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Esta noite, não gosto de ouvir Lisboa

Esta noite, não gosto de ouvir Lisboa

Jorge Araújo

Editor da E

As janelas da minha casa trazem-me a cidade. A vida lá fora.


Gosto de ouvir Lisboa.


As festas nos santos populares, os risos dos miúdos no parque, a zanga de uma vizinha.


Os sons da vida.


Habituei-me a ouvi-los como quem respira. Mas hoje é diferente. Como foi ontem.


Nesta noite fria, tenho as janelas fechadas. E, ainda assim, não consigo deixar de ouvir a vida lá fora. A luta pela vida.


Uma marcha de ambulâncias rompe o silêncio das ruas quase desertas. Uma e logo outra. Quem irá lá dentro? Minutos depois, outra ambulância. Quem irá lá dentro?


As marchas costumam ter letra alegre e batida animada. Daqui a nada, mais sirenes. Quem irá lá dentro? É impossível ficar indiferente.


Amanhã, posso ser eu. Qualquer um de nós. Na verdade, é o país inteiro que lá vai. Esta noite, não gosto de ouvir Lisboa.


Nestes tempos estranhos, a morte ronda por aí. Está em todo o lado. Cada vez mais perto.Já não é algo que acontece apenas aos outros.


As estatísticas são cada vez mais macabras, o medo é uma segunda pele. Vivemos a noite mais longa. Uma noite que parece não ter fim. Será que somos a Itália de há um ano?


Hoje é muito provável que se fale em novos recordes. Foi o que aconteceu ontem, o pior dia da pandemia em Portugal, com 219 mortos e 14.647 infetados. Não há maneira de se achatar a tão afamada curva. E as tão esperadas vacinas ainda não são a nossa salvação.


Com os números a cavalgar no vermelho, todas as atenções voltaram-se para as escolas. Devem ou não ser encerradas? Marcelo Rebelo de Sousa considerava, ao inicio da tarde de ontem, que “ é uma questão que se vai colocar entre hoje e amanhã”.


Rui Rio tinha mais pressa: “É o caso mais evidente da permissividade deste confinamento”, defende o líder do PSD.


Os diretores das ecolas públicas admitiam fechar escolas só a partir do 7º ano de maneira a evitar o confinamente dos alunos mais novos.


Ao longo do dia a pressão foi sempre em crescendo. E já ninguém parece ter dúvidas que o encerramento imediato da escolas vai ser uma realidade.A decisão final ainda está sujeita “ à análise de detalhes” deverá ser hoje anunciada pelo governo.


Esta pandemia começou há quase um ano. Mas parece que foi ontem. Nestes dias, vivemos com o coração nas mãos. Nunca mais é amanhã.

Outras notícias

Estados Unidos. Há nomes que devem ser esquecidos. E só merecem uma nota de rodapé, num qualquer livro de história, para que não se repitam. O nome do 45º presidente dos Estados Unidos da América é um deles.

Joe Biden tomou ontem posse como o novo inquilino da Casa Branca. É o regresso da decência. No discurso de tomada de posse não podia ser mais claro: “Hoje celebramos a causa da democracia. A democracia prevaleceu”.

Reparar o que foi feito nos últimos anos não vai ser pêra doce. Mas a normalidade parece ter voltado a Washington. Como escreve o editor de internacional do Expresso, “Joe Biden é um raio de sol para arrefecer e alumiar o Inverno”.

Presidenciais. A corrida está na reta final. Os candidatos queimam os últimos cartuchos. Belém é já ao virar da esquina.

Marcelo Rebelo de Sousa parece ter a reeleição assegurada. Mas uma sondagem da Universidade Católica para o jornal Público e para a RTP admite que pode perder cinco pontos percentuais nas intenções de voto.

Mas a grande nuvem negra que paira sobre o céu no próximo domingo é a abstenção. Por isso, Marcelo realça a importância do voto : “Uma abstenção de 70% pode tornar inevitável a 2ª volta”.

Os outros candidatos continuam na rua a tentar amealhar votos. Até ao lavar dos cestos é vindima. Mas se ainda tem dúvidas sobre onde colocar a sua cruzinha no boletim o Expresso dá-lhe uma ajuda. Não se esqueça que esta pode ser uma das mais importantes eleições nos últimos anos.

SEF. Ontem ficou a saber-se que o inspetor do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras acusado da morte de um cidadão ucraniano no aeroporto de Lisboa defende que os seguranças e outros inspetores deveriam também ser arguidos.

Futebol. O Sporting ficou ontem a conhecer o seu adversário na final da taça da liga marcado para sábado, em Leiria. O Benfica, muito desfalcado devido a um surto de covid 19 no plantel – perdeu por dois a um com o Sporting de Braga.

Depois da Supertaça este é o segundo troféu que escapa a Jorge Jesus, o treinador que na altura que assinou prometeu colocar o Benfica a jogar o triplo.

Temporal. O seu nome é Gaetan e não se trata do antigo jogador do Benfica. É uma tempestade que vai trazer trovoada, chuva forte e vento. O norte e o centro do país serão as regiões mais afetadas,

Explosão. Aparentemente tudo aconteceu devido a uma fuga de gás. Uma forte explosão no centro de Madrid destruiu um edifício provocando três mortes e vários desaparecidos. No momento em que escrevo este Curto há ainda uma pessoa desaparecida,

Cinema. A cerimónia de entrega dos óscares está marcada para o próximo dia 25 de Abril. O representante português para a categoria de melhor filme estrangeiro é “Vitalina Varela” de Pedro Costa.

Em Hollywood aumenta a expectativa em redor do filme português até porque recentemente conseguiu alguns apoios de peso. Será desta que teremos direito ao tapete vermelho?

O que eu ando a ouvir

Nos últimos dias, os meus ouvidos regressaram a casa. À Ilha do Sal, em Cabo-Verde, onde vivi parte da minha infância.

O Sal daquele tempo ainda não tinha sido conquistada pelo turismo de betão. Toda a gente se conhecia, éramos tão poucos que quase tínhamos uma praia para cada um.

Eu tinha três ídolos. O Scapa graças à sua bicicleta azul, o Ildo Lobo por causa da sua voz de ouro e o Tonecas Lobo à conta da elegância com que saltava entre os centrais e marcava golos que ainda hoje guardo na retina.

O Sal daqueles tempos estava mais próximo do Brasil do que de Portugal. Culpa da Varig, a companhia de bandeira brasileira, que ali fazia escala.

Sempre que o avião aterrava, o sotaque brasileiro tomava conta da minha casa. Havia grandes almoçaradas, lagosta e rios de cerveja.

O meu pai encomendava aos amigos brasileiros, livros, revistas e discos. Foi assim que cresci a ler a revista “Manchete” e a ouvir música brasileira.

Mas, de todos os discos da minha infância, há um que tem um significado especial. Não é de música, é de poesia. Um vinil de trinta e três rotações, com os relatos dos jogos do Brasil na Copa do Mundo de 1962.

Chama-se “Brasil bi Campeão” e é narrado por Zilber Santos. Começa assim: “Meus amigos. Esta é a história da seleção brasileira na sétima Copa do Mundo. Esta é a gloriosa jornada de 1962, que assegurou ao Brasil a inscrição, pela segunda vez, do seu nome no pedestal da ambicionada taça Jules Rimet”.


Foi graças a este disco que me tornei fã de Garrincha. Bastava fechar os olhos para ver as suas fintas, as arrancadas demolidoras, os golos do outro mundo. Para mim, ele era o melhor jogador do mundo.

Só voltei a sentir o mesmo muito mais tarde, ao ver Maradona jogar. A grande diferença entre Garrincha e Maradona é que, enquanto o primeiro é fruto apenas da audição, que sempre estende passadeira encarnada à imaginação, o segundo é o encanto do olhar.

Agora, que Maradona já não está entre nós, dou por mim, não raras vezes, a ouvir a música “La Manu de Dios”. Não sei qual é a versão que prefiro: se a original do Rodrigo se a do próprio Deus argentino.

Tenha um resto de bom dia.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: JMSAraujo@expresso.impresa.pt

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