Um jornal a sério tem de ir à rua aqui ao lado, à mais distante, ao país mais próximo mas também ao longínquo e até a um planeta novo que apareça, há jornalismo que se faz sentado mas há que ir aos sítios para se fazer jornalismo melhor e o Expresso exige-se a si próprio o excelente e por isso: o editor de internacional, Pedro Cordeiro, está esta semana a fazer reportagens e análises para provar que as histórias que os leitores merecem têm de ter jornalismo junto às pessoas e não longe delas, o Pedro está no Reino Unido sem saber se há Brexit ou não esta sexta-feira, está agendado para daqui a dois dias mas nem ele nem ninguém consegue garantir se há ou não, ainda assim é preciso relatar como um país, que na verdade é mais que um, passa por isto, como é que se agita e revolve e contesta e se avalia e nos surpreende e sobretudo como vai sair do apocalipse de votações marcado para hoje em que até um novo referendo e a revogação do Brexit são possíveis, leia o Expresso esta quarta e quinta e depois de amanhã e no sábado para acompanhar o que ele e não só estão a escrever, o Pedro Cordeiro sabe tudo sobre o Brexit e é hábil na arte de estar na rua.
Antes dele o Expresso enviou a Ana França, que há uma semana esteve no fim ou princípio do mundo, depende sempre da geografia do nosso olhar, foi a Holyhead, no País de Gales, que está colada a Dublin e por onde passam camiões saídos da República da Irlanda que depois seguem Europa fora, têm mercadorias para os países todos, mas que miséria virá se forem criadas fronteiras novas que encarecem os produtos desses camiões que seguem para o resto do mundo, e Holyhead tem mais de interesse: a cidade faz parte de um distrito que é dos que mais fundos receberam da UE e ainda assim votou para sair da Europa, dizem que se trata de "ignorância honesta" e para saber o que isso é tem de ir AQUI.
Nota visionária: a Ana França começa o texto de Holyhead a falar de uma noite que chega rápido, "que desce de repente sobre o vale como a cortina de um teatro", e depois ela contou-nos que começou a ler Werner Herzog quando regressou a Portugal e ele também fala de noites assim, "em cima da mesinha alta, cujas pernas foram hoje cortadas a meu pedido, arde agora uma lâmpada de querosene. Lá fora, o sol arrasta, veloz, a noite consigo, como o pano no final de uma peça de teatro", é um acaso bonito a confluência do que ela viu em Gales com o que Herzog descreve na sua literatura, a vida é um teatro e um dia a peça acaba mesmo, mas há outra particularidade nesta coincidência porque o livro chama-se "A conquista do inútil" e é irresistível especular sobre o que nesse título há de premonitório para o Brexit.
UM APELO A TUDO O QUE NOS TRANSMITE SENTIMENTO
Toda a gente mente e toda a gente morre, é a grande lição de medicina do dr. House, mas lida-se melhor com a mentira nas idades todas do que com a morte em idade precoce, João Vasconcelos morreu aos 43 porque o coração parou-lhe, ele que "era uma pessoa cheia de atividade, um homem que estava sempre presente, com vontade de levar Portugal adiante", "foi uma notícia terrível e chocante, ainda ontem ele falou com o meu filho", "era mais tarde ou mais cedo um ministeriável", tratava-se do "homem que acreditava nos robôs mas ainda mais no toque humano", Marcelo escreveu no site da Presidência da República que "a melhor forma de o homenagearmos é darmos visibilidade aos exemplos de êxito empresarial", e depois vemos esta fotografia rebelde do Tiago Miranda e constatamos como a morte vence sempre os combates. Toda a gente perde gente mas João Vasconcelos era um homem de apelos à vida e "a tudo o que nos transmite sentimento", então por respeito a isso ouça ISTO enquanto lê o que falta deste Curto, vai precisar - eu preciso -, é a canção mais triste mas certamente mais gentil que há de ouvir hoje.
A TUA PREMONIÇÃO DIABÓLICA FALHOU
"A vitória nas legislativas de 2015 foi o princípio do fim. Sem jogo de cintura para o jogo de Costa que se uniu à esquerda para encontrar alternativa à maioria não absoluta da direita, Pedro Passos Coelho nunca se ajustou ao papel de líder da oposição. Fiel à sua cartilha política e económica, recusou mudar, anteviu o Diabo como consequência para as populares reversões feitas pelo Governo PS face às suas políticas, e quando percebeu que a realidade não lhe dava razão, nunca se dispôs a cambalhotas. Pelo contrário, manteve-se na sua: o futuro mostrará que o caminho das esquerdas voltará a ter uma pesada fatura." Ângela Silva, no Expresso, quando escreveu em 2017 sobre os "Seis momentos memoráveis de um líder invulgar" que se despedia do PSD.
"Conseguimos consolidar as contas públicas devolvendo rendimentos e orgulho aos portugueses (...) Não seguimos políticas milagrosas nem nos deixámos abater por premonições diabólicas. Não cortámos nas pensões nem aumentámos impostos, como foi a triste história da economia portuguesa na anterior legislatura", Mário Centeno, para ler no Expresso, no dia (terça-feira) em que se soube que o défice orçamental atingiu um novo mínimo desde 1974 - João Silvestre explica o que aconteceu mesmo em 2018.
"Além de revelar que o défice ficou em 0,5% em 2018, o INE indicou também que a carga fiscal sobre famílias e empresas nunca foi tão grande em percentagem do produto interno bruto", anota o Observador, que titula: "35,4% do PIB. Carga fiscal atingiu novo máximo histórico".
Conclusão: há matéria para tweets chatos de Costa e muita previsibilidade da oposição.
LEITURAS E AUDIÇÕES RÁPIDAS (E UM PEDACINHO DE TOLSTÓI)
Conselho de ministros Karenina ("todas as famílias felizes parecem-se umas com as outras, cada família infeliz é infeliz à sua maneira"): Comissão Política #74: Now, jobs for the family, no Expresso
Pesado: Caso do triatleta. Amantes planearam o homicídio e as férias do verão ao mesmo tempo, no Expresso
Para ler e ver mesmo: “O assunto é sério, precisaremos de ajuda até Março de 2020”, dizem em Búzi, no Público
Útil: Se morar num destes 130 municípios vai pagar menos IRS, no Expresso
Fez as pazes: Salvador Sobral: “Já não tenho uma relação ressabiada com a Eurovisão. Estou bastante agradecido ao que ela me trouxe”, na Blitz
Isto vai melhorar as suas manhãs todas: vá ALI se usar iOS ou ACOLÁ se for Android, mas será sempre do New York Times
MANCHETES
» Público: "Governo quer creches em quartéis para ter mais mulheres militares"
» Diário de Notícias: "Lisboa ganhou seis semanas de verão em 40 anos"
» Jornal de Notícias: "Câmaras obrigadas a devolver milhões de IMI às eólicas"
» i: "Tribunal de júri é mais vulnerável à pressão da opinião pública"
» Negócios: "Especial ADSE: que futuro para o sistema de saúde dos funcionários públicos?"
CARTA AO PEDRO
Já olhou para um amigo e pensou como o amigo se fez assim amigo, tão fundamental e inabdicável, eu já e espanto-me sempre, nunca sei como aquele amigo aconteceu mas desejo que me aconteça enquanto eu acontecer, e ele às vezes transforma-se e já não o amamos da mesma maneira, às vezes é de maneira ainda maior ou nem por isso, só assim-assim ou assim-mais ou assim-menos, e depois o amigo vai embora e sabemos que continuamos a amá-lo muito-muito e aos amigos que ficam passamos a amá-los mais-mais, mas voltando:
já olhou para um amigo e pensou no primeiro abraço, eu recordo-me só do último e é este que vou lembrar sempre haja outros ou nenhum, há amigos bons a quem abraçamos pouco ou nada e um amigo é para aproveitá-lo todo e desperdiçá-lo nunca, é agarrá-lo com os músculos que temos e fazer exercício com o amor que lhe sentimos, abram um ginásio de abraços que eu vou já pôr-me em forma, tenho aprendido que abraçamos de menos e sem a lentidão devida, um abraço longo tem as palavras todas que queremos falar mas também as que não tivemos coragem de dizer, até nisso os abraços são nobres e bravos, resolvem a cobardia das coisas caladas, e daí a urgência humilde de um abraço que mostre ao amigo que aquilo é para durar a vida inteira nem que a vida que conhecemos esteja a acabar ali e por isso aperte os seus amigos e demore-se nisso, mas voltando:
já olhou para um amigo e pensou na primeira zanga, eu lembro-me de várias e às vezes esqueço-me de todas porque há zangas pequenas cheias de razão que se vão acumulando numa grande zanga vazia de sentido e depois os equívocos e as desilusões que resultam da soma das pequenas zangas deixam danos irreparáveis na grande zanga sem fundamento, mas depois há uma desgraça que é maior que os desentendimentos sem graça e a fortaleza da amizade reabre os portões, os amigos têm as lágrimas e os gestos e a lealdade e o olhar e a bondade e o perdão e as palavras e sim, os abraços, para se repararem e reiniciarem o ciclo das zangas, e eles zangam-nos tanto porque a amizade é sentimento tão puro e perfeito mas o Homem demasiado impuro e imperfeito para praticá-la mas também o mais necessitado e habilitado para salvá-la, mas voltando:
já olhou para um amigo e pensou como os outros olham para ele, contestam que ele se expresse de determinada maneira e nós achamos que é a da maneira determinada, lamentam que ele fale pouco e nós elogiamos que fala tudo, dizem que ele é demasiado reservado mas nós reservamos-lhe mesas onde dança sobre elas, apontam-lhe aquele erro e outro e mais outro e nós respondemos com aquele acerto e outro e mais outro, eles criticam e nós rebatemos e não criticam por mal é porque tem de ser e nós rebatemos por bem porque está certo, às vezes fala-se pior de quem se espera tudo e contrapõe-se com o melhor de quem sabemos ter tudo, nós temos o privilégio da intimidade e os demais o direito da dúvida, a amizade é informação e informação a menos é incompreensão, as pessoas boas precisam de um site de breaking news sobre elas, última hora: foi um mal-entendido a perceção que têm de mim, e depois uma notificação magnífica no telemóvel: eu sou melhor do que pensas e devias tentar vê-lo porque vou fazer o mesmo contigo, mas voltando:
já olhou para um amigo e pensou como ele o inspira, como ele tem as mesmas palavras que eu e você mas porque sabe escrevê-las melhor é assim:
ele diz liberdade e acreditamos que o fogo não queima,
ele diz paixão e acreditamos que o amor não mata,
ele diz coragem e acreditamos que a dor não fere,
ele diz saudade e acreditamos que a solidão fortalece,
ele diz tristeza e acreditamos que a felicidade existe,
ele diz bondade e acreditamos que os desamparados triunfam,
ele diz lealdade e acreditamos que a franqueza enobrece,
ele diz chora e acreditamos que a força vem,
ele diz luta e acreditamos que a desilusão passa,
ele diz faz e acreditamos que o talento impõe-se,
ele diz orgulho e é o que temos por ele.
Dedicado ao Pedro, que me trouxe para o Expresso, e dedicado a si, caro leitor, que me traz para o Expresso todos os dias. Somos o maior e melhor jornal deste país.
Tenha um bom dia.
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