupadas, ao mesmo tempo que anuncia referendos que culminarão em secessão, se não mesmo anexação.
Perceber o que vai na mente do Presidente russo é sempre difícil, pelo que pode ser útil ler a entrevista da Catarina Maldonado Vasconcelos ao analista político americano Benjamin Teitelbaum. O pensador defende que Putin quer criar “pequenas ilhas” na Europa e travar a união desta com os Estados Unidos contra Moscovo. Outra fonte de informação interessante é a imprensa russa, que permite saber como o povo daquele país é (des)informado sobre a guerra em curso. A correspondente do Expresso em Moscovo, Sophia Kishkovsky, dá conta desse recado.
E se comecei este Curto a falar de recalcitrantes, é tempo de evocar outro. Recep Tayyip Erdogan, que tem bloqueado a adesão da Suécia e da Finlândia à NATO. O Presidente da Turquia exige garantias de fim do apoio dos escandinavos a curdos a quem acusa de terrorismo, mas o diferendo passa ainda por proibições de vendas de armas a Ancara. Ao mesmo tempo, Erdogan terá discutido com Putin um plano para intervir militarmente no norte da Síria. Com ou sem alargamento, a Aliança Atlântica pode tornar-se mais agressiva.
Outras notícias
A PAZ, O PÃO, HABITAÇÃO, SAÚDE... EDUCAÇÃO Número de alunos, resultados nas provas, taxas de insucesso ou os projetos desenvolvidos em cada escola são algumas das informações que podem ser consultadas e comparadas no portal InfoEscolas. É o que escreve a Isabel Leiria, que também dá detalhes sobre as provas de aferição (que muitos alunos estão a fazer por estes dias) e sobre a distribuição do insucesso escolar pelo país.
O GRANDE CAPITAL ESTÁ VIVO EM PORTUGAL No primeiro trimestre de 2022 o lucro somado das empresas que integram o PSI-20 subiu 22% face ao ano passado, mas a sua dívida também engordou. Conheça a síntese dos resultados das cotadas portuguesas.
O PRIMEIRO GOMO DA TANGERINA Três dias depois da vitória de Luís Montenegro nas eleições menos motivadoras da História para a chefia do PSD, é oportuno analisar à lupa a disputa com Jorge Moreira da Silva, pela pena da Rita Dinis, que acompanhou todo o processo. Com a editora de política, Eunice Lourenço, assina ainda um texto sobre os desafios do novo presidente laranja.
SEGUNDO ANDAR DIREITO Termina hoje o prazo para pagar a primeira prestação ou a totalidade do Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI), recorda a Ana Sofia Santos. Atenção, que o atraso no envio das faturas (e houve-os) não serve de justificação para atrasos da liquidação.
PODE ALGUÉM SER QUEM NÃO É? Vai hoje a votos a cooptação do juiz Almeida Costa para o Tribunal Constitucional. O desenlace parece depender dos magistrados nomeados pelo PS, havendo reservas suscitadas pelas posições que o candidato assumiu (há muitos anos, mas agora reafirmou) sobre o aborto (baseadas em pseudociência, como bem apontou a constitucionalista Teresa Violante, ao ponto de Almeida Costa citar experiências médicas nazis) e a liberdade de imprensa, um valor primordial da democracia. O assunto está hoje em foco no podcast Expresso da Manhã, com Paulo Baldaia a convidar Liliana Valente, da secção de política deste jornal.
SENHOR MARQUÊS, E O NOSSO FIM DO MÊS José Sócrates tem opinião diferente do Tribunal Criminal de Lisboa e o Ministério Público sobre a obrigação de comunicar à justiça as suas idas ao estrangeiro. O ex-primeiro-ministro tem viajado para o Brasil, onde está a fazer um doutoramento.
CHAVE DOS SONHOS NA MÃO Uma investigadora portuguesa encontrou em Roma um documento de padre António Vieira com 350 anos. A história do manuscrito U1165/2 é digna de “O Nome da Rosa” de Umberto Eco.
Frases
“Acho que o Horácio me disse um dia que o Mário estava sempre à frente (e devia ser difícil ultrapassar o Horácio).”
Ana Sá Lopes a recordar Mário Mesquita, que vai hoje a sepultar, recorrendo a palavras de Horácio do Vale César, desaparecido em dezembro. A camarada evoca camaradas nossos que foram mestres seus e eu, de quem ela foi mestra num primeiríssimo estágio há muitos anos, comovo-me ao lê-la. Fui amigo do Horácio como sou da Ana, e fui admirador do Mário, com quem participei num programa da Renascença enquanto o país se despedia de outro amigo nosso, também Mário, de apelido Soares. Foi, num dia triste, um divertido desfilar de episódios. A memória é o que fica.
“A forma pouco séria como o debate se armou no burgo mostra que esta gente vive como no Good Bye, Lenin!, o filme em que uma doente em coma acorda oito meses depois da queda do muro de Berlim e o filho monta à sua volta um cenário perfeito para ela não ter de se confrontar com as mudanças do mundo. Ainda se acham nos anos 80.”
Susana Peralta, no melhor artigo que li sobre recentes polémicas alfacinhas
“Quem acusou Natividade Coelho na comunicação social deve fazer o que a SIC fez: repor a verdade. Quem escreveu o nome desta quase anónima sem armas para se defender do cerco tem o dever de o reescrever agora, que a justiça fez a sua parte. Ou não são diferentes dos que, na hierarquia da segurança social, acharam que o massacre de uma inocente chegava para acalmar a fúria popular.”
Daniel Oliveira, neste artigo sobre uma injustiça
Podcasts a não perder
🧠 Como construir a imagem de um Presidente em guerra Volodymyr Zelensky levou para a política e para a guerra os seus dotes de ator e comunicador. Neste episódio de O Mundo a Seus Pés convidei Rita Figueiras, professora da Universidade Católica, e em conversa informal explorámos a importância da imagem e da propaganda na invasão da Ucrânia.
👀 Deixa-me molhar o meu Milhazes na tua cortisona Enquanto houver Milhazes há esperança. Na Noite da Má Língua, Júlia Pinheiro protagoniza um momento de investigação, enquanto Rui Zink mete o seu Milhazes onde não é chamado. Manuel Serrão continua a reivindicar os direitos das mulheres para deleite de Rita Blanco, que promete bolachas para todos.
🗣 O Luís ganhou a corrida! Mas que pensa o Dr. Montenegro? Não houve surpresa nas eleições diretas do PSD. A vitória sobre Jorge Moreira da Silva era esperada, mas depois de uma campanha interna morna e desinteressante, continuamos sem saber o que pensa o homem que há anos persegue a liderança dos sociais-democratas. O que quer ser o PSD numa direita onde o espaço encolheu e há mais concorrentes? É ouvir a Comissão Política.
O que ando a ler, a ouvir e a ver
Sérgio Godinho, a quem fui buscar o título deste Expresso Curto, a imagem que o encabeça e os motes com que introduzi as notícias, lançou um pequeno e intrigante livro de poesia e fotografias: “Palavras são imagens são palavras”. Faltam os sons, dirão fãs como eu. Se a forma é diferente da habitual, os temas não andam longe e talvez que algumas páginas nos façam trautear canções suas. A propósito, saiu há dias uma nova compilação delas, com a liberdade como leitmotiv. Tenho-me deliciado a tentar fazer corresponder música, poesia e fotos, alternando-os com “A mais breve história da Rússia”, de José Milhazes, obra essencial para o momento que vivemos e que a Cristina Peres recenseou há tempos para o Expresso, antes de o autor se tornar o tradutor preferido do país.
Outras sonoridades são as de Catrin Finch e Seckou Keita. Este insólito duo (ela harpista galesa, ele mestre de kora e percussão senegalês) passou pela Gulbenkian há seis anos, num recital que me encantou. Vinham apresentar “Clychau Dibon”, disco de 2013 cujo título poliglota anda à roda de pássaros e sinos. Seguiu-se “SOAR” em 2018, e agora lançam “Echo”, prolongando no tempo um feliz casamento entre música mandiga da África Ocidental e melodias ancestrais das ilhas britânicas. Keita também tem estimulante colaboração, no álbum “Suba”, com os jazzistas cubanos Omar Sosa e Gustavo Ovalles. Finch lançou há anos “Yn Byw”, com os colombianos Cimarrón. Pelo menos nesta esfera, e ainda bem, as notícias da morte da globalização serão manifestamente exageradas.
Por falar em Gulbenkian, assisti lá, quinta-feira, a um sublime Requiem de Verdi, com a orquestra e coro da casa e os solistas Marina Viotti, Joshua Guerrero, Adriana González e Mika Kares, dirigidos por Lorenzo Viotti. A Fundação, bem haja, disponibilizou a gravação do recital na íntegra, aqui. No mesmo dia aproveitei para recolher o programa da temporada 2022/23, muitíssimo aliciante.
Telegraficamente, a agenda musical dos próximos tempos: não estarei hoje, com pena e por desleixo, na Aula Magna a ouvir Sharon Von Etten, mas tenho encontros marcados com Dua Lipa a 6 de junho (Altice Arena) e Milton Nascimento a 23 do mesmo mês (Coliseu). No próximo sábado, compromissos de trabalho far-me-ão perder os Guns N’ Roses no passeio marítimo de Algés, para gáudio da primogénita. Noutras artes, a 7 de junho vem cá John Cleese, num espetáculo adiado desde há dois anos e que o antigo Monty Python promete que será the last time to see me before I die.
A chávena do curto ameaça transbordar, pelo que é tempo de me despedir, sem deixar de notar que toda a atualidade do país e do mundo está sempre aqui, no seu Expresso. Até breve e até sempre!
Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: pcordeiro@expresso.impresa.pt