Liderança à direita, lugar no Parlamento e unidade no PSD - os desafios e a tática de Luís Montenegro
Luís Montenegro na noite da vitória. "Acreditar" foi o mote da sua campanha e será o nome do movimento que pretende criar
MANUEL FERNANDO ARAUJO/Lusa
O novo líder social-democrata só entra em plenas funções no início de julho. Vai ter gabinete no Parlamento e quer apresentar um programa eleitoral já em 2024
Ao fim de quatro meses da derrota eleitoral nas legislativas, o PSD elegeu o seu novo líder - Luís Montenegro, com uma vitória esmagadora -, mas a sua entrada em funções plenas ainda vai demorar mais um mês. Só no congresso, marcado para 1 a 3 de julho, no Porto, é que são eleitos os outros órgãos do partido e a nova direção toma posse. Até lá, Montenegro pode ir dividindo o palco com Rui Rio, mas ainda não tem lugar oficial.
Desafios dentro e para fora
Um dos primeiros desafios será a escolha do líder parlamentar. Paulo Mota Pinto foi eleito no princípio da legislatura para um mandato de dois anos de forma quase unânime e está disponível para continuar. Por isso, não tomou posição nestas diretas. Mas nem assim conseguiu que qualquer dos candidatos lhe garantisse o lugar.
"Não tenho nenhum estigma sobre cada um dos deputados, não vou procurar saber quem é que eles apoiaram no passado. Eles são os nossos deputados, mas a direção da bancada terá de estar disponível para esse trabalho. E nós avaliaremos isso. A direção da bancada fará essa avaliação", disse Montenegro em entrevista ao Expresso, deixando em aberto a possibilidade de manter a direção parlamentar: "Vamos ter de fazer um exercício para concluir se as condições de articulação entre estes dois órgãos, que têm de ter uma relação íntima no dia a dia do trabalho político, estão garantidos. Faremos isso com tranquilidade, como o PSD sempre fez no passado."
O novo líder vê a sua ausência da bancada parlamentar como uma vantagem, que lhe dá mais liberdade para andar pelo país e não ter de justificar as ausências do plenário como teria de fazer se fosse deputado. E garante que vai ter uma presença regular no Parlamento, onde terá um gabinete junto à direção do grupo parlamentar. Foi já assim com vários presidente do partido, que foram eleitos líderes sem serem deputados. Foi o caso, por exemplo, de Durão Barroso.
Ter um gabinete no Parlamento, permite ao novo líder manter um contacto mais próximo com a comunicação social, sempre presente em São Bento, e poder falar sobre a atualidade a qualquer momento. Mas também lhe dá o espaço para trabalhar a relação e estreitar laços de lealdade com um grupo parlamentar que foi escolhido pelo seu antecessor.
No imediato, Montenegro também terá de tomar posições sobre vários assuntos da atualidade. A começar esta quarta-feira, quando for a plenário a proposta do Chega para a criação de uma comissão de inquérito parlamentar sobre o caso do acolhimento de refugiados ucranianos por russos pró-Putin na Câmara de Setúbal. A criação da comissão até começou por ser sugerida por Montenegro, mas foi Ventura quem avançou com a proposta e direção do grupo parlamentar do PSD ficou à espera das diretas para tomar posição, uma vez que as opiniões dos dois candidatos não convergiam.
Para além de decidir como vota a proposta do Chega, que tem chumbo previsível por parte do PS, o PSD também pode ter de decidir se usa os seus votos para dar ao Chega as 46 assinaturas necessárias para comissão potestativa (que pode ser imposta por um quinto dos deputados).
Outro assunto que Montenegro defende há anos e sobre o qual Ventura entregou recentemente um projecto é um referendo à legalização da eutanásia, tema que vai a debate no dia 9 e que o PS quer ver aprovado até setembro. Também aqui o projeto do Chega tem rejeição previsivel pela maioria absoluta.
A demarcação (ou não) do Chega e a diferença para com a Iniciativa Liberal são desafios para fora. Mas, dentro de portas, Montenegro tem o desafio da unidade do PSD e da mobilização de um partido em que 40% dos vontantes escolheu não escolher nestas diretas. Moreira da Silva tinha ideias claras sobre a reforma e modernização do partido, Montenegro, apesar de ter tido uma maioria muito aargada, dividiu o partido em 2019 e sabe que ainda tem anticorpos.
Marques Mendes, comentador e ex-presidente do PSD, defende que o eleito deve convidar o candidato derrotado para uma posição não executiva e disse mesmo, este domingo na SIC, que será muito mau sinal se o convite não for feito e não foi aceite. Uma posição a acautelar, até porque o seu adversário deixou bem claro que, apesar da derrota "expressiva", não ficou inibido nas suas ambições partidárias.
Programa para as legislativas, equipa para as autárquicas
A grande questão programática entre os dois candidatos nestas diretas foi a aceitação ou não de conversas e acordos com o Chega. Moreira da Silva era peremptório: não havia lugar para conversas sequer. Montenegro recusou traçar linhas vermelhas: se for preciso conversa com Ventura e até admite acordos se forem necessário para tirar o poder ao PS.
"A linha vermelha que temos no PSD são os nossos valores e os nossos princípios: nunca os ultrapassaremos. O país pode estar descansado que, comigo, o PSD nunca ultrapassará os valores democráticos e do respeito pelos direitos humanos", disse em entrevista ao Expresso, em que também manifestou a vontade de recuperar voto que, em janeiro, fizeram o Chega crescer.
Na sua moção, o agora presidente do PSD tentou deixar claro até onde admite ir. “Nesse trabalho, de ampliação da nossa base eleitoral, nunca ultrapassaremos as linhas nucleares dos nossos valores e princípios. Mas não contem connosco para distrair o PSD com discussões estéreis a propósito de um imaginário e extemporâneo diálogo com partidos como o Chega. Fazê-lo é fazer um frete ao PS”, lê-se na sua moção coordenada por Joaquim Miranda Sarmento, o presidente do Conselho Estratégico Nacional de Rui Rio.
Quanto a momentos eleitorais, diz que o PSD tem de vencer todas as eleições, desde as regionais da Madeira no proximo ano às legislativas de 2026. Mas reconhece que as europeias de 2024 serão um momento para avaliar a sua liderança.
"As primeiras eleições que vamos ter são as regionais na Madeira, que são para ganhar e ganhar com maioria absoluta. Depois, as eleições europeias também são para ganhar. Para ficarmos em primeiro lugar, termos mais votos que os outros. E nessa altura, por essa altura, teremos uma avaliação do trabalho político, que englobará resultados eleitorais e todo o resto da ação política", afirmou na mesma entrevista ao Expresso, em que também anunciou que vai constituir já este ano uma comissao autárquica para começar as preparar as eleições locais de 2025.
Também quer começar já a preparar um programa eleitoral para 2026. "É minha intenção criar um movimento - o Movimento Acreditar - que corresponde a uns estados gerais em que envolveremos membros do partido, autarcas, membros dos governos regionais pessoas que têm colaborado connosco no conselho estratégico para termos um programa eleitoral pronto em 2024. Quero chegar a 2024 com um programa eleitoral pronto para o podermos divulgar e esclarecer, atualizando-o face às circunstâncias",
Desse programa há-de fazer parte uma das suas ideias antigas - o indíce de felicidade bruta - e as medidas que considera serem mais necessárias para resolver problemas premetes como o da demografia. "Creches gratuitas dos 0 aos 6 anos. É essencial para dar aos jovens casais condições para terem filhos e poderem conciliar isso com a sua vida profissional. Também através de medidas fiscais: defendo IRS máximo para os jovens até aos 35 anos de 15% para que os jovens possam ter mais recursos e possam, nomeadamente, ter acesso condigno à habitação. Também há coisas a fazer nas leis laborais: o trabalho a tempo parcial, cargas horárias conciliáveis com a maternidade e a paternidade, e na Administração Pública poderia haver a chamada meia jornada - para que os funcionário públicos com filhos ou netos até aos 12 anos pudessem trabalhar metade do tempo ganhando 60% do salário", defende o novo líder que, sobretudo, a partir de julho pode começar as suas propostas a debate.