“Já tem idade para a reforma, devia dar lugar aos mais novos”: o idadismo ainda é pouco conhecido e comportamentos “têm sido normalizados”
Cerca de metade dos participantes do estudo “Ética e diversidade geracional no trabalho” não conhece o conceito de idadismo – a discriminação baseada na idade. Entre os que o experienciaram, a maioria não reportou. As coordenadoras do trabalho elaborado pelo Fórum de Ética da Católica Porto Business School conversaram com o Expresso sobre as principais conclusões, que apontam para comportamentos que são aceites como “normais”, levando a um “sofrimento silenciado”
Muitos não conhecem o conceito, mas já o vivenciaram ou testemunharam. Esta é uma das conclusões do estudo “Ética e diversidade geracional no trabalho”, elaborado pelo Fórum de Ética da Católica Porto Business School, relativamente ao idadismo – a existência de estereótipos, preconceitos e discriminação com base na idade.
Num total de 1074 inquiridos, consultados entre agosto e setembro, cerca de metade (48%) diz não conhecer o termo. Depois de apresentado o significado, 34% indica ter experienciado ou testemunhado discriminação pela idade no local de trabalho. A maioria não reportou as situações (59%) e a principal razão está no facto de não acreditar que fossem tomadas medidas de correção (49%), a que se segue o receio de retaliação (20%).
“Se não falamos das coisas ou se achamos que é normal, elas não vêm para a mesa, não vêm para a agenda”, aponta ao Expresso uma das coordenadoras do estudo, Helena Gonçalves, a propósito do desconhecimento sobre o conceito. E exemplifica: apesar de existir, “há 15 anos ninguém falava de assédio”. “O desconhecimento do conceito não permitia, por um lado, falar sobre ele e, por outro lado, não permitia denunciá-lo.”
Foi, aliás, o facto de o idadismo ser um assunto ainda pouco debatido um dos motivos para a escolha do tema do estudo, que este ano aborda, além das dimensões referentes à discriminação em função da idade, as perceções e preocupações sobre convivência intergeracional no trabalho e as preferências geracionais sobre a organização e o trabalho.
Segundo Susana Magalhães, também coordenadora do estudo, os exemplos dados pelos participantes mostram que os pensamentos e atitudes baseados em preconceitos associados à idade “têm sido normalizados”, conduzindo a um “sofrimento silenciado”. “Há uma normalização, determinado tipo de comportamentos que interiorizamos como sendo normais e acabamos por aceitar, sabendo que nos causam sofrimento. Mas também como não sabemos exatamente como nomear o problema, porque não sabemos sequer que há um conceito – o idadismo – que pode ser usado para chamar a atenção, acabamos por não falar sobre o problema.”
Os dados mostram que a vivência de discriminação aumenta com a idade: de 13% entre os 18 e os 24 anos para 39% nos maiores de 60. “Já tem idade para a reforma, devia dar lugar aos mais novos” é apenas um dos testemunhos partilhados. São também vários os relatos de não atribuição de funções ou de formação aos mais velhos porque “já não têm competências” ou “já não vale a pena”.
Mas também para os mais novos a idade pode ser um “peso”. A maioria (70%) dos jovens adultos – entre os 18 e os 24 anos – sente pressão para demonstrar o que vale devido à idade. Ao mesmo tempo, 43% dos maiores de 60 anos tem trabalhado com mais empenho para superar as expectativas que os outros têm de si. Estes são, portanto, os dois grupos etários que “mais se preocupam”. “Uns por serem muito novos e outros acharem que não têm experiência. Na outra faixa limite, porque os outros, mais novos, pensam que eles já não têm as competências necessárias”, retrata Helena Gonçalves.
Para a esmagadora maioria (92%), o idadismo pode ser combatido através de atividades de educação e formação e são vários os atores relevantes, nomeadamente a sociedade civil, as empresas e o Estado. A nível global, a investigadora salienta que a “maior recomendação” passa pela criação de “equipas mistas”, que proporcionam que as pessoas “se conheçam e não tenham atitudes discriminatórias”.
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Equipas com trabalhadores de diferentes gerações permitem também uma passagem de conhecimento e aprendizagem que a maior parte dos inquiridos considera crucial para “preservar a memória e a cultura organizacional”, aponta Susana Magalhães. “Esta junção de gerações no dia a dia de trabalho, no quotidiano e não só em atividades pontuais, vai permitir perceber que temos todos a ganhar uns com os outros”, resume Helena Gonçalves.
Os primeiros resultados do estudo foram apresentados na conferência anual do Fórum de Ética na semana passada e o relatório final será divulgado em breve. Está ainda a ser preparado um livro coletivo com a partilha de experiências enquadradas no tema. Qualquer pessoa pode enviar um testemunho para forumetica.cpbs@ucp.pt até 30 de novembro.